31 dezembro, 2011

água

Ontem, arrumando o escritório, resolvi lavar as santas, coitadas, empoeiradas a valer. No instante em que decidi sabia que podia chover.
Quando Vinicius e eu nos mudamos para o apartamento que dividimos por alguns anos, era julho e era uma secura insuportável. A gente ia e vinha a pé na Eusébio Matoso - e em cima da ponte o seco era mais intenso - para equipar a casa com talheres, copos e tudo o mais que precisava para fazer daquele espaço o nosso lugar. Naquele julho a gente lavou vários santos quase todos os dias tentando amainar a aridez. Se lá fora não funcionou, pelo menos dentro de casa deu certo: as palavras sempre úmidas, amolecidas pelo café quentinho e doce que a gente fazia nos fins de tarde, no coador de pano, mesmo que às vezes a preguiça o virasse em nescafé. A secura amenizada pelos tons de alaranjado que entravam pelas nossas janelas sem cortina. Apesar de dífices, bons aqueles tempos... (depois ainda veio Petronio, que não bebia café, mas também dividia doçuras).
No último dia do ano, acordei lembrando de mais de dez anos atrás. Vai ver que tem ciclo que é mais longo que doze meses. Vai ver que "arrumar a casa" para o novo e se sentir grato pelo que passou pode ir mais longe que o passado recente. Vai ver que eu precisava dessa umidade tranquila para aquietar o coração antes de me sentir pronta para recomeçar.
As santas, de todo jeito, parecem felizes e frescas.

27 dezembro, 2011

lindeza

das coisas que a gente (re)encontra: tão bonita, tão bonita. tão cheia de esperanças. tão cheia de poesia. que até o amor fica um bocadinho menos cotidiano e rebrilha, intenso, esparramando pelo chão.

24 dezembro, 2011

abeirar-se

não sei, não sei. há tempos que percebo que o final de ano, com seus ritos de renascimento e renovação, mudaram de sentido (não vou dizer "perderam" para não parecer uma velhinha rabugenta. e também porque sentido é a gente que dá, então se aquele ficou gasto, ninguém disse que não dá para construir um novo). mas este ano, especialmente, a mudança parece que ficou mais palpável, mais nítida. por isso esse esforço de agarrá-la com palavras.
esse fim de ano me trouxe uma preguiça maior. preguiça da correria e do frenesi. mas ao mesmo tempo me trouxe uma energia boa, que obriga à permanência. nesses tempos, precisa de muito mais pique pra parar que pra continuar no fluxo.
talvez por isso esse intervalo entre o fim de 2011 e o começo de 2012 me tenha obcecado com a imagem da beirada: borda da piscina, orla da praia, margem do rio. todas essas beiradas em que a gente se apoia, podendo hesitar antes de se curvar em mergulho. a sensação boa do piso firme e da desnecessidade da pressa. mas também a sensação boa da iminência da água, fria ou quente, doce ou salgada, rasa ou funda, parada ou correnteza. na beira a gente antecipa a sensação, aprende a decidir.
então, nessa beirada de 2012, meus votos são que a gente tenha sempre essa borda firme pra onde correr - um descanso, um respiro, uma mão dada. e que a gente tenha também a coragem do salto (pois a beirada também é do abismo). companhia e coragem. será muito?

16 dezembro, 2011

faixa preta

o exercício consiste em ir por debaixo da água e voltar em qualquer estilo. quatro vezes, a professora me diz. (um conto da Doris Lessing um dia quase me mata afogada: a travessia da personagem me roubando o fôlego. emergi do conto precisando de socorro, ar, respiração boca-a-boca). obediente, faço o que a professora manda. mergulho, e a água me pesa como intenso presente. braços e pernas em movimento, vencendo a faixa pintada no chão. a maior armadilha é não olhar à frente - a água e a pressão multiplicadas por mil sem essa perspectiva. que carpe diem que nada! eu quero: a luz no fim do túnel, o pote no final do arco-íris, a linha de chegada.

09 dezembro, 2011

constatação

vai daí que, para diminuir os sintomas da gripe, Interpol é melhor que paracetamol.

07 dezembro, 2011

nove

o dia quase acabava quando me lembrei: a data gravada do lado de dentro da aliança confirmando que é hoje, que foi há nove anos que a gente inventou uns ritos para dizer ao mundo que a partir de então apostávamos no para sempre. a gente não é muito de lembrar e comemorar datas - ainda bem que você é como eu, e não se chateia com a minha memória falha ou com a minha dificuldade de emergir do fluxo dos dias - mas vale a lembrança e o esforço de cavar um respiro no cotidiano e celebrar. mais um ano. trezentos e sessenta e cinco dias e tanta coisa que não cabe nessa conta - nossos encontros, nossos desencontros; nossas perdas, nossos ganhos; nossa saúde, nossa doença e todo um conjunto de cintilâncias, minúsculas partículas de tempo que se acumulam nos nossos corpos, nos nossos móveis, e se entranham por tudo isso que é nossa vida em comum. é pouco. é tanto. é na corda bamba. é, ainda hoje, para sempre.


Por Toda Vida from Cinema de Rua on Vimeo.

02 dezembro, 2011

enlevo


indo para longe de casa por alguns dias, ouvindo música bem alto para preencher com som a saudade antecipada, por um breve momento - juro para vocês - o que me sustentava no ar não era mais o avião, mas o som delicadíssimo que saía do mp3.

Imagem: Alicia Varela.

01 dezembro, 2011

posto de observação



pézinhos fincados no galho, os passáros vizinhos ao aeroporto se reúnem todos os dias às cinco da tarde para acompanhar os pássaros enormes e esquisitos em sua estranha revoada: um a um, obedientes, avançam na fila rumo ao céu, sem canto nem alegria de asas a bater.
piam muito e farfalham as asas; galhofeiros, os pássaros vizinhos ao aeroporto, entre riso e inveja - não sabem se seus irmãos são ridículos em sua rigidez ou maravilhosos nas alturas que alcançam.
os pássaros enormes e esquisitos, porém, nem-te-ligo: sobem sempre de nariz empinado.

Imagem: daqui.

17 novembro, 2011

na sala de espera

sempre está lá quando eu chego, acompanhando o marido. não sei direito que tratamento ele faz, mas ela, infalível, lendo enquanto espera. hoje, o chumbo do céu prestes a desabar e a tristeza também, mal contida e querendo escorrer. comento o resfriado, a falta de voz durante o feriado, e do tempo enlouquecido e não-cíclico passamos aos sentimentos enlouquecidos e sem tempo para serem cíclicos. que ontem teve um tempo só para si mesma e chorou sem estancar. que o marido se operou há oito meses e nunca mais foi o mesmo. que se recusa a sair, passear, fazer-lhe companhia enquanto ela desfia a conta dos dias de intenso cuidado. que ele só quer dormir. que ela desejaria acordá-lo mesmo que aos trancos, para rever o homem com quem casou (isso ela não fala, mas eu escuto). que a filha, consoladora, lhe escreve que deus não dá cruz maior que possamos carregar e ela se dói em reconhecer no marido um peso e chora mais, agora a culpa misturada ao cansaço. que o marido nunca parava e tinha medo do que aconteceria à família caso faltasse e que agora ela já sabe que pode sobreviver, mas não quer mais sentir essa falta (isso também, ela não diz, embora se ouça). parco conforto, conto-lhe histórias semelhantes para que se sinta menos só. ela, ele, subitamente minha avó, meu pai, minha amiga querida, eu mesma. ela, nós, e nossa dificuldade de parar, nosso medo de envelhecer, nosso teimoso apego a certa imagem de nós mesmos. ela fala e eu escuto, preenchendo entrelinha por entrelinha. até que a porta do consultório se abre, o marido chega e ela reencontra a energia que buscava no gole de café para ampará-lo na saída. tchau, boa semana. oxalá seja mesmo, boa e límpida, a próxima semana.

10 novembro, 2011

cegueiras. visões.



Para mim, linguagem e imagem estão ligadas, isto é, o verbo é cego, mas é o verbo que torna visível. Sendo cego, o verbo torna visível, cria imagens, graças ao verbo nós temos as imagens.

Atualmente, as imagens se criam por si mesmas, deixaram de ser o resultado do verbo, e isso é muito grave. É preciso que haja um equilíbrio entre verbo e imagem.


Fotografia: Evgen Bavcar, "Stair with shadow".

09 novembro, 2011

frágil

tentando colocar ordem nos arquivos nesses últimos oito anos de pesquisa (ô tarefa interminável), encontrei aquilo que, em algum momento do doutorado, achei que pudesse virar epígrafe e hoje só sei disso por conta do nome do documento em que a passagem está anotada. por fim, com o rumo que as coisas tomaram, a epígrafe virou outra, embora também da Clarice, pois se tratava se sublinhar a disposição para um certo modo de pensar e trabalhar. de todo jeito, foi bom reencontrar o trechinho destacado, com a surpresa de quem lê a primeira vez.

E quero saber se a esperança era uma contemporização com o impossível. Ou se era um adiamento do que é possível já - e que eu só não tenho por medo. Quero o tempo presente que não tem promessa, que é, que está sendo. Este é o núcleo do que eu quero e temo. Este é o núcleo do que eu jamais quis. (Clarice Lispectos, n'A paixão segundo G.H.).

28 outubro, 2011

plano de taxonomia da leitura


(1) sísifo: há livros que são impossíveis de vencer e se acumulam aos montes - nas estantes, na consciência ou simplesmente na cabeceira da cama. abri-los é reviver o cansaço. insistir, apesar de inútil. nesse caso, a leitura, sempre breve e logo interrompida, se faz entre suspiros e os olhos pesados.

(2) correnteza: há escritores que escrevem tão liso que os olhos escorrem pela página, ávidos. uma escrita sem quinas nem arestas. as palavras deslizando musgo a musgo o caminho até o ponto final. que para atravessar o fluxo, servem pontes ou pedras.

(3) entrega: há também escrituras suaves, que estendem a mão e a leitura é, então, caminhar lentamente nos passeios frescos. a escrita quase tão macia quanto a anterior, mas os paragráfos dão outro ritmo ao olhar. se alguns trechos comportam passada mais cadenciada, em outros há que se demorar: alternam-se capítulos áridos com outros mananciais. e para percorrer as páginas até o fim, só mesmo a confiança na mão que se tomou ao abrir o livro.

(4) espera: tem escritos que não entendemos e que, ainda assim, fascinam. os olhos voltam-se quase fixos para as páginas, bem abertos, tentando adivinhar no todo o lugar de cada palavra. feito deitar no chão numa noite estrelada e tentar, sem treino, nomear constelações. ânsia de ordem e sentido. tem livros que a gente lê e relê sentado do lado de fora da porta trancada, esticando os ouvidos para os passos e as voltas na fechadura.

(5) arqueologia: tem ainda os livros-tesouro. dos mais raros e dos menos afeitos à taxonomia, pois o valor não se mede em sal, ouro ou moeda, e o que é significante para uns é alimento de traças ou fogo para outros. os livros-tesouro lemos com olhos lânguidos, cada página um beijinho atrás da orelha. os livros-tesouro também lemos bem de perto, para os cílios escavarem os parágrafos em busca da sentença-pérola que faísque a certeza da preciosidade.

Ilustração: Alicia Varela.

26 outubro, 2011

epígrafe futura

 via Juan Yanes, a quem vale muito visitar para conhecer as fotos com que ilustra este texto.
(Texto que fica ainda mais perfeito depois de ter ouvido falar, hoje de manhã, a Jeanne-Marie Gagnebin, sobre Paul Ricouer e uma ética da memória, capaz de nos ajudar a sepultar os mortos, fazendo justiça a Fulanos, Cicranos e Beltranos).

¡Si en la historia no hubiera más que batallas; si sus únicos actores fueran las celebridades personales, cuán pequeña sería! Está en el vivir lento y casi siempre doloroso de la sociedad, en lo que hacen todos y en lo que hace cada uno. En ella nada es indigno de la narración, así como en la Naturaleza no es menos digno de estudio el olvidado insecto que la inconmensurable arquitectura de los mundos. Los libros que forman la capa papirácea de este siglo, como dijo un sabio, nos vuelven locos con su mucho hablar acerca de los grandes hombres, de si hicieron esto o lo otro, o dijeron tal o cual cosa. Sabemos por ellos las acciones culminantes, que siempre son batallas, carnicerías horrendas, o empalagosos cuentos de reyes y dinastías, que preocupan al mundo con sus riñas o con sus casamientos; y entretanto la vida interna permanece oscura, olvidada, sepultada. Reposa la sociedad en el inmenso osario sin letreros ni cruces ni signo alguno: de las personas no hay memoria, y sólo tienen estatuas y cenotafios los vanos personajes… Pero la posteridad quiere registrarlo todo: excava, revuelve, escudriña, interroga los olvidados huesos sin nombre; no se contenta con saber de memoria todas las picardías de los inmortales desde César hasta Napoleón; y deseando ahondar lo pasado quiere hacer revivir ante sí a otros grandes actores del drama de la vida, a aquellos para quienes todas las lenguas tienen un vago nombre, y la nuestra llama Fulano y Mengano. Benito Pérez Galdós (Las Palmas de Gran Canaria, 1843 – Madrid, 1920)

23 outubro, 2011

primavera

(clique na tirinha para ampliar)

 primavera estranha essa, com cara de inverno nos dias de infinito azul que de repente erram em cinza e choram como a ecoar a eternidade. tem dias que chove para sempre. tem primaveras que adiam o verão.

então hoje, duas flores na espada de são jorge. e eu nem sabia que ela florescia - comprei, há muitos anos, um vaso de sete ervas, e elas morreram uma a uma, a não ser a espada de são jorge: firme e forte, querendo alcançar o céu, crescendo para todos os lados, ocupando todas as brechas. boa companhia. que, muito de repente, rompe o silêncio e oferece uma flor. uma não, duas.

a flor estendida acorda a esperança. e as mãos decidem distrair o coração um tanto pesado remexendo terra, podando as folhas amareladas, limpando os vasos das flores ressecadas, fertilizando a terra cansada. a atenção e o cuidado resultam em descobertas: as violetas, todas brotando; as flores de maio, depois de tanto desesperar em flor, mais comedidas na oferta das pequenas pérolas rosadas; o kalanchoe, lembrança das bodas de prata da tia, imenso, feliz ao se esparramar em mais espaço. e as suculentas, compradas também há muitos anos, em pequenos vasos de cerâmica que logo tiveram que ser substituídos por outros cada vez maiores, tentando sobreviver mais um verão à ameaça dos pulgões. que se a secura queima, a umidade em excesso também faz murchar.

com o filho, o plantio das sementes: alface e couve-flor. por enquanto, nos pequeninos berços da germinação.

me espanto com toda essa insistência em nascer e florescer. com essas presenças silenciosas, parte cultivadas, parte teimando em viver. me espanto com esse mistério que as faz tirar da terra e de si mesmas as forças para se projetarem no mundo.

e como não entendo, me contento em agradecer a surpresa. como se, de supetão, a flor recém-descoberta rompesse, além da terra, o tempo e inaugurasse uma nova estação.

Tirinha: Liniers

13 outubro, 2011

Rodrigo faz seis anos


Hoje o Rodrigo completa seis anos. Seis anos fora da minha barriga, como explico a ele, todas as vezes em que ele me pergunta que história é esta de aniversário. Especialmente esse ano, em que a vertigem das mudanças do próximo faz com que ele volta e meia questione essa comemoração, como a bater o pé bem forte: não quer ter seis anos, não quer ficar maior, não quer deixar de ser criança... Rodrigo, aos seis anos, não quer mais saber de ficar grande. Aquela ansiedade que ele tinha de crescer deu lugar ao esforço de reter o sabor desses tempos gostosos, de experiências, de fantasias, de jabuticaba e amora no pé. Ninguém disse para ele que as coisas vão mudar radicalmente, mas ele intui. Ele percebe que já não é mais tratado como criança pequena e que junto com as conquistas e liberdades vêm também as cobranças.

A gente passa a vida oscilando entre se sentir pequeno e se sentir grande. Às vezes as coisas são tão difíceis que falta ar, a gente ganha a perspectiva da nossa insignificância no fluxo das coisas. Tem outras vezes que tudo é tão pleno que a gente fica enorme, gigante mesmo. E nada disso tem a ver com aniversário: me espanto como o Rodrigo já percebeu isso. Quando aprendeu a ler, em julho, tenho certeza que ultrapassou em muito os seus 1,20m: dois, três metros de altura na aprendizagem de pensar de outra maneira. Mas agora, frente à possibilidade de mudar de escola, de passar para o primeiro ano, de sentir saudade dos professores e amigos que fez ao longo de sua vida, se sente pequeninho. Recusa o espelho distorcido: não quer ouvir que é grande enquanto se sente impotente para fazer o tempo parar.

E aí me ensina, nesse partejo vitalício em que a gente se reinventa mãe e filho, que para caminhar ao lado dele é necessária essa atenção que não teme o encantamento de aumentar e encolher mesmo sem a ajuda de biscoitos ou cogumelos mágicos: o orgulho e a admiração nos momentos de gigante, o colo nos momentos de mosquinha, as mãos dadas em todo o resto tempo.

O Rodrigo tem toda razão. ainda que 13 de outubro marque o dia em que ele decidiu que estava na hora de ver o que tinha aqui fora, é só um dia no tempo do calendário. Importante mesmo é o momento-quando a gente se sente crescer, quando a falta de ar da consciência do nossos limites encontra distração no peito inflado de alegria e orgulho por termos ultrapassado a nós mesmos. Fique tranquilo, filho: quando você voltar a sentir que cabe justo na sua própria pele, a gente bate outro bolo, enrola outros brigadeiros.

Imagem: Ziraldo (O menino maluquinho)

29 setembro, 2011

lua em libra

adoro a ideia de encontro. encontro como o momento oportuno, em que é possível olhar o outro nos olhos e reconhecê-lo. como a cheia do rio, que inunda e torna fértil e depois dela, a gente fica ao menos um pouquinho mais capaz de florir nas primaveras. encontro como a coincidência que ampara, que faz crer numa ordem qualquer - mundana ou celeste. como a sombra fresca na qual o refúgio é possível. encontro como bolha de sabão - ilusória proteção, nem por isso menos bonita. encontro como o momento em que a gente se abeira do outro e não duvida da coragem, então salta.
gosto tanto da ideia de encontro que às vezes até esqueço que o encontro também pode ser colizão. a freada brusca sulcando o peito quando à frente: um muro de descaso. a coincidência virada em fatalidade - a hora errada, o lugar errado, a pessoa errada. os caquinhos de vidro, o pó levantado e a gente tonto, torto, em meio à confusão.
a boniteza e a violência do encontro. a delicadeza e a intensidade do encontro. que da vida a gente não escapa nem quando sai ileso.

25 setembro, 2011

sem palavras

tem tempos em que o silêncio é fervura: pura incapacidade de fazer brotar as palavras no mesmo ritmo que o sentimento ebulindo, frenético. as palavras, desconexas, revirando a superfície quando pronunciadas. revolvendo a todo o tempo as profundezas, incapazes de pouso.
tem tempos em que o silêncio é cuidado. cerca que se constrói em torno do que é precioso, menos para guardá-lo do que para reconhecer seus contornos, admirar sua extensão, minuciar seus detalhes. as palavras, caladas, abismando um fosso ao redor do que importa.
tem tempos em que o silêncio é vazio. quase perder-se a si mesmo em meio ao fluxo, abafando o dissonante na ininterrupção. um silêncio difícil, de quem recusa parar de falar, e vai em frente, sempre em frente. e ainda adiante. tempos de oquidão. de persistência. de insistência. então - ainda por hoje - insisto.

06 setembro, 2011

uma fonte em meio à mata

o que é um nome? uma conversa do pai com sabor de pescaria, uma lembrança querida, uma vontade de filiação, o signo do deslocamento antigo. uma forma de sedução: a pequena história dividida na doçura dos começos, quando os sorrisos sempre amplos e os olhos sempre lumes. um luto, quando desaparece aquele que, semi-encerrando uma linhagem, era capaz de escrevê-lo, a pinceladas grossas no papel de arroz. uma esperança, na ponta do nome dos filhos, identificando-os no mesmo movimento que os mistura em laços mais largos e ancestrais. um encontro: a imprecisão do significado desimportante frente à descoberta de me aproximar de você, os pés descalços no macio da terra molhada, os pelos arrepiando-se com o sopro da sombra e a sede satisfeita em goles largos da água limpa. abundante. sempre fresca.

31 agosto, 2011

em fogo brando

no final de semana assistimos novamente amor à flor da pele. é tão bonito, tão delicado... mas ao mesmo tempo de uma melancolia tão fininha que chega a doer - porque da honradez não resulta recompensa, porque o encontro não se sobrepõe ao sentido do tempo (e deve ser por isso que o Kar Wai filma tanto os relógios): há tempo para tudo, e para as personagens, o tempo do encontro parece ter passado.

e na segunda-feira assistimos 2046 (aqui saiu com o subtítulo os segredos do amor), que é um filme bem diferente, muito mais comprido, muito mais confuso, que deixa a gente sem entender muita coisa. a personagem do Tony Leung, Chow, é bem... irritante, para dizer o mínimo (dá vontade mesmo é de entrar na tela e dar uns tabefes nele, tanta cafajestagem!), mas ao mesmo tempo também melancólica: desencontrada, como se estivesse mesmo a bordo do trem metafórico que viaja eternamente, sem possibilidade (ou esperança) de encontrar o porto certo onde desembarcar.

aí hoje de manhã me peguei pensando nisso: que 2046 é um futuro onde as lembranças não se perdem, mas é sobretudo um passado que a gente não consegue abandonar. é como se o passado lançasse à frente de si seus trilhos e a gente ficasse condenado a permanecer no trem, sem escape. 2046 é um quarto, quatro paredes onde o encontro se faz possível, sob a proteção do resto do mundo. fora dele, o encontro vira segredo, peso a ser carregado e só partilhado com criaturas vivas mas silenciosas. em 2046, Kar Wai repete quase à exaustão a história dos segredos insuportáveis, dos quais nos livramos ao depositá-los num buraco de árvore e, em seguida, cobri-los com barro.

eu não sei como a vida é na china e o quanto um social tão coeso pesa sobre um individuo; não sei dizer o quanto os desencontros e a infelicidade das personagens, nessas duas narrativas do Kar Wai, podem ser creditadas à circunscrição da individualidade a um quarto [e hoje de manhã também me lembrei d'o quarto 19, da Doris Lessing, que é o segredo que torna a vida suportável]. eu só vejo daqui onde estou. e daqui onde estou, me lembro de duas frases, uma da clarice, outra da camille claudel, citada pelo caio fernando abreu em uma de suas crônicas.

"Guardo seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver" (Clarice Lispector).

"Existe sempre alguma coisa de ausente que me atormenta" (Camille Claudel).

e lembrando dessas duas frases, e pensando na recorrência com que as personagens desistem uma das outras por não encontrarem aquilo que estavam procurando - em geral, a recuperação de um amor que foi embora - fiquei pensando que o filme é sobre esses trens expressos nos quais embarcamos quando queremos nos livrar de uma lembrança/ quando queremos recuperar o que nos falta/ quando, sem companhia, não sabemos mais para onde ir: é sempre um risco, já que o trem pode nos levar ao futuro, mas também ao passado ou, pior ainda, nos deixar aprisionados em uma viagem duradoura. estar no trem é o momento-quando do abandono.

o segredo, fardo pesado, é aquilo que sempre falta mesmo quando a gente segue adiante. é a sensação de que o tempo oportuno escoou, de ter perdido o encontro certo. é o arrependimento pelo que não foi. é dor latejante que embaça os olhos e impede o reconhecimento do porto possível, condenando à errância.

queima silenciosa e mornamente, esse segredo, essa falta.

(o edu tem toda razão: para dar tal destino à personagem, o Kar Wai não deve mesmo gostar dela).

23 agosto, 2011

respirar (ou: a liberdade é azul)

depois de anos, voltei a nadar. gosto muito: o deslizar às vezes devagar, às vezes rapidíssimo, o silêncio dos pensamentos, calados pelo barulho constante dos braços e pernas se agitando contra a água. nadar é entrega e é luta.

a professora me alerta que o corpo se esqueceu de nadar do jeito certo. eu mesma não percebo, senão no cansaço que, parada tanto tempo, decifro como recomeço. romper a inércia do corpo é exaustivo, mas não é isso que provoca o cansaço: me canso tentanto respirar sem apoio, estabanadamente lançando os braços para frente quando deveria deixá-los permanecer, dando assim o impulso que tornaria a respiração mais fácil e leve. me canso tentando erguer a cabeça sem esteio. uma espécie de orgulho burro, deve ser: vencendo as distâncias sem precisar nem mesmo de mim.

depois do alerta, presto atenção e forço os braços a fornecer descanso para mim mesma. até que a lição se imprima nos músculos, no entanto, preciso lembrar de me amparar quando me lanço a braçadas na água azul e morna.

reaprender a respirar entre os movimentos que me permitem seguir adiante. viver também, é entrega e é luta.

28 junho, 2011

para o livro das epígrafes

(via Veronika).

valer la pena, juan yanes
En el borde, en el límite, en la frontera, en el riesgo, en la inseguridad, en la incertidumbre, en donde empiezan las cosas que no han sido dichas, los fenómenos que no tienen nombre, las formas que no han sido definidas, los objetos que todavía nadie ha nombrado. Sólo vale la pena vivir donde empieza el vértigo. 
***

A vertigem inebriante à beirada do abismo, tontura e cansaço do esforço que levou até ali. Como se na fundura morassem todas as palavras conhecidas, e elas esperassem nosso salto para se revelarem outras. Na base do poço, o que sabemos virado em ainda não? Engano meu: em pleno vôo, a iminência do infinito.

27 junho, 2011

dia 31

Finalmente, o desafio musical chega ao fim. Por isso, nada melhor que grupo Rumo cantando "Essa é pra acabar". Para terminar com bom humor, "antes tarde que mais tarde":

E nem é uma questão só de entender

Vocês também têm mais o que fazer

Ficando por aqui

A coisa é enfadonha

Acaba o repertório

E a gente fica com vergonha

Voltamos, então, à nossa programação normal!


26 junho, 2011

na estrada

O vôo emaranhado na antena do caminhão. Caminhão-pipa: o sonho dos meninos domesticado na literalidade da imagem. Me assombro. E logo a ideia me ultrapassa.

dia 30

na categoria "trilha sonora de infância", Fire Inc. (!), na cena final de Ruas de Fogo - filme que passava toda santa Sessão da Tarde. "Tonight is what it means to be young" é tudo de bão nessa vida: praticamente uma passagem de volta aos anos 80 ;-)

25 junho, 2011

dia 29

na categoria "musiquinha delícia", Regina Spektor, cantando Us. Docinha, docinha, que é para o sábado de sol terminar iluminado.

21 junho, 2011

dicionário

abro a caixa de ferramentas. página a página procurando aquela capaz de abrir a porta. do outro lado, a esperança de um espelho que me revele diferente de mim: aquilo que ainda não sou, apenas intuo. mexo e remexo as páginas. menos confiando descobrir a palavra certa, assim a esmo, e mais na ocupação das mãos. encontrando respiro no ar fresco levantado pelo desfolhar: bem-me-quer-mal-me-quer figurado. tem dias que o bem-me-quer resulta em arranjos de pétalas com alguma beleza; tem dias que o mal-me-quer aprofunda o silêncio. hoje, por exemplo, as pétalas amontoadas em desordem e a porta fechada. hoje, eu ainda igual a mim mesma.

18 junho, 2011

dia 28

e, complementando, na categoria "para acordar gente grande", Palavra Cantada com sua "Pé de Nabo". Praticamente uma lição de vida ;-)

dia 27

na categoria "pra ninar gente grande", a doçura da voz da Ceumar, cantando Dindinha. A letra é do Zeca Baleiro, que é mestre na delicadeza de arranjar palavras de modo preciso e bonito. Adoro!

Dindinha parece mesmo cantiga infantil, cheia de rimas e ensinamentos que só com o tempo a gente entende em todas as consequências. Tão bonita e certeira...


16 junho, 2011

dia 26

é a música que toca em Pontes de Madison, num radinho de pilha que faz a voz de Billie Holiday vir direto do passado. é uma música linda, que fala de urgência e de presente. por causa dela, paguei o preço mais caro num cd importado, apenas para para descobrir que a versão era diferente é que não era nem de longe tão bonita quanto essa. uns anos depois, a supresa: a música nessa versão, encontrada numa banquinha das Americanas por R$7,90. o misterioso sentido de justiça do universo.

o Zizek não gosta das Pontes de Madison. acho que é o Zizek, posso ter me confundido. mas não, não me confundi: ao falar da relação entre o indivíduo e um Outro (outra pessoa, uma instituição, o Estado...) que sabe, Zizek comenta sobre a reversão final de A era da inocência e pensa se essa não seria uma forma de redimir As Pontes de Madison: que ao fim do filme ficássemos sabendo que o marido, simplório e caipira, sempre soube do que ocorreu entre ela e o fotógrafo:

[...] Esse é o enigma do conhecimento: como é possível que toda a economia psiquíca de uma situação se altere radicalmente, não quando o herói fica sabendo diretamente de algo (um segredo há muito reprimido), mas quando ele é informado de que o outro (que ele imaginava ignorar) também sabia o tempo todo e só fingia não saber para manter as aparências - existe coisa mais humilhante que a situação de um marido que, depois de um longo caso secreto de amor, fica sabendo de repente que sua mulher sabia de tudo há muito tempo, mas guardou segredo por educação ou, o que é pior, por amor a ele?" (Slavoj Zizek, Bem vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2003, p.83).

(o texto é sobre outra coisa - é sobre a fantasia totalitária de poupar os indivíduos de toda dor, inclusive a de saber que o outro sabe algo que ele próprio não deve saber, justamente para não sofrer. mas não há possibilidade ética de prevenção de todo o sofrimento e de toda dor, porque é esse mesmo pressuposto que está equivocado na medida em que ele é oposto à ideia de vida).

(para partir é preciso coragem; para ficar, também. mas partir também pode ser covardia; e ficar, também).

mesmo antes de casar, no fim do filme eu também me agarrava à porta do carro como a uma certeza puída, e molhava o mundo com as minhas dúvidas. esperando que dessa vez a mulher criasse pernas para ir embora. esperando que dessa vez o nó atado doesse menos ao se apertar tão firme. a fita vhs que a Ana me deu, porém, teimando em permanências.

So love me tonight
Tomorrow was made for some
Tomorrow may never come
For all we know

o Zizek tem razão. o Clint Eastwood também:

não tem forma pra tanta contradição.
e uma rima nunca é uma solução.

12 junho, 2011

dia 25

Hoje vamos de novo de Chico Buarque e Telma Costa, cantando as confusões do amor, com sua bagunça de roupas entrelaçadas no armário, de corpos misturados, de enleios de sonhos e esperanças e planos, de fratura com o tempo do relógio e do cotidiano. Tantas desordens. Tanto presente.

Dizer eu te amo é estar assim, enraizado no agora? Sem veículo, sem rumo, sem pernas, sem vergonha. Sem possibilidade de partir.

Chico, então. Na categoria "resta um".

11 junho, 2011

apetência

Tudo começou assim: há uns dez dias, comprei um mangá chamado Gourmet. E devorei em dois dias, porque as histórias são curtas, a gente quer saber o que vai acontecer com o protagonista, e além do mais é leitura saborosa por demais!

São dezoito cenas, que parecem curtíssimas, mas só porque a narrativa é tecida por desenho e palavras. Fosse possível colocar em palavras tantas minúcias, certamente o livro daria um romance ;-) Fato foi que o protagonista parece sempre com fome, e os pratos que ele encontra pelo caminho são ao mesmo tempo tão simples, mas tão adequados... que eu lia e só pensava em ir até a Liberdade e comer, comer, comer... Cada história traz a visão e a descrição do prato, em detalhes. Juro para vocês que dá para sentir o cheiro da comida sendo preparada, os cheiros dos pequenos restaurantes onde ele entra...

Por conta de tudo isso, fiquei morrendo de vontade de comer comidas japonesas. Só que a gente anda com uma certa escassez aqui no bairro de lugares onde comprar ingredientes com variedade e a preços honestos. Depois que o hortifruti que ficava onde era a CAC fechou (a gente passou um final de semana por lá e o terreno estava todo aplainado!), ficamos sem opção. Até abriu uma lojinha bem bacana e não muito cara na Heitor, mas nem sempre eles têm as coisas. De todo modo, foi até lá que fomos sábado passado, para comprar coisas para fazer Udon e também algumas conservinhas para comer com goham.

Semana passada, então, o final de semana teve goham com conservinhas e guiozas, o udon delicioso do Edu e ainda sobrou caldo prum lamen no domingo à noite.

Eu achei que toda essa comilança tivesse acabado com a minha gulodice pós-mangá. Mas eu estava enganada (inclusive, depois de tanta comilança, dá para dizer que eu estava redondamente enganada :-P). Por isso, hoje aproveitamos a manhã ensolarada para ir à Liberdade, passear, comer bolinho de legumes delicioso na barraquinha da Batchã mais fofa desse mundo, namorar panelas elétricas de arroz e, claro, abastecer o freezer com pão chinês e moti bem fresquinho (aprendi no final do ano passado, com a moça da feira que me vendeu o moti para o ano novo: quando ele está bem fresquinho, é só congelar e tirar uns vinte minutos antes de preparar!), comprar conservinha de nabo, umeboshi, obentô pro almoço. E é tão gostoso passear por lá sem pressa, namorar vitrines de comidas, sentir o perfume de comida que começa a sair dos lugares mais pequenininhos e inusitados...

É engraçado que não é uma fome só de comida. É uma fome de revisitar sabores conhecidos, de saborear as misturas do doce com o amargo com o azedo, de reencontrar um passado que nem é meu... uma fome de satisfazer a alma, como se possível fosse.

Deve ser por isso que o personagem está sempre com fome, mas também sempre cheio. Aprendi essa semana, com a médica, que o adoecer nunca dá espaço para que duas dores coexistam: uma sobrepuja a outra. Vai ver que ter fome sobrepuja outras faltas. Vai ver estar cheio reativa faltas que latejavam em silêncio. Porque saudade não faz ponhóinhóim na barriga, mas dói também. E nem toda voracidade do mundo é capaz de disfarçá-la.

E para não ficarmos sem música, hoje, dia 24, numa não-categoria (já que só lembrei da música ao escrever o post) vamos de Titãs, "Comida". Que a gente quer inteiro, e não pela metade.

10 junho, 2011

dia 23

na categoria "à espera", não temos música de elevador e nem de aeroporto, porque não é dessa espera vazia que se trata. na categoria "à espera" temos Adriana Calcanhoto, cantando Vambora, que é canção de aveludar por dentro, ideal para quando a gente quer recuperar a memória que fica guardada nos cantos da casa, nas prateleiras de livros, nos cheiros repentinos. ideal para quando as batidas do coração parecem suspensas pela esperança de que a porta se abra e a vida mude num repente.

09 junho, 2011

dia 22

Na categoria "paixão nova", hoje vamos de The National, presença obrigatória no mp3 ultimamente. Como bem definiu a Bia, "é Interpol com letras que fazem sentido" :-)

Num show, eles começam a tocar Conversations falando que é uma música sobre "canibalismo, mas principalmente sobre amor". E para provar que esse blog ainda é cultura, já que a música e o vídeo tratam de toda essa temática zumbi, deixo aqui o link para o verbete Zombies, no Dicionário Filosófico de Stanford. Porque zumbis são coisa séria, sabem? Uma coisa, tipo assim, cerebral.

Mas, falando um pouco sério, se antes nossas distopias pintavam um futuro em que seríamos pilhas ou replicantes, não deixa de ser sintomático que hoje elas passem tanto pela ideia de uma humanidade zumbi, devastada por uma epidemia. Coisa séria mesmo.

E eu já contei que adorei Zumbilândia? E que Shawn of the dead também é o máximo?

Para terminar o post nonsense no clima: Brrrrrainnss-brrrainnsss-brrainnnns!!!

08 junho, 2011

dia 21

na categoria "virundum clássico", Ney Matogrosso cantando divinamente "Um homem pra chamar Dirceu".




07 junho, 2011

dia 20

na categoria "para serenar o coração", Emiliana Torrini. Para respirar fundo, fechar os olhos e fazer de conta que os pés tocam o macio da grama coberta de orvalho, que o corpo se arrepia ao vento fresco do dia amanhecendo, que os ouvidos ficam plenos de silêncios e água correndo, fria e límpida pelo leito de um rio. Música para serenar o coração. E lavar a alma.

06 junho, 2011

dia 19

na categoria "poesia ao rés-do-chão", Chico Buarque cantando essa crônica doce e saborosa sobre os amores suburbanos, feitos na urgência do sofá, à sombra do horário da última condução e a despeito das vigilâncias das (más) línguas.

05 junho, 2011

dia 18

na categoria "cabeludos dos anos 80", Bon Jovi, cantando "Living on a prayer". Lindo-lindo-lindo! Diretamente da época em que eu assistia cliptrip para vê-los e tinha posters do Jon Bon Jovi espalhados pelo quarto. Ah, a adolescência... Ah, os anos 80..

Acho que esse desafio musical tá desenterrando várias memórias musicais. Porque confesso que fazia tempos que não pensava nem em Dalto, nem em Skid Row (coloquei 18 and life na categoria "cabeludos..." no facebook), muito menos em Duran Duran. Mas estou curtindo bastante: é ótima desculpa para fuçar no youtube, em busca do tempo perdido. Menos espontâneo, mas mais saboroso que madeleines ;-)

04 junho, 2011

dia 17

Na categoria "melhor pior música", Dalto, cantando Jezebel. Deliciosamente labreguento, ainda carrega memórias queridas, de noites em claro com ela, regadas a Coca Diet, um pouco de vinho Canção mas sobretudo muita poesia.

dia 16

Na categoria "melhor versão", On the rocks cantando "Bad Romance". Procurando o link, ainda acabei descobrindo que, depois do sucesso que eles fizeram no youtube, os caras conseguiram recursos para fazer esse clipe chiquésimo e super produzido aí de baixo. Adoro!

Então, bom sábado para vocês, ao som de Lady Gaga :-)

03 junho, 2011

dia 15

Essa música inaugura uma categoria - "rainy days and mondays". Eu tinha uma fita cassete, cheia de musiquinhas que, como ela, eram cheias de doçuras e dorzinhas mansas; a fita servia para as viagens São Paulo - São José, nos primeiros tempos de graduação. Naquele tempo em que eram necessárias várias fitas de noventa minutos para qualquer viagem mais comprida :-)

Então, hoje vamos de Carpenters.

02 junho, 2011

dia 14

Essa é uma categoria especialíssima: "coisas pelas quais vale a pena viver". Sabe, daquelas coisas tão bonitas que você respira fundo e pensa, "bom, é tanta beleza que a vida ganha cor e sentido?". Então. A voz do Milton Nascimento cantando Cais provoca essa sensação, entre o sublime e o místico (como bem notou o marido).

E Cais... bom, Cais é perfeita pra quando a gente precisa se despedir da gente mesmo - "eu quero mais/ tenho o caminho do que sempre quis/ e um saveiro pronto pra partir/ invento o cais/ e sei a vez de me lançar". Que de vez em quando o jeito é mesmo reunir forças e se atirar ao mar.

01 junho, 2011

dia 13

na categoria "poema cantado", poema de Hilda Hilst musicado por Zeca Baleiro e cantado pela Angela Roro. O cd inteiro é lindo (Ode descontínua para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio), mas a pungência da Angela Roro me fez decidir pela Canção V.

Os dez cantos fazem parte do livro Júbilo, Memória e Noviciado da Paixão. É um dos meus livros prediletos nessa vida - inclusive, o nome do blog tem a ver com um poema que está na primeira parte do livro (Dez chamamentos ao Amigo).

Eu já tinha falado do cd aqui, logo que o ganhei. Continuo achando que os poemas, enquanto falam de amor e ausência, falam também dessa potência da palavra: capaz de tornar o mundo habitável, preenchendo de sentido o vazio ao jorrar umas intensidades inventadas por sobre as pedras nuas e os caminhos de terra batida.

31 maio, 2011

dia 12

No facebook acabei colocando essa música na categoria "paixão que beira a loucura", por conta da minha...hmmm.. quase obsessão pelo Interpol. Mas depois fiquei pensando que a melhor categorização seria "músicas latejantes". Porque Interpol pra mim é música para ensurdecer o silêncio e cutucar os sentimentos com vara curta. E deve ser por isso que, mesmo tentando tirá-los do meu mp3, não dá muito tempo e eu volto para eles, com suas musiquinhas nonsense deliciosas.

Então, hoje temos Try it on, numa versão ao vivo que é tudibão!

30 maio, 2011

dia 11

na categoria "meu passado me condena", música do Duran Duran que embalou diversos bailinhos. escutando com cuidado, dá para ouvir os suspiros e as lágrimas das primeiras paixões. lembranças boas, de sentires intensos e sonhos sem bordas.


29 maio, 2011

dia 10

Na categoria "pura poesia", Belô Velloso, cantando Adriana Calcanhoto. Música inteira costurada em imagens, alinhavando de beleza a despedida.

'você atravessou a rua/ na direção oposta/ pisando nas poças/ pisando na lua/ e a poesia refletida ali me deu as costas/ e pra que palavras/ se eu não sei usá-las?/ cadê a palavra que traga você/ daquela calçada?".

28 maio, 2011

dia 9

E na categoria "eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim", Adele maravilhosa colocando pingos nos is e dando um basta à infelicidade. É parecida com a categoria "fim de caso", mas bem mais assertiva :-)

27 maio, 2011

dia 8

Na categoria "um dia de cão", Avientame, com Cafe Tacvba. Linda e delicada, é contraponto necessário à violência de Amores Perros. E vamos combinar que estes têm sido tempos un tanto perros, com seus embates, seus retrocessos, suas mesquinharias...

E talvez mais importante que correr seja permanecer: plantar no chão a esperança de um retorno, do momento em que a portinha reabra - as possibilidades de reencontro, mas também as de fuga.

26 maio, 2011

dia 7

Na categoria "fim de caso", a voz macia da Cat Power embalando com suavidade o momento em que a certeza de que é melhor ir embora faz do corpo um imenso peso ao mesmo tempo em que dá a coragem para arrastar os primeiros passos na direção da porta.

25 maio, 2011

dia 6

Essa é na categoria "levanta da cama e se joga na vida". Música do Arcade Fire, "Ready to start" é uma das minhas preferidas do cd "The Suburbs".

Nesses dias em que o céu desespera em azul até quase as bordas da eternidade, Arcade Fire embala o trajeto e sustenta a gente até que o sol vire uma bola e estenda suas teias alaranjadas pelas janelas, pelas frestas, pelos poros. Relembrando que a vida é ciclo e que no dia seguinte será necessário, ainda uma vez, estar pronto para começar.


24 maio, 2011

dia 5

Na categoria "música para embalar o cozinhar, o bordar, o costurar e o contar", um dos cantos de trabalho do maravilhoso cd Cantos de Trabalho. Coletadas por Renata Mattar, o cd é uma das coisas mais deliciosas do mundo!

23 maio, 2011

dia 4

Essa deveria ter sido para o sábado, em que havia previsão de fim do mundo. Eu, como já confirmei presença no verdadeiro evento do fim do mundo, em 20/12/2012, deixei pra postar no dia seguinte - e como o domingo foi enrolando nos meus pés a segunda-feira, e também a terça, só hoje consigo finalmente postar.

Então, na categoria "pra embalar o fim do mundo", a belezura do Karnak. Que, como já ensinou o Drummond, às vezes o mundo acaba sem a gente perceber, sem nem um barulho seco de folha...

22 maio, 2011

dia 3

Essa é na categoria "música para cantar com a Ana Lucia no ônibus e ouvir de um velhinho que a gente desafina".

Nos idos anos de 1996, 97, num ônibus subindo a Brigadeiro Luiz Antonio, Ana e eu nos esforçávamos para lembrar a letra dessa música. Nossa memória ainda não era tão falha e lacunar como hoje em dia, de modo que puxa dali, larareia dali, fomos cantando a música enquanto o ônibus resfolegava nas duas últimas quadras antes da Paulista. Finalmente, nosso ponto e descemos, ainda cantando. Junto, saltou um velhinho, comentando alguma coisa que já não me lembro direito, mas que tinha o inequívoco sentido de reprovar nossa afinação. A gente deve ter arregalado os olhos e dado risada. Mas parar de cantar a gente não parou não - que vezemquando é bom distrair o ferro do suplício e cantar uma esperança.

21 maio, 2011

dia 2

essa é na categoria "votos de amor honestos": se você vier, pro que der e vier, comigo/ eu te prometo o sol, se hoje o sol sair/ ou a chuva, se a chuva cair".

Já falei dessa música aqui antes, sobre quão delicado é esse convite que promete apenas mãos dadas ao longo do caminho - afirmação dos amantes frente às intempéries da vida.

Na saúde e na doença. Na alegria e na tristeza. Que o amor não pode muito mais que um breve "descanso na loucura". E já é tanto...

20 maio, 2011

dia 1

No facebook rola uma moda de desafios por 30 dias. tem de música, tem de filme,  tem de livros. tem desafios mais especializados. e aí eu comecei a fazer um de música, a partir de categorias inventadas por mim mesma. e agora estou pensando em fazer o mesmo aqui, porque ao menos seria uma desculpa para voltar a escrever cotidianamente. e eu estou me pós-doutorando em arranjar desculpas para cavar tempo pro que importa de verdade :-)

Então, começo com "música predileta da cantora predileta". Porque eu realmente adoro essa coisa do amor correndo devagar, no seu próprio tempo - pura poesia, pura utopia: samba e amor até mais tarde, muito sono de manhã.


Maternidade



A rede de segurança enquanto a gente aprende a pisar os caminhos difíceis e cheios de desafios. Se tudo der certo, a teia fica tecida mesmo é no de dentro - pra gente não tombar tão feio quando cair em si.
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06 maio, 2011

ponto de fuga

No meio de tanta gente, meu olhar tateia, vagueia, para finalmente convergir em você. E o espaço se abre em amplitudes e as cores em intensidades. A vida inesperadamente adensada, em plena expansão.
Ao mesmo tempo me alegra e me confunde, sua comparência silenciosa e constante, esboçada em traços finos de lápis - sob risco da borracha, como se suspeita de erro.
O cansaço dos dias, as incertezas dos caminhos e a confusão dos tropeços borrados em torno dessa sua presença límpida e mansa. As linhas tortas finalmente reunidas em ilusória direção: caminho infinito à frente e alguém com quem caminhar em quietude.


Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.
(Mário de Andrade)

05 maio, 2011

fluxo

porque tem dia ou melhor tem dias assim no plural e unidos no mesmo fio da pressa em que o folêgo falta e atravessar as horas exige pernas fortes pulmão amplo coração acostumado à rapidez e esses tempos corridos não são nem cansativos porque cansar exige pausa e "quanto mais coisa a gente faz mais coisa consegue fazer" me disseram e logo depois um encontro com alguém que sinceramente não sei como pode tanta coisa o trabalho a escola o casamento o curso de línguas e eu me espanto porque não entendo tanta pressa escolhida eu se pudesse escolhia meu próprio tempo e ele é quase sempre lento que meu folêgo é curto e vira e mexe é preciso vir à tona e redescobrir o ar no meio da pressa as pessoas mesmo as mais queridas e interessantes se perdem viram ponto luminoso no horizonte e o mundo gira pro lado oposto e constrói distâncias onde a gente queria palmilhar um caminhozinho e esse desencontro me dói como uma perda um vislumbre de alegria enterrada na areia que escorre sem parar da ampulheta implacável como é que faz para virá-la começar de novo recordar e planejar e esquecer as mesas sempre empilhadas de livros e textos e tarefas nunca concluídas e a pia empilhada de xícaras e pratos e lembranças de refeições apressadas e o quarto empilhado de roupas usadas e não usadas esperando um lugar na preocupação e no armário tantas pilhas e a gente escorrendo por entre elas no meio delas já sem saber o que importa e eu te convido vamos fugir? a fuga difícil mas só a promessa já me tira do peito um peso já me infla uma esperança no oceano agitado ainda por algum tempo é preciso seguir a correnteza  ainda por algum tempo abandonar-se a ela deve ser isso o que chamam de ser adulto quando ser criança ainda era tomar o tempo em goles largos agora não sei que angústias as crianças de hoje espero que só as inescapáveis e eu perpendiculo as mãos em T e peço pausa digo não finco o pé porque daqui do meio do fluxo vejo um pouso que me interessa e então sei que é preciso interromper.

02 maio, 2011

Nós mesmos a sós*

Depois de ter escrito o último post (e de ter revisto o filme e escutado a trilha do Les chansons d'amours incontáveis vezes), fiquei pensando no amor e na solidão. Parece um pouco cinza dizer assim, como se eu andasse triste ou melancólica, mas não é bem isso: é mais um exercício de pensar que a beleza do filme se produz bem nesse interstício entre um amor duradouro, com todos os seus problemas, e certa solidão que nem mesmo a companhia parece fazer desaparecer. Ainda assim, se alguma chance de escapar existe, a aposta é ainda no amor - na presença de outro, que nos ama e a quem amamos, que nos toca, nos abraça, que modifica o mundo ao enchê-lo de sinais.

E depois de rever o filme, pensei também no conto-novela do Caio Fernando Abreu, "Pela Noite" (Estranhos Estrangeiros: São Paulo, Companhia das Letras, 2002), de que gosto tanto e que fala também de modo tão dolorido sobre desencontros e sobre a graça do encontro - reconhecimento e mergulho cego no outro, no corpo do outro. E que armadilha que, como nós, o outro também tenha um corpo por continente, um corpo vivo que pulsa, sangra e goza, mas que também muda de ideia e parte ou, exagero de abandono, morre.

Com todas essas coisas na cabeça, ainda fui ler O fuzil de caça, de Yasouchi Inoue. Quem me falou do livro havia mesmo comentado sobre a excessiva solidão da personagem, mas é realmente impressionante como Inoue - ao lançar mão das cartas para contar a história - nos coloca em uma posição de solidão parecida à de Josuke Misugi. Como a personagem, ficamos na mesma posição de ler e aceitar as decisões de três mulheres importantes em sua vida, que ao mesmo tempo em que escrevem para ele, escrevem apesar dele, escrevem para se livrar dele. É tão triste e tão exato que a personagem principal quase não apareça, senão do modo como as três mulheres o pronunciam.

O livro é de 1949 e os ecos da experiência da II Guerra aparecem aqui e ali. Não apenas por isso,  me fez lembrar, embora não imediatamente, do livro de Graham Greene, Fim de Caso. O livro de Greene é de 1951, e acabei me lembrando dele principalmente por conta de um elemento que - para mim - pareceu bastante estranho na narrativa de Inoue: a presença da ideia de pecado.

A indicação do livro de Inoue me foi feita em meio a uma conversa sobre literatura japonesa e também em meio a um comentário sobre o estranhamento provocado, numa mesa sobre desemprego e experiências de desempregados, pela apresentação de pesquisadores japoneses que apontavam a centralidade do sentimento de vergonha para a compreensão das experiências subjetivas dos desempregados japoneses. Participando da mesa, havia finlandeses, alemães, suecos... e eles eram visivelmente incapazes de compreender que fosse possível alguém sentir vergonha; culpa, certamente, mas vergonha? São matrizes de codificação moral bastante diferentes.

Por isso me espantou tanto a sedução que a ideia de pecado assume na narrativa de Inoue - algo que agrega ao "erro" o peso do segredo. O interessante é que é uma ideia de pecado ela mesma estranha (para nós, ocidentais), pois que à revelação não sucede nenhuma salvação; à revelação parece suceder a súbita compreensão justamente da inadequação da própria sensação de pecado. O peso não vai embora devido à  algo como uma expiação, mas porque é o próprio pecado que se dissipa.

A solidão, no romance de Inoue, parece vir do oco dos rituais, símbolos e códigos. A distância irremediável a que todos os personagens estão submetidos, em relação uns aos outros, marca um absoluto desencontro. E aquilo que podia assumir o caráter de ponte - as cartas honestas e claras dirigidas à Josuke Misagi - revela uma ruptura ainda mais intensa, dando realidade a uma solidão que já se inflitrava pelos poros daquela vida.

Muito diferente, portanto, da tensão e da angústia de Fim de Caso, em que o pecado nunca pode ser expiado, mas é amenizado por meio de uma distância artificialmente criada: solidão auto-infligida e imposta ao outro, visando uma salvação absolutamente mundana. O que diferencia radicalmente os dois livros, além dos sentires de raízes tão distintas, sem dúvida é a ideia de Deus - aceita como milagre ou recusada como absurda e sem sentido - presente em Fim de Caso. Em comum, além da época sombria em que foram escritas, ambos podem ser reflexões sobre solidão e amor, sobre essa espécie de inescapabilidade (existe essa palavra horrível?) da solidão e sobre as promessas e limites do amor para cutucar rachaduras onde a saída se reveste de pedra.

* verso de poema de Fernando Pessoa para Sá-Carneiro. "[...] porque ha em nós, por mais que consigamos/ Ser nós mesmos a sós sem nostalgia/ Um desejo de termos companhia [...]".

26 abril, 2011

maré

Parar para escrever não tem sido nada fácil. Já perdi a conta de quantas vezes cliquei em Nova Postagem, provocada pela vontade de colocar em palavras uma impressão, uma experiência ou mesmo a dificuldade de reservar um tempo para deixar a maré baixar e ficar à espreita do que emerge.

Escrever exige de mim um respirar mais lento. Um pouco de silêncio ou um pouco de música recém-descoberta em loop. É que tem música que ressoa tanto que amplia o silêncio, delineia  melhor os cantos por dentro da gente. A de hoje é essa aqui:



Quem me deu o filme foi o Mauricio. E estou morrendo de saudade do Mauricio. Mas me lembrei das músicas porque reencontrei a Monika no feriado e essa foi uma das coisas que ouvimos. Ouvimos também  (e contamos) histórias, desejos, cotidianos, descobertas... Reencontrei também a Mércia e a Tarsila, queridas e companheiras, tão suaves que demandavam a maciez do silêncio para não acordar as dores ainda cicatrizando.

E então a chuva e o frio e o cinza. A morte e a dor tão próximas dos que amamos. É do silêncio, portanto, que escrevo. Do vazio cavado à força, por dentro de um tempo roubado ao do relógio. Deveria estar trabalhando, terminando a declaração do IR, respondendo mensagens. E no entanto paro e escrevo para tentar segurar o mar com as pontas dos pés: o esforço inútil esquecido na brincadeira de cavar buracos na areia, de ver os pés se cobrindo de areia molhada - ampulheta sem redoma.

Por três vezes nas últimas semanas cruzei desconhecidos que pouco depois reencontrei - num outro andar, algumas ruas adiante, em frente ao mesmo elevador... Engraçado, né? A desconfiança de que as coincidências são pequenos sinais de alguma ordem oculta que governa o mundo...

Tão vendo? Desaprendi de escrever. Começo e não sei terminar. Espero a maré baixar, começo,  apenas para me abandonar no excesso de água e sal. Não vou me debater para não me afogar. Vou confiar, como o Quintana, que continuarei vindo "à tona de todos os naufrágios".

Então acho que por enquanto é isso: essas letras um tanto borradas, ainda úmidas e rescendendo à maresia. Um barulho indistinto que nem é silêncio, nem é conversa: é só o eco da saudade doída que a gente ameniza levando a concha aos ouvidos.

13 março, 2011

nesperança

faz um tempo que notamos a folhagenzinha verde que despontou: frágil, mas também decidida, foi crescendo, crescendo. mãe de um filho, sabia que o jeito era deixar crescer. mesmo sem saber o que era, mesmo sem pistas de como aparecera. do outro lado do vaso, outro brotinho igual a lhe fazer companhia.

hoje, mexendo nas plantas, descobri-lhe a identidade: é pé de nêspera, brotada de sementes há muito tempo lá depositadas, junto com a esperança de que pudessem renascer. com a revelação, uma felicidade infantil de quem se surpreende com a vida inesperada.

especialmente hoje, em que a dor que tem epicentro do outro lado do mundo me atinge e me inunda, que lindo ver a brotar duas nesperanças, para relembrar que do silêncio e do fim também se ressurge.