30 novembro, 2008

Brevíssimas


* Rodrigo está doente, desde quinta-feira fazendo febre, febrinha e febrão. Quando com febre, fica chateado, só quer colo. Quando só está febril, dispara a matraca e quase nos deixa tontos de tanto que fala.

* Terça à noite estava conversando com o Edu e falando de marxistas e não-marxistas. Só que estava conversando enquanto ajudava o Rô a escovar os dentes. Aí, o Rodrigo cuspiu a pasta, virou-se pra mim e perguntou:
- eu, mãe?
- não, filho, não é você. Você não é marxista.
- mas mãe, eu sou sim, eu sou "maik-sista".
Só escutei a família inteira gargalhando. E tentei consertar:
- não filho. fala que você é pós-moderno e pós-estruturalista.
Coitado. Não tem jeito dele crescer normal...

* Depois do post sobre o anjo Castiel, de Supernatural, marido veio falar comigo:
- Você gosta de um psicopata (o Dexter), um médico egocêntrico e canalha (o House) e de um anjo torto? Eu acho que você tem problema.
Mesmo sendo obrigada a concordar, vamos combinar que, se eu tenho mesmo algum problema, isso também deve dizer respeito a ele, não é não?

* Mesmo doente, o Rô está falando cada coisa engraçada! Ele continua com a coisa de parar tudo e dizer "agora espera que eu vou te contar uma palavra nova, tá?" e sábado estávamos almoçando quando ele virou pra mim e começou a me contar a história do Kung Fu Panda (como se eu não estivesse lá em todas as 90 vezes em que ele assistiu) e fez igualzinho ao Po, "eu adoro Kung Fuuuuuuuuuuu", com o maior bico do mundo!

* E os presentes que ele quer dar para os professores? No Dia dos Professores, queria dar um cachorro para a A. Aí dissemos, "filho, mas e se ela não gostar de cachorro?". Mais que depressa ele respondeu: "então vamos dar um gato!". Ontem, saímos e aproveitamos para resolver uns presentes. Aí ele queria dar para a A. um colar enooooorme, cheio de penduricalhos. Como eu disse que talvez ela não gostasse, ele sugeriu uma pulseira verde, de plástico. E depois um lenço de seda branco com bolinhas pretas :-)

* Não que ele não tenha bom gosto, né? Agora, de manhã, ele escolhe as próprias roupas, sempre observando: "olha, mãe, eu vou pôr esta blusa, que combina com essa calça, tá?".

* tô devendo um post sobre a blogagem coletiva "Bater em criança é covardia", mas essa semana me livro da dívida, espero.

Imagem: http://www.gettyimages.com.br/

27 novembro, 2008

Sinais

"Ela nunca atravessava a rua se o farol estivesse vermelho. Havendo tempo de sobra para cruzar de um lado para o outro ou mesmo carro nenhum à vista, a moça ainda assim permanecia parada na esquina, esperando pacientemente que as luzes ficassem verdes. Há que respeitar o sinal, ela afirmava sorrindo, sem se importar muito com o sarro que os amigos tiravam, o que frequentemente acontecia. Da mesma forma o preço das coisas. Para ela cem reais eram cem reais e pronto. Não era o que tava escrito na plaquinha?
Ela não furava fila.
Ela não falava alto.
Ela observava os limites de velocidade.
Até que um dia ela se apaixonou por uma pessoa comprometida. E esse – apenas esse – sinal ela não conseguiu respeitar", (Flávia Stefani).

Daqui, ó. Tão simples e tão bonito.
É impressionante como, mesmo em novembro-quase dezembro, irrompem uns agostos por dentro, fazendo coração e respiração pesarem e até a alegria doer.

O jeito é ficar em silêncio.

Ou ouvir Zeca Baleiro, cantando "Skap", só pra lembrar que há a possibilidade de parecer menos só:

"quando você diz o que ninguém diz
quando você quer o que ninguém quis
quando você ousa lousa pra que eu possa ser giz
quando você arde alardeia sua teia cheia de ardis
quando você faz a minha carne triste quase feliz

você me faz parecer menos só menos sozinho
você me faz parecer menos pó menos pozinho".

26 novembro, 2008

Recuperação da adolescência*



Sabe quando a gente é adolescente e fica encantada com algum ator-cantor-jogador de vôlei? Eu agora estou adorando o anjo Castiel, interpretado pelo ator Misha Collins, em Supernatural. Não é bem aquela coisa de ficar colecionando Caprichos e afins que tiverem o ser na seção Gato do mês (isso ainda existe?). Tô curtindo mesmo é o personagem, todo em crise, no estilo "Asas do Desejo" pop.

Aliás, essa temporada está tão boa. Um episódio melhor do que o outro, incluindo os de "monstros da semana". Até o Sam, de quem eu confesso que tinha certa birra porque nunca me livrei do Dean que ele fazia no Gilmore Girls, está revelando que é bem mais que bom moço.

E o Dean - que eu já curtia desde que o ator fazia...como chamava? Aquela série dos humanos com códigos de barra no pescoço? Dark Angel! (Santo IMDb...). Mas ele já era engraçado. E além de engraçado, nessa temporada que (spoiler!) ele voltou do inferno, ele está muito interessante.

Se eles ainda derem um jeito de fazer um episódio em que o pai deles apareça, esta vai ser a melhor temporada de todas!

E já que estamos falando de recuperação da adolescência e anjos decaídos, um pouco de U2, hit de bailinhos e trilha de "Far away, so close": Stay.

* Título de um poema da Ana Cristina César, lindo por sinal: "é sempre mais difícil/ ancorar um navio no espaço".

Imagem: http://flickr.com/photos/38117284@N00/2887197999/

25 novembro, 2008

De baibais e acidentes

Para a minha "internação", além de computador, livros e textos, levei também um pouquinho de literatura, pros momentos em que os dedos no teclado arranhassem os limites das figuras à minha disposição.

Levei Rilke Shake, da Angélica Freitas (que resolvi comprar porque vi lá no Quase Resenhas e gostei do que li) e eXato acidente do Tony Monti.

O tempo continua me atropelando, mas mesmo assim, queria dividir com vocês esse poema:

o que é um baibai?

baibai es un adiós.
un farewell sin pañuelos.
tem gente que escreve haikai,
três linhas a bashô.
baibais também seguem modelos.

quem escreve baibais sabe que acabou
-se o que era doce.

(Angélica Freitas)

Sobre o livro do Tony, preciso de tempo para acabar de digerir. Há muito tempo, tinha comentado com a Nara que o que eu gostava na literatura do Tony era que, à diferença dos escritores mais novos que eu já lera, era uma literatura sem a fúria destruidora que eu sentia em vários escritores. eXato acidente confirma e desafia essa idéia: ler o livro foi passear no zoológico, de mãos dadas com a personagem do conto "O Bufálo" (da Clarice Lispector) .

E mais não digo porque preciso de mais tempo. Não para escrever: para ser capaz de dizer mesmo.

24 novembro, 2008

Eu tô voltando

Queridos e queridas: fiz um retiro pra terminar um capítulo da tese e só desinternei ontem à noite. E hoje tinha encontro com orientadora e duas mesas de simpósio - num deles, inclusive, apresentava trabalho. Por isso o sumiço.

Mas agora, tô voltando.

19 novembro, 2008

Bagunças


Hoje de manhã, na hora de ir à escola, Rodrigo me pediu para ir de camisa. Ele adora camisas. Em toda festa ele pede para colocar - ele tem uma toda estampada, com desenhos de leão, elefante, passarinho, e ele adora!

Combinei com ele então que ele poderia ir de camisa, se colocasse a camiseta do uniforme por baixo e se tirasse caso houvesse atividade no ateliê.

Aí, fomos levá-lo à escola e dei a mesma dica pras meninas do apoio. A M. ainda me disse que aquele não era dia de ateliê de manhã, mas que ela avisaria a prof. do Rô à tarde (hoje é dia em que ele fica o dia todo).

No fim da tarde, fomos buscar o Rô na escola. E conversamos um pouco com a professora dele, combinando reunião etc. e tal, quando ela se lembrou de um recado importante: - "Você não sabe o que aconteceu!". Como o Rô anda aprontando, deu até medo...

Bom. Dá-se o caso que, de manhã, estava o G2 na quadra e, de repente, Rodrigo sumiu, levando junto o M. Aí eles começaram a procurar os meninos. Procura, procura, onde estavam os meninos? No Ateliê. Fazendo o quê? Cobertos de tinta! E o Rodrigo estava de camisa, óbvio.

O pior é que a A. (prof. do Rô), soube dessa história porque, quando chegou na escola, estavam as duas meninas do apoio, superpreocupadas, esfregando a camisa dele, para tirar as manchas! Fiquei tão chateada...Porque eu só comentei com elas esse combinado com o Rô: não é que eu não queria de jeito nenhum que a camisa sujasse, né? Afinal, deixei ele ir pra escola com ela - a sujeira estava no pacote. Eu só estava tentando ensina-lo a cuidar um pouco mais das coisas dele. Não ia imaginar que a minha ressalva ia dar motivo pro menino (1) fugir do professor; (2) arrumar um cúmplice; (3) invadir o ateliê e (4) tomar banho de tinta, só pra ver a minha cara...

O mais difícil foi ficar séria para mostrar pro Rodrigo que o que ele fez foi errado. Porque a verdade é que foi tanta arte, que foi até engraçado.. Só de imagina-lo coberto de tinta...Ai, como eu queria ter uma foto! Mas aí, maridón me mandou ficar séria e eu fiquei. Pelo menos pra dizer que não podia fugir do prof. ou entrar no ateliê sem que o grupo dele estivesse em atividade. Ai, ai.

Como diz o Edu. Com o Rô, só usando o reverso da psicologia reversa, revertida! O cara consegue dar nó na gente!

* A foto é de dezembro de 2007, no dia 15, mais precisamente - aniversário do Edu. O Rodrigo estava num baita mau-humor, e aí resolvi brincar com ele de pintar a cara. Ele ficou tão, mas tão feliz. E num momento de distração, enquanto eu preparava as coisas para coloca-lo no banho, ele se jogou no box, de pijama e tudo, e ficou gargalhando sozinho de patinar de barriga na água :-) Coisa boa da vida!

17 novembro, 2008

Irritação

Alguém me explica por que o corretor do Word quer que eu use crase antes de verbo no infinitivo?

Ou porque ele me manda escrever frase com apenas 50 palavras, reclamando toda vez que passa disso, mesmo que sejam apenas 51 palavras?

Haja!

16 novembro, 2008

Maternidade como experiência - II

Queridos, acabei transferindo a discussão lá pro Margens, no post de hoje.

Nó na cabeça

Rodrigo acordou às 6h hoje. Na verdade, às 5h52. Aí foi pra sala, ficar largado um pouquinho, esperando começar o Pocoyo...

Umas 6h30, acho que o Edu tinha saído da sala e, quando voltou, o Rô tinha desligado a TV. E o trato com ele é que ele não mexe nos eletrodomésticos. Então, ouvi o seguinte diálogo:

- Rô, porque você desligou a TV?
- Porque eu não queria mais assistir. Mas agora eu quero.
- Então liga de novo.
- Mas pai, eu não posso. Eu sou pequeno.
- ...
- Criança não pode ligar a TV.


***

E eu ia preparar um post só com os livros preferidos do Rodrigo, mas acho que ainda não vai ser hoje.

Essa semana, da Biblioteca Circulante da escola, ele trouxe um ótimo - da Rosane Pamplona, com ilustrações da Ionit Zilberman: "João Boboca ou João Sabido?". É impressionante como poesia e rimas fazem muito sentido para crianças pequenas. "A Galinha Xadrez" também é rimada, e ele acaba decorando tudo. Do "111 Poemas para Crianças", por exemplo, ele recita direitinho o poema "Minha Cama", e isso desde que tinha uns 2 anos! (Coruja, eu? Vendo o ser pequenininho recitando poesia? Impressão sua).

Minha Cama (Sérgio Caparelli)

Um hipopótamo na banheira
Molha sempre a casa inteira.

A água cai e se espalha
Molha o chão e a toalha.

E o hipopótamo: "Eu não ligo,
Estou lavando o umbigo!"

E lava e nunca sossega:
esfrega, esfrega e esfrega

A orelha, o peito, o nariz
As costas da mão e diz:

Agora vou dormir na lama,
porque é lá a minha cama.

E você? Lembra de cor alguma poesia que aprendeu quando criança?

Eu lembro do Fernando Pessoa ("O poeta é um fingidor"...) e da Cecilia Meireles ("Tenho fases como a lua...").

E lembro também do frisson que foi quando minha irmã, um dia, chegou da escola recitando o poema da "norte": Da "norte", ninguém escapa/ nem o bispo, nem o papa/ nem o rei/ mas eu, nem que seja pra gastar/ até meu último vintém/ compro uma panela/ entro dentro dela/ tapo bem./ e a "norte" fala assim/ hum, hum, aqui não há ninguém! :-)

15 novembro, 2008

Aqueles Dois


Ontem fomos, Maurice e eu, assistir ao espetáculo Aqueles Dois, baseado no conto homônimo do Caio Fernando Abreu.

Confesso que estava bem com medo. A única vez em que vi uma montagem de textos do Caio foi "O Homem e a Mancha", encenada pelo Marcos Breda. Mas "O Homem e a Mancha" é um texto escrito para teatro e foi dirigida pelo Luiz Arthur Nunes, que era amigo e co-autor de peças do Caio. Lembro-me que também já houve uma montagem de "Dama da Noite" que fez bastante sucesso, mas não cheguei a ver. Ir assistir montagens baseadas em contos ou romances de nossos autores preferidos é sempre meio desconfortável pois significa dar corpo e voz a personagens que a gente, ao ler, recria. Se for bom, a gente acaba colando pra sempre o corpo à personagem. E se for ruim, às vezes a gente até perde o gosto da leitura...

Mas a montagem da Cia. Luna Lunera foi bastante fiel ao espírito do conto, acho. De fato, acho que essa é a primeira qualidade da montagem - um sentimento de respeito ao conto e ao autor, embora não um respeito paralisante que impeça a criação e a "tradução" do texto literário em linguagem cênica.

É claro que as leituras podem variar, mas "Aqueles Dois" é um conto muito, muito delicado. Fala de encontro, de reconhecimento. E talvez fale mais de amizade do que de amor (para seguir uma pista obscura que o Maurice me lançou há algum tempo).

Ao contrário de outros contos do Caio em que o sexo irrompe no texto, sempre expondo os personagens de um jeito um tanto cru, nesse conto não há sexo. Há talvez o susto do desejo, mas o Caio, super sacana, termina o conto deixando o leitor em suspense, só pra ver se a gente cai na mesma armadilha de mediocridade e, ao invés de apreciar a boniteza da relação, vai ficar se perguntando, mas "é namoro ou amizade?". Porque o conto todo é sobre essa violência de uma sociedade que só entende as coisas pelo viés do sexo e é incapaz de acolher o convívio de duas pessoas sem rótulos. Duas pessoas que se gostam muito, que convivem cotidianamente, que juntas são melhores do que separadas têm que ser amantes. Independente do sexo.

Fossem "aqueles dois" um homem e uma mulher e não haveria conflito; fofoca, talvez; as mulheres até suspirariam aliviadas, sentindo-se menos rejeitadas; mas ninguém se sentiria ameaçado, o mundo continuaria a rodar. E é por isso que o conto tem como subtítulo "História de aparente mediocridade e repressão".

Voltando à peça, ela flui. Momentos divertidos se alternando com momentos mais intensos, mas achei tudo afinado. Às vezes o volume (real) é um pouco alto demais, mas ainda assim, o importante é que não se perde o tom (metafórico) de que se trata de uma história de encontro e reconhecimento.

Apesar da história ser sobre "aqueles dois", são quatro atores no palco e achei que funcionou bem. A alternância dos papéis, o ritmo, acho que foi mais interessante do que se fossem só dois em cena. Mas mais do que isso, acho que esse recurso deu leveza para a idéia de que é preciso o tempo todo estar atento para se reconhecer no outro e reconhecer o outro. De algum modo, a contínua mudança de quem enunciava as falas de Raul e Saul parece sugerir que eles são especiais apenas por terem se reconhecido e, a partir daí, não terem recusado a aventura de mergulharem um no outro.

Mergulho que o sexo talvez não tivesse permitido, sendo fusão tão intensa E aqui torno de novo a essa sensação de que, no conto, não é que seja necessário recusar o sexo, mas certamente é limitador e empobrecedor desconfiar que (1) ele esteja presente em todas as relações e (2) ele seja o elemento definidor das relações.

Quando, ao final do conto, ele vão embora e todos os outros ficam ali naquela repartição, inquietos e angustiados, com a sensação de que seriam infelizes para sempre, é desses limites e dessa pobreza que se trata. A pobreza de colocar o sexo e o desejo no centro da identidade.

Apesar de na hora ter achado que de vez em quando o recurso à uma espécie de dança-capoeira era desnecessário, depois também fiquei achando que esse tatear mútuo era bem interessante, dando corpo ao exercício de tatear, marcar limite: o corpo do outro como limite. A ambiguidade de querer se aproximar e querer marcar distância.

E eu continuo me perguntando, Maurice, meu companheiro: do que é feita a amizade?

Bom. Para concluir, mesmo que abruptamente - já que tenho que voltar a trabalhar - gostei da peça e recomendo! Eles ficam em cartaz até 14/12, no Sesc da Avenida Paulista.

Para quem quiser ler, o conto está no Morangos Mofados. Eu tenho uma edição muuuuito velha, comprada em sebo na época em que o livro estava esgotado (para vocês terem uma idéia, a edição é do Círculo do Livro e a capa é a mais homoeroticamente inclinada possível! Tipo: um cara loiro de bigode olhando pela janela onde a chuva escorre. Sentiu?). A Agir, que tem reeditado as obras do Caio, já deve ter republicado, naqueles volumes imensos e irritantes divididos por década.

Imagem: www.gettyimages.com.br

14 novembro, 2008


Queridos, a coisa por aqui anda corrida, por isso o blog está esse abandono todo. Eu não podia e não devia estar escrevendo, mas hoje resolvi roubar um tempinho para escrever um post que venho cozinhando há algum tempo, desde que a Denize fez uma provocação sobre o Dia do Livro (que foi dia 29 de outubro).

Outro dia, conversando com minha mãe e minha irmã sobre escolas e sobre o que é importante que uma boa escola tenha, acabei percebendo a centralidade das bibliotecas na minha experiência escolar.

Sempre gostei de ler, qualquer coisa que aparecesse na minha frente, gibis, livros, revistas. E na 5ª série, tive um professor de literatura muito bacana, que fazia a gente ler Fernando Pessoa. Mas até a 6ª série, as escolas em que estudei não tinham biblioteca.

Por isso, quando fui morar em Londrina, fiquei encantada com a biblioteca da escola. Era uma casinha de madeira, daquelas típicas no Paraná, plantada entre o prédio das salas de aula e a quadra. O lugar não era dos mais iluminados, mas tinha estantes lotadas de livros que ficavam à mão. Foi lá que li Ratos e Homens, Admirável Mundo Novo, 1984 e também Clarissa e Olhai os Lírios do Campo. Eu tinha só 12 anos, e não sou capaz de me lembrar bem de detalhes dos livros que li (a não ser daqueles que reli depois), mas me lembro bem da sensação que cada um deles me provocava, das experiências que eles me proporcionaram que me abriram enormes espaços por dentro.

Depois, no colegial, de novo fui estudar num colégio que tinha uma boa biblioteca, essa já mais iluminada e organizada. Os livros não ficavam tão à mão: apenas os didáticos ficavam em estantes acessíveis, para que pudéssemos pesquisar e fazer a lição de casa. Porém, ao final dos 4 anos em que fiquei lá (fiz Magistério), eu adquirira passe livre para encontrar os livros de meu interesse nas prateleiras restritas às Irmãs. Lembro-me até de um período, ao final do 3º ano, em que eu já havia passado em algumas disciplinas e fui dispensada de fazer prova. Então, como era obrigada a permanecer na sala de aula, foi uma fase em que lia por dia um ou dois livros, desses que se chama de literatura infanto-juvenil!

Foi por ter permissão para olhar nas estantes, por exemplo, que além de literatura também pude ter acesso à livros sobre Educação que não haviam sido indicado pelos professores. Foi assim que li estudos baseados em Foucault pela primeira vez (e foi assim que o Foucault virou epígrafe do meu trabalho de conclusão de curso, fascinada que fiquei pela idéia dos "jogos de verdade"...). Lembro-me até hoje de minha professora de Psicologia muito contente de descobrir comigo Foucault e toda a reflexão sobre a educação que se fazia a partir dele.

É claro que se eu já não gostasse de ler, talvez o simples fato da biblioteca existir não me provocaria o desejo de estar entre os livros. Em casa, sempre teve muito livro, e eu herdei da minha mãe o mergulho na leitura que nos torna, enquanto a leitura durar, incomunicáveis. Mas a existência das bibliotecas, o fácil acesso a elas, transformou o que era gosto em exercício constante - ou compulsão, se vocês preferirem, basta uma olhada nas estantes aqui de casa :-)

* Ontem estive na Feira de Livros da USP (mínimo de 50% de desconto). Consegui me controlar e não comprar livros-de-sociologia-muito-interessantes-que-não-vou-ler-num-futuro-próximo. Mas não tive a mesma sorte com os livros infantis... Voltei pra casa com 9 livros novos, da Cosac&Naif, Brinquebook e Girafinha. Ontem mesmo, antes do Rô dormir, já tive que contar umas três histórias. E tive que contar cinco vezes a história da Galinha Xadrez.

10 novembro, 2008

Como andei arrumando o imenso número de cartas guardadas, encontrei uma da Raquel em que ela comentava a primeira conversa que teve com uma amiga sobre a morte de uma amiga nossa, a Fabiana.

A Fá cresceu com a gente: morávamos todas no mesmo prédio, e a Fá era uma das líderes das aventuras e brincadeiras. Ela era linda, e um pouco mandona também. Mas era muito legal, e assim a gente perdoava esse pequeno defeito...

No final de 95, quando ela tinha 16 anos, descobriram um câncer. Só essa notícia já foi um grande choque, pra todo mundo. Logo a Fá, saudável e bailarina formada? Logo a Fá, tão nova e começando a viver? Logo a Fá, que mal começara a desabrochar em mulher?

Eu estava no cursinho e logo depois fui para São Paulo. Ainda conseguia vê-la de vez em quando, nos finais de semana. Às vezes mandava cartas. E embora ela tenha ficado um longo tempo após o transplante de medula num hospital em São Paulo, nunca tive coragem de ir visitá-la. Não no hospital, não na UTI.

No fundo, eu não acreditava na gravidade da situação. Preferia achar que depois do tratamento tudo ficaria bem, ela ficaria curada e aquilo ficaria como vaga lembrança no percurso da vida - dela, de todos nós. Talvez por isso ache tão precisa a expressão da Cris: "a burrice bonita de que é feita a última esperança". Até o último dia, eu não acreditei que era verdade.

Lembro de conversar muitas vezes sobre a Fá com a Ana Lúcia. Ela meio me prevenindo, meio me acalentando, com sua precoce experiência de ter perdido a mãe e conhecer a burrice bonita de se recusar a aceitar.

E então, uma semana antes do meu aniversário, eu estava em São José e me disseram que ela não estava bem. Fui vê-la no hospital, num quarto de enfermaria que abrigava só a ela e sua família, um quarto na penumbra, cercada da mãe, da avó e do irmão. A respiração curta e rápida, o corpo frágil e cansado. Mas ainda assim, um pouco de aconchego.

À noite, no jantar, ainda tentávamos compreender direito o que acontecia quando o interfone tocou. E era a mãe da , avisando que ela acabara de morrer. A casa da virou o ponto de reunião: por medo, por instinto, acabamos ficando todos juntos - a família dela, a Mari e eu, Felipe e Daniel, Paulo, Suzi...Talvez para sufocar a dor com o excesso de presença.

O velório foi na capela bem próxima ao nosso condomínio. Lembro-me de me preocupar com detalhes bobos, como preparar café. Talvez pelo velório ter sido tão próximo de casa, a morte tenha se tornado um pouco mais próxima também, não sei.

O que sei é que depois, passei um longo período como que flutuando sobre a vida. Via os dias se sucederem, mas a morte da Fá me arrancara do fluxo da vida. Uma semana depois, foi meu aniversário. No 7º dia. Minhas companheiras de república não fizeram festa, contentando-se em escrever "feliz aniversário" com catchup no pão de fôrma dos nosso lanches. E não consigo olhar aquela foto, em que seguro o sanduíche, sem notar meus olhos ausentes.

Por outro lado, a morte dela me atirou com intensidade à vida. Eu, sempre tão disciplinada, certinha e séria, aprendi que a vida é curta. "Muito curta pra ser pequena", como gostava de dizer o meu tio. Fiquei querendo uma vida larga, uma vida plena. Pra nunca ser interrompida e estar sempre pronta para a chegada da "indesejada das gentes".

Por muito tempo, ela foi uma das minhas principais interlocutoras. Falei muito com ela, para ver se ela me ensinava, da perspectiva de quem partiu cedo. É que ela adorava conversas filosóficas...adorava conversar para tatear a vida. Durante muito tempo também me culpei de não ter estado mais perto dela, de não tê-la visitado mais, escrito mais, inventado mais presenças. Foi por burrice, Fá: achei que haveria tempo.

Quando, no final daquele ano, a Mari ainda nem tinha certeza de que estava grávida, ela teve um sonho em que a Fá vinha e trazia para ela um bebê. E, de fato, a Juju veio, encheu a casa de vida e de esperança. A vida, seguindo seu rumo.

Ao longo da vida, a lista dos meus mortos foi se alongando. Embora eu já não os sinta como um enorme peso. Fui aprendendo que vida e morte andam juntas. O que, obviamente, não diminui a dor pelos que se foram - por vezes até a aumenta, porque no momento-quando não há nada mais difícil do que saber que será necessário continuar. Mas a vida é ciclo e também é cheia de bonitezas. E ainda que o objetivo da beleza não seja nos salvar da dor, ela nos redime um pouco - relampejo de vida, no meio da vida, no meio da morte.

* E para quem precisa de provas da relação entre vida, morte e beleza, recomendo o Para Francisco, que agora virou livro. A escrita da Cris e o esforço de apresentar ao Francisco o seu pai, são registro e expressão de como vida e morte se misturam. E também de como a beleza - na escrita, mas também em todos os gestos - pode ser tecida para nos amparar.


07 novembro, 2008

Boquiaberta

Quando o Weber falava na impossibilidade do homem moderno se sentir pleno, devido à consciência de que há sempre mais a pensar e descobrir, num progresso infinito que por isso mesmo nos limita ao tempo de nossa própria vida, ele tinha toda razão.

As fichas estão caindo numa velocidade assustadora. Mas eu sei que é uma acomodação intermediária das inquietações: o que sou capaz de ver e dizer hoje é só o meio caminho entre o que já vi e disse e o que verei e direi. Contanto que esteja viva.

A relação entre limites e trangressões é realmente interessante.

06 novembro, 2008

Muito rápidas

- Rodrigo agora deu para ficar com músicas grudadas na cabeça. Aprende na escola e depois fica cantarolando a música por hooooooras seguidas. Tem umas que eu entendo. Mas outras... Este final de semana ele saiu com uma música que eu acho que é da capoeira (pelo ritmo) e que termina dizendo que "o Fulano vai nascer bambu". Adorei. Queria nascer bambu, sim. Mas é só de vez em quando que o Rô me coloca na música, então só me resta esperar...

- Estou escrevendo, pensando, e tossindo. Mais tossindo do que qualquer uma das anteriores. Mas pelo menos a dor de ouvido deu uma aliviada.

- O Rô hoje cortou o cabelo. Desde a primeira vez que ele cortou no cabeleireiro (as primeiras duas fui eu mesma quem cortei) é o mesmo moço que nos atende. E o Rô adora ele! Outro dia, estávamos brincando de massinha e ele tinha acabado de ganhar uma tesoura. Aí, ele fazia cabelo de massinha e depois ia cortando, orientando "igual que nem" o F. faz com ele: "agora olha pra baixo, olha a formiguinha...". E depois ainda dizia "ficou lindo" e dava um pirulito!

- E agora, também por causa da escola, ele vira do nada e fala: "Vou te contar uma história que você não conhece". Aí ele inventa, conta, conta, conta...E quando chega no fim ele pergunta: "não é que você não conhecia essa palavra?".

- E hoje ele dormiu ouvindo poesias do Manuel Bandeira. Ele gostou de "Na Rua do Sabão". De Trem de Ferro ele já gostava desde o semestre passado, quando o tema de trabalho foi "trilhos". E eu achei que ele ia gostar de "Porquinho-da-Índia", mas ele nem tchuns.

- Ah! Pra terminar, ontem ele acordou tossindo (também) e veio atrás de mim: "ô mãe, eu preciso de uma "colheiada" de mel".

- Agora é a última. Melhor do que ele falando "colheiada" é quando ele pede para ver "Ma-da-ca-car". Sabem? O filme do "Leião", da Girafa, da "Zeba' e do hipopótamo. Madagascar, gente...


04 novembro, 2008

Intervalo para o comercial

Eu estava esperando ter um tempo para escrever com um pouco mais de calma, mas como já vi que não vai dar, coloco só as informações mesmo.

Quinta-feira é o lançamento do livro novo do Tony Monti, na Livraria da Vila da Fradique (vejam informações abaixo, do cartaz que roubei da página dele...).

Eu ganhei o primeiro livro do Tony dela, num aniversário que já vai longe (aliás, a Nara que me introduziu a outros autores desses novos, porque se dependesse de mim acho que só ia ficar lendo sempre os mesmos...). Era "O Mentiroso". Eu li, gostei, depois passei a acompanhar o blog que naquela época tinha outro nome (que eu esqueci agora, vixe, velhice...).

No final do ano passado, saiu "O menino da rosa", que eu adoro por várias razões que não vai dar tempo de explicar hoje.

Se a minha tese não me engolir na quinta-feira à tarde, eu estarei lá, para prestigiar o Tony (que não conheço pessoalmente) e comprar o livro novo.

Paciência

Rodrigo hoje dormiu bem na hora do almoço. Então, quando era 12h45, começamos a chamá-lo para que ele almoçasse antes de sair. Ele, nada. Conversamos, chamamos...E ele balançando a cabeça que não queria acordar, almoçar, ir na escola...

Até que eu tive a infeliz idéia de abrir a janela. Pra quê? O menino surtou. A gente pegava ele no colo, ele escapava e voltava pra cama! Tadinho...

E ele foi ficando cada vez mais brabo e irritado. E brigava e chorava e tentava chutar a gente. Surtou geral.

Ô coisa dura que é esse desencontro entre o nosso ritmo e o ritmo do mundo!

Sempre tentamos respeitar o ritmo dele: hora de dormir, hora de comer, os ires e vires da necessidade de estar perto. Sexta, por exemplo, ele não foi na escola só para poder fazer nada e não violentar a vontade do corpo resfriado que queria ficar quieto. Hoje não dava. Mesmo que doa nele e em mim esse puxo do mundo, com seus tempos e ritmos, tão diversos dos nossos; principalmente quando tudo o que a gente quer é um pouco mais de calma e alma.

Rô, uma musiquinha do Lenine, pra gente respirar fundo e lembrar do que nos interessa.

03 novembro, 2008

Diálogos

De manhã, indo para a escola:
- Mãe, por que você vai sentar na frente com o Edu?
- Por que o Edu é meu marido.
- Não! Ele não é seu marido!
- É sim, filho. E é seu papai.
- Não. Ele é meu marido.
- Mas filho, criança não tem marido, nem namorado. Ele é seu pai.
- Não. É meu marido. Criança tem marido e tem namorada. Você não tem marido!

Ontem, na casa da avó, brigando com o primo mais novo:
- Não vou deixar você pegar meu brinquedo! Você é feio! É feio pegar brinquedo da mão dos outros!
Aí, estou eu na cozinha, conversando com minha sogra, quando vem o menino desabalado da sala me comunicar:
- Mãe, eu não vou pedir desculpas para esse G. pequenininho. (Ele tem um amigo na escola com o mesmo nome...).

Ontem, antes de dormir, eu disse pra ele:
- Filho, olha nos meus olhos...
(virou a cara)
- Tudo bem, então vou falar pro Edu. Edu, olha nos meus olhos: eu te amo!
- Mamãe, mamãe, mamãe!
- O que, Rô?
- Olha nos meus olhos: eu te amo!

Na semana passada, nasceu o irmãozinho do amiguinho. Aí disse pra ele que eles estavam no hospital.
- Mas mãe (intrigado), porque é que eles estão doentes?

E ontem, ainda na avó, pediu para ver os tamanduás. Eram os caramujos...

01 novembro, 2008

Baú (2)

Genialidade
inventei uma engenhoca
que flutua no ar
pisa fundo na terra
mergulha na água.
A invenção sou eu.
Com defeitos de fabricação

Maré

te amo,
te odeio,
te amo,
te odeio,
te amo,
de odeio,
tô cheia.

Pérola

preciosa
a palavra
AMOR
em sua boca
semi-aberta

Veludo
afago noturno:
- boa noite, querida
mão e voz
da mesma textura

Brinquedo

sentado ao meu lado
as pernas embalam
memórias de parquinhos
e areias

Passado
algas enrolando
o pé
que se move adiante

Platonismo improvável
o amor que te tenho
se eu não provo
tu não provas

Puta-que-o-pariu!
assombro
e gosto de sabão na boca

Baú (1)

Brincadeiras antigas, reencontradas (uma seleção das menos piores):

Prisão domiciliar
entre músicas, discos,
memórias, telefone mudo
ela se encolhe
incomunicável

Chuva de Verão
"fácil vem, fácil vai"
dizia a avó
explique isso ao coração de mulher
que insiste
acreditando no eterno

Desejo
faço realidade meus sonhos
para que meu filho não nasça
com uma cara que não seja dele

Análise Combinatória
manga verde com sal
batata doce com leite
chiclete com banana
eu com você
você comigo
nós juntos (que tal?)

Qualquer bobagem
amor só é bom quando transborda

Cena 1
A menina está triste.
O rapaz é sincero.
A menina se confunde
e aguarda os próximos capítulos.
Corta! Agora!
O mal pela raiz.


solidão atada à angústia
trabalho de escoteiro

Reeleição
te escolho de novo, a cada dia:
voto de confiança

Mudança
saco de mágoas ao lixo
fantasmas ficam na casa velha
levo meu corpo, meus sonhos
e nenhum cadeado para as portas