31 maio, 2011

dia 12

No facebook acabei colocando essa música na categoria "paixão que beira a loucura", por conta da minha...hmmm.. quase obsessão pelo Interpol. Mas depois fiquei pensando que a melhor categorização seria "músicas latejantes". Porque Interpol pra mim é música para ensurdecer o silêncio e cutucar os sentimentos com vara curta. E deve ser por isso que, mesmo tentando tirá-los do meu mp3, não dá muito tempo e eu volto para eles, com suas musiquinhas nonsense deliciosas.

Então, hoje temos Try it on, numa versão ao vivo que é tudibão!

30 maio, 2011

dia 11

na categoria "meu passado me condena", música do Duran Duran que embalou diversos bailinhos. escutando com cuidado, dá para ouvir os suspiros e as lágrimas das primeiras paixões. lembranças boas, de sentires intensos e sonhos sem bordas.


29 maio, 2011

dia 10

Na categoria "pura poesia", Belô Velloso, cantando Adriana Calcanhoto. Música inteira costurada em imagens, alinhavando de beleza a despedida.

'você atravessou a rua/ na direção oposta/ pisando nas poças/ pisando na lua/ e a poesia refletida ali me deu as costas/ e pra que palavras/ se eu não sei usá-las?/ cadê a palavra que traga você/ daquela calçada?".

28 maio, 2011

dia 9

E na categoria "eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim", Adele maravilhosa colocando pingos nos is e dando um basta à infelicidade. É parecida com a categoria "fim de caso", mas bem mais assertiva :-)

27 maio, 2011

dia 8

Na categoria "um dia de cão", Avientame, com Cafe Tacvba. Linda e delicada, é contraponto necessário à violência de Amores Perros. E vamos combinar que estes têm sido tempos un tanto perros, com seus embates, seus retrocessos, suas mesquinharias...

E talvez mais importante que correr seja permanecer: plantar no chão a esperança de um retorno, do momento em que a portinha reabra - as possibilidades de reencontro, mas também as de fuga.

26 maio, 2011

dia 7

Na categoria "fim de caso", a voz macia da Cat Power embalando com suavidade o momento em que a certeza de que é melhor ir embora faz do corpo um imenso peso ao mesmo tempo em que dá a coragem para arrastar os primeiros passos na direção da porta.

25 maio, 2011

dia 6

Essa é na categoria "levanta da cama e se joga na vida". Música do Arcade Fire, "Ready to start" é uma das minhas preferidas do cd "The Suburbs".

Nesses dias em que o céu desespera em azul até quase as bordas da eternidade, Arcade Fire embala o trajeto e sustenta a gente até que o sol vire uma bola e estenda suas teias alaranjadas pelas janelas, pelas frestas, pelos poros. Relembrando que a vida é ciclo e que no dia seguinte será necessário, ainda uma vez, estar pronto para começar.


24 maio, 2011

dia 5

Na categoria "música para embalar o cozinhar, o bordar, o costurar e o contar", um dos cantos de trabalho do maravilhoso cd Cantos de Trabalho. Coletadas por Renata Mattar, o cd é uma das coisas mais deliciosas do mundo!

23 maio, 2011

dia 4

Essa deveria ter sido para o sábado, em que havia previsão de fim do mundo. Eu, como já confirmei presença no verdadeiro evento do fim do mundo, em 20/12/2012, deixei pra postar no dia seguinte - e como o domingo foi enrolando nos meus pés a segunda-feira, e também a terça, só hoje consigo finalmente postar.

Então, na categoria "pra embalar o fim do mundo", a belezura do Karnak. Que, como já ensinou o Drummond, às vezes o mundo acaba sem a gente perceber, sem nem um barulho seco de folha...

22 maio, 2011

dia 3

Essa é na categoria "música para cantar com a Ana Lucia no ônibus e ouvir de um velhinho que a gente desafina".

Nos idos anos de 1996, 97, num ônibus subindo a Brigadeiro Luiz Antonio, Ana e eu nos esforçávamos para lembrar a letra dessa música. Nossa memória ainda não era tão falha e lacunar como hoje em dia, de modo que puxa dali, larareia dali, fomos cantando a música enquanto o ônibus resfolegava nas duas últimas quadras antes da Paulista. Finalmente, nosso ponto e descemos, ainda cantando. Junto, saltou um velhinho, comentando alguma coisa que já não me lembro direito, mas que tinha o inequívoco sentido de reprovar nossa afinação. A gente deve ter arregalado os olhos e dado risada. Mas parar de cantar a gente não parou não - que vezemquando é bom distrair o ferro do suplício e cantar uma esperança.

21 maio, 2011

dia 2

essa é na categoria "votos de amor honestos": se você vier, pro que der e vier, comigo/ eu te prometo o sol, se hoje o sol sair/ ou a chuva, se a chuva cair".

Já falei dessa música aqui antes, sobre quão delicado é esse convite que promete apenas mãos dadas ao longo do caminho - afirmação dos amantes frente às intempéries da vida.

Na saúde e na doença. Na alegria e na tristeza. Que o amor não pode muito mais que um breve "descanso na loucura". E já é tanto...

20 maio, 2011

dia 1

No facebook rola uma moda de desafios por 30 dias. tem de música, tem de filme,  tem de livros. tem desafios mais especializados. e aí eu comecei a fazer um de música, a partir de categorias inventadas por mim mesma. e agora estou pensando em fazer o mesmo aqui, porque ao menos seria uma desculpa para voltar a escrever cotidianamente. e eu estou me pós-doutorando em arranjar desculpas para cavar tempo pro que importa de verdade :-)

Então, começo com "música predileta da cantora predileta". Porque eu realmente adoro essa coisa do amor correndo devagar, no seu próprio tempo - pura poesia, pura utopia: samba e amor até mais tarde, muito sono de manhã.


Maternidade



A rede de segurança enquanto a gente aprende a pisar os caminhos difíceis e cheios de desafios. Se tudo der certo, a teia fica tecida mesmo é no de dentro - pra gente não tombar tão feio quando cair em si.
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06 maio, 2011

ponto de fuga

No meio de tanta gente, meu olhar tateia, vagueia, para finalmente convergir em você. E o espaço se abre em amplitudes e as cores em intensidades. A vida inesperadamente adensada, em plena expansão.
Ao mesmo tempo me alegra e me confunde, sua comparência silenciosa e constante, esboçada em traços finos de lápis - sob risco da borracha, como se suspeita de erro.
O cansaço dos dias, as incertezas dos caminhos e a confusão dos tropeços borrados em torno dessa sua presença límpida e mansa. As linhas tortas finalmente reunidas em ilusória direção: caminho infinito à frente e alguém com quem caminhar em quietude.


Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.
(Mário de Andrade)

05 maio, 2011

fluxo

porque tem dia ou melhor tem dias assim no plural e unidos no mesmo fio da pressa em que o folêgo falta e atravessar as horas exige pernas fortes pulmão amplo coração acostumado à rapidez e esses tempos corridos não são nem cansativos porque cansar exige pausa e "quanto mais coisa a gente faz mais coisa consegue fazer" me disseram e logo depois um encontro com alguém que sinceramente não sei como pode tanta coisa o trabalho a escola o casamento o curso de línguas e eu me espanto porque não entendo tanta pressa escolhida eu se pudesse escolhia meu próprio tempo e ele é quase sempre lento que meu folêgo é curto e vira e mexe é preciso vir à tona e redescobrir o ar no meio da pressa as pessoas mesmo as mais queridas e interessantes se perdem viram ponto luminoso no horizonte e o mundo gira pro lado oposto e constrói distâncias onde a gente queria palmilhar um caminhozinho e esse desencontro me dói como uma perda um vislumbre de alegria enterrada na areia que escorre sem parar da ampulheta implacável como é que faz para virá-la começar de novo recordar e planejar e esquecer as mesas sempre empilhadas de livros e textos e tarefas nunca concluídas e a pia empilhada de xícaras e pratos e lembranças de refeições apressadas e o quarto empilhado de roupas usadas e não usadas esperando um lugar na preocupação e no armário tantas pilhas e a gente escorrendo por entre elas no meio delas já sem saber o que importa e eu te convido vamos fugir? a fuga difícil mas só a promessa já me tira do peito um peso já me infla uma esperança no oceano agitado ainda por algum tempo é preciso seguir a correnteza  ainda por algum tempo abandonar-se a ela deve ser isso o que chamam de ser adulto quando ser criança ainda era tomar o tempo em goles largos agora não sei que angústias as crianças de hoje espero que só as inescapáveis e eu perpendiculo as mãos em T e peço pausa digo não finco o pé porque daqui do meio do fluxo vejo um pouso que me interessa e então sei que é preciso interromper.

02 maio, 2011

Nós mesmos a sós*

Depois de ter escrito o último post (e de ter revisto o filme e escutado a trilha do Les chansons d'amours incontáveis vezes), fiquei pensando no amor e na solidão. Parece um pouco cinza dizer assim, como se eu andasse triste ou melancólica, mas não é bem isso: é mais um exercício de pensar que a beleza do filme se produz bem nesse interstício entre um amor duradouro, com todos os seus problemas, e certa solidão que nem mesmo a companhia parece fazer desaparecer. Ainda assim, se alguma chance de escapar existe, a aposta é ainda no amor - na presença de outro, que nos ama e a quem amamos, que nos toca, nos abraça, que modifica o mundo ao enchê-lo de sinais.

E depois de rever o filme, pensei também no conto-novela do Caio Fernando Abreu, "Pela Noite" (Estranhos Estrangeiros: São Paulo, Companhia das Letras, 2002), de que gosto tanto e que fala também de modo tão dolorido sobre desencontros e sobre a graça do encontro - reconhecimento e mergulho cego no outro, no corpo do outro. E que armadilha que, como nós, o outro também tenha um corpo por continente, um corpo vivo que pulsa, sangra e goza, mas que também muda de ideia e parte ou, exagero de abandono, morre.

Com todas essas coisas na cabeça, ainda fui ler O fuzil de caça, de Yasouchi Inoue. Quem me falou do livro havia mesmo comentado sobre a excessiva solidão da personagem, mas é realmente impressionante como Inoue - ao lançar mão das cartas para contar a história - nos coloca em uma posição de solidão parecida à de Josuke Misugi. Como a personagem, ficamos na mesma posição de ler e aceitar as decisões de três mulheres importantes em sua vida, que ao mesmo tempo em que escrevem para ele, escrevem apesar dele, escrevem para se livrar dele. É tão triste e tão exato que a personagem principal quase não apareça, senão do modo como as três mulheres o pronunciam.

O livro é de 1949 e os ecos da experiência da II Guerra aparecem aqui e ali. Não apenas por isso,  me fez lembrar, embora não imediatamente, do livro de Graham Greene, Fim de Caso. O livro de Greene é de 1951, e acabei me lembrando dele principalmente por conta de um elemento que - para mim - pareceu bastante estranho na narrativa de Inoue: a presença da ideia de pecado.

A indicação do livro de Inoue me foi feita em meio a uma conversa sobre literatura japonesa e também em meio a um comentário sobre o estranhamento provocado, numa mesa sobre desemprego e experiências de desempregados, pela apresentação de pesquisadores japoneses que apontavam a centralidade do sentimento de vergonha para a compreensão das experiências subjetivas dos desempregados japoneses. Participando da mesa, havia finlandeses, alemães, suecos... e eles eram visivelmente incapazes de compreender que fosse possível alguém sentir vergonha; culpa, certamente, mas vergonha? São matrizes de codificação moral bastante diferentes.

Por isso me espantou tanto a sedução que a ideia de pecado assume na narrativa de Inoue - algo que agrega ao "erro" o peso do segredo. O interessante é que é uma ideia de pecado ela mesma estranha (para nós, ocidentais), pois que à revelação não sucede nenhuma salvação; à revelação parece suceder a súbita compreensão justamente da inadequação da própria sensação de pecado. O peso não vai embora devido à  algo como uma expiação, mas porque é o próprio pecado que se dissipa.

A solidão, no romance de Inoue, parece vir do oco dos rituais, símbolos e códigos. A distância irremediável a que todos os personagens estão submetidos, em relação uns aos outros, marca um absoluto desencontro. E aquilo que podia assumir o caráter de ponte - as cartas honestas e claras dirigidas à Josuke Misagi - revela uma ruptura ainda mais intensa, dando realidade a uma solidão que já se inflitrava pelos poros daquela vida.

Muito diferente, portanto, da tensão e da angústia de Fim de Caso, em que o pecado nunca pode ser expiado, mas é amenizado por meio de uma distância artificialmente criada: solidão auto-infligida e imposta ao outro, visando uma salvação absolutamente mundana. O que diferencia radicalmente os dois livros, além dos sentires de raízes tão distintas, sem dúvida é a ideia de Deus - aceita como milagre ou recusada como absurda e sem sentido - presente em Fim de Caso. Em comum, além da época sombria em que foram escritas, ambos podem ser reflexões sobre solidão e amor, sobre essa espécie de inescapabilidade (existe essa palavra horrível?) da solidão e sobre as promessas e limites do amor para cutucar rachaduras onde a saída se reveste de pedra.

* verso de poema de Fernando Pessoa para Sá-Carneiro. "[...] porque ha em nós, por mais que consigamos/ Ser nós mesmos a sós sem nostalgia/ Um desejo de termos companhia [...]".