31 janeiro, 2009

Perder-se


Para Carla

Eu tinha uns três ou quatro anos e nós tínhamos ido à Marília, visitar meu tio. Ele morava em um extenso conjunto habitacional, com uma porção de predinhos baixos e parecidos.

Nunca me contaram direito quem foi que se distraiu, mas o fato é que na frente do conjunto tinha um grande jardim ou gramado, e eu me lembro de ter caminhado na direção de uma porção de girassóis. Não me lembro de muita coisa, mas me lembro nitidamente dos girassóis, lindos, de tamanhos variados, amarelo-ouro, vez em quando também um dente-de-leão.

Talvez desde aquela época eu já cantasse por dentro, ouvisse a voz da Lucinha Lins e procurasse a diversão das abelhas rodando naquele girassol. Talvez eu fosse só uma criança leonina e não tenha conseguido resistir ao contraste entre o azul do céu e o amarelo intenso do girassol feliz, vidrado naquele sol-luz.

Depois de muito ter namorado o girassol foi que me dei conta de que me perdera. E a luminosidade da experiência cedeu lugar ao desespero de não me achar. Lembro-me de ter batido sem parar na porta de um dos apartamentos, e de bater boca com uma mulher - eu dizendo que era ali que meu tio morava, ela me dizendo que ali morava um moço em férias. Eu chorava, batia à porta e não entendia porque não me deixavam entrar.

Os prédios eram todos iguais, e eu não me conformava que aquela não fosse a porta certa se eu reconhecia a mesma cor, o mesmo andar, o mesmo lugar. Aquela tinha que ser a porta certa.

Não me lembro quem me achou ou como. Também não posso dizer que me lembro do alívio que foi ver as caras conhecidas, chegar finalmente à casa certa.

Só me lembro da sedução de encontrar algo lindo e do sentimento de traição por não reencontrar o caminho de volta: não havia ninguém para amparar minha curiosidade e o terror de estar perdida foi como uma punição.

Insistir em me deixar seduzir, portanto, requereu de mim sempre alguma coragem. E não pensem que menos coragem, ao longo do tempo, apenas pelo fato de eu ter aprendido a marcar meu caminho e a distinguir as portas em detalhes pequenos ou códigos numéricos. Às vezes ainda bato na porta errada - com a mesma fé, insistência e desespero que tinha aos 3 anos.

“Esperança é como o girassol que à toa se vira em direção ao sol. Mas não é à toa: virar-se para o sol é um ato de realização de fé”. (Clarice Lispector)


30 janeiro, 2009

Boniteza

A Bia, sempre ela...



Estou juntando uma bela trilha para a fase punk de escrever a tese, de novo graças a ela. Se a qualidade da tese depender da quantidade de músicas de se apalpar por dentro na busca de desdobrar o pensamento...

Mas, se uma coisa não tiver nada a ver com a outra, ganho eu pela graça de ter tido boa companhia musical.

27 janeiro, 2009

Para 2009



Janeiro já está no fim, mas vale registrar alguns dos projetos para este ano que começou há pouco. Além do mais, sábado foi o ano-novo chinês e nós fomos na Liberdade, comemorar, ver o dragão, ver o Pedro-super-sério-e-concentrado desfilando (coloco fotos depois!), comer pão-chinês e espetinho de legumes... E aproveitamos para comprar moti, que esse ano não comemos no ano-novo, e fazer um estoque de furikake - já que o Rodrigo é louco por gohan com misturinha.

Vamos à lista:

- Sobretudo, terminar a tese.
- Consumir menos industrializados.
- Consumir menos descartáveis.
- Comprar menos livros.
- Usar mais a biblioteca.
- Aprender a costurar.
- Fazer muitos softies.
- Escrever bastante nos blogs.
- Ter mais paciência.
- Voltar a nadar.
- Fazer mais exercícios.
- Deixar o cabelo crescer (típica promessa fadada ao fracasso, mas vamos lá).
- Brincar muito com o Rodrigo.
- Voltar a trabalhar.
- Namorar, namorar, namorar.
- Ouvir muita música.
- Assistir menos televisão e séries de TV (mas minha nova paixão pelo Patrick Jane e a penúltima temporada de Lost não estão colaborando...).
- Ler mais.
- Resistir à tentação de engatar uma nova pesquisa ao final da tese e "curtir" o espaço vazio, dando tempo para as sementes fecundarem.
- Ir mais ao teatro.
- Encontrar mais as pessoas queridas.
Lembrei:
- Parar de comer carne vermelha (já fiquei 6 anos sem comer, mas acabei voltando quando conheci meu marido-carnívoro).
- Fazer um curso de culinária vegetariana e/ou indiana.
Felipe: andar de bicicleta com o Rô em Amsterdã seria ótimo, mas nesse ano de terminar tese e voltar a trabalhar depois de mais de um ano mergulhada na pesquisa...Sei não. Melhor anotar na lista para 2010! Mas em sua homenagem:
- andar de bicicleta, tendo o Rô como companhia (porque agora ele já aprendeu a pedalar, sabia?) aos finais de semana.

Acho que tá bom, né?

Imagem: www.gettyimages.com.br

20 janeiro, 2009

Menina antiga


Lembram do Brock, que o Rodrigo tinha pedido de Natal? Ficou bonitinho, afinal.

O segundo, que fiz pro meu sobrinho ficou melhor, já que a prática leva... senão à perfeição, pelo menos à redução de erros.

Mas também ficou melhor porque, entre um e outro, a minha avó me deu um presente lindo: sua máquina de costura Singer. Foi sua primeira máquina, daquelas pesadonas, pretas. Linda-linda-linda. Minha avó aproveitou o gabinete dela para colocar a máquina nova, mais moderna. Mandou transformar a antiga numa portátil e guardou, pensando em mim. Quando ela me deu, quase comecei a chorar, pela boniteza do presente e pelo tamanho do carinho.

Pior foi agradecê-la e ela fazer pouco caso, dizendo que eu sou a primeira neta, além de tudo afilhada, e que ela nunca tinha me dado nada de valor. Nessa hora comecei a chorar, sim, ao dizer pra ela que isso está longe de ser verdade: são incontáveis as coisas que sou e sei porque foi ela que me ensinou. E nessas coisas, como nas histórias da Mastecard, não dá para botar preço. Ainda que sejam o que de maior valor eu carrego.

* Só para esclarecer, o nome do boneco - que eu tirei desse livro aqui - é Brock, the Builder. Por isso ele tem um cinto de utilidades, com prego e martelo :-) Aliás, para quem quer começar, esse livro é ótimo porque os moldes vem em tamanho de corte, e há vários bem tranquilos de se fazer.

Canção sem seu nome

Prometo que não vou ficar colocando um montão de música só porque estou curtindo o brinquedo novo, é que essa não deu para evitar.

Eu ouvi tanto essa música, num tempo em que morava com a Ju e a vida era tão intensa e doída que a gente ouvia músicas e lia, lia, lia, de crônicas a romances, para inventar levezas. Mentira. A gente ouvia e escrevia para adensar a intensidade e a dor. A ariana e a leonina, ambas fascinadas pelo fogo e pela possibilidade de arder.

E eu amo a Adriana Calcanhoto: entre as minhas canções prediletas, várias são delas. As mais precisas, as que mais escorrem por dentro. E quem mais falaria de desencontro com tanta boniteza?



18 janeiro, 2009

Vivendo e aprendendo

Então que, finalmente, consegui ter um tempinho para fuçar no site goear.com para descobrir como postar apenas canções.

Para celebrar, então, uma música que o Rodrigo adora, a tal "música do abraço", que inclusive vou indo agora mesmo cantar para ele, para ver se ele dorme...



Bom começo de semana.

Paixão antiga

Eu nunca gostei de ir à manicure. Detesto papo e ambiente de salão de beleza: mesmo para cortar o cabelo, vou adiando, adiando até não ter mais jeito.

Pelo menos em relação à manicure, as coisas mudaram quando eu conheci a C. Como atende em sua casa e com hora marcada, a gente acaba não encontrando muita gente. Além disso não tem aquela piração de egos entre cabeleireiros e suas hierarquias malucas (vai dizer que nunca percebeu as "castas" divididas por cores de avental ou uniforme nos salões?). Foi assim que me habituei a fazer as unhas regularmente.

A C. também é boa de papo. Depois de tanto tempo de convívio, a gente acabou se conhecendo e eu hoje gosto muito dela. Tanto que minhas idas vão ficando cada vez mais compriiiiidas, por causa do papo.

Ontem, ela estava rememorativa, me contou histórias do passado, de amores e paixões. Talvez por isso hoje eu tenha acordado com a música do Tim Maia na cabeça, "Paixão antiga". Acho que era tema de alguma novela há muitos e muitos anos porque os acordes iniciais me transportam no tempo uns quinze anos (indisfarçável que estou envelhecendo :-)

E essa música é tão boa e exata, falando dessa mistura de tempos e emoções que nos acometem quando encontramos uma paixão antiga - o coração dispara e a gente volta a ter quinze anos (mesmo se a paixão aconteceu bem depois disso), pernas bambas e um desejo que não cabe no corpo...Então, mesmo que ainda estejamos na vibe começo de ano e novas coisas, um pouquinho de Tim Maia para celebrar as boas lembranças.



16 janeiro, 2009

Prêmio Dardos


Então que nesse meio tempo em que eu estava desconectada (da internet), a querida Sally do me, myself and Sally me deu este Prêmio de presente:

"Com o Prêmio Dardos se reconhece os valores que cada blogueiro mostra cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."

Aceitar o prêmio implica em aceitar suas três regras:

1- aceitar exibir a imagem.

2- linkar o blog do qual recebeu o prêmio.

3- Escolher 15 blogs para entregar o Prêmio Dardos


Sally, muito, muito obrigada mesmo pelo carinho: adorei a surpresa e o presente.

Seguindo as regras, então, aqui estão os 15 blogs aos quais entrego o Prêmio:

Queridos
Bicho Solto
Elvira quer romãs
Eu sou minhas histórias

Bacanas, Informativos e Divertidos
Mamíferas

Vida Verde
Vende na Farmácia?
Mamãe passou açucar em mim

Literaturas
Sete Linhas
Caramelinhos e Caraminholas
Flores, Pragas e Sementes
eXato acidente
Quase Resenha

De fazer o coração sorrir quentinho
Para Francisco
Blog do meu pai
A ervilha cor-de-rosa

05 janeiro, 2009

Reconectando

2008...

...começou na ressaca do agosto quase interminável que foi 2007. Talvez por isso mesmo tenha começado tão cheio de esperanças. Esperanças que, graças a Deus, se transformaram em realidade: crises que resultaram em reencontros, qualificação em angustiante atraso finalmente cumprida, dissertação em vias de virar livro. Isso para falar só das pendências mais práticas.

No final das contas, muitas e muitas razões para agradecer.

...2009

Começou agitado, com visitas à minha avó querida e também com praia e muito sol. Começou também com a tomada de decisões e com uma boa mexida no texto da dissertação, diminuindo de 178 notas de rodapé para aceitáveis e imprescindiíveis 68 (sem comentários! Cada louco com a sua mania...). Começou com muito chamego no filhote e com o esforço em conjunto com o marido para - literalmente - não deixar a canoa virar (era caiaque, mas o que seria da vida sem licença poética?). 2009 começou intensamente familiar - com vó, vô, tio, primo, mãe, padrasto, irmã, cunhado, sobrinhos, bichos de estimação (Thelma e Louise adoraram os ares de Ubatuba!), enteada, marido, filho... Começou com um descanso que eu não tinha há tempos: a tomada de fôlego antes do esforço final, já que nos próximos seis meses há uma tese a concluir. Começou longe da internet, dos e-mails e dos blogs - e por isso peço desculpas a vocês, pela longa, e sobretudo desavisada, ausência.

Tentei escrever um post de final de ano. Mas só me vinha à cabeça a voz da Zizi Possi, cantando uma música que já postei aqui e que fala de renascimento:

"Largar esse cais, ir sem direção
seguir os ventos que clamam por mim.
Tecer minhas teias com minhas mãos
sugar das entranhas desse chão meu fim
digladiar com os dois de mim
ser o São Jorge do meu dragão
dividir meus segredos com árvores
e minhas verdades com o céu.
Trilhar as estradas que não trilhei
romper as portas trancadas por mim
e assim minhas mãos saberão dos meus pés
e assim renascer. E assim renascer" (Altay Veloso, sobre música de Saint-Saenz).

Renascimento, novas estradas, desprendimento do que somos em direção ao que queremos ser. Sonho, desejo, esperança, coragem. Nesse início de ano, são essas as palavras que habitam o meu corpo e dão forma aos movimentos do que sinto.

Um bom novo começo para vocês. E obrigada por terem continuado a me visitar.