28 abril, 2015

dos amores

"Então, quando estou lendo livros — leio muito bagunçadamente —, me sinto como se estivesse conhecendo pessoas legais, como se estivesse naquele momento que tinha quando era mais menino, de que toda pessoa carrega consigo um pedaço da vida muito grande. Quando você está no colégio, no ginásio, parece que as grandes conquistas da humanidade estão todas ali, em quatro ou cinco amigos. E aí entra um cara novo e o cara abre um negócio… Literatura é um pouco isso, como se você conhecesse um sujeito novo, alguém assim".

"Acho que tem uma potência de reformulação na morte, de reordenação da vida, tem uma potência na catástrofe. Acho que não é morte, é catástrofe. Tenho ligação com aquela situação de depois do furacão. [...] Então, acho que a morte e do que gosto nela é dessa potência de reordenação. É uma grande escultura, não é? Nesse sentido, acho que a morte tem a potência de abrir o real. A violência tem isso. Agora, é claro que a violência é cega e ela faz coisas horrorosas. Não sinto em mim nenhum sadismo. Se sentisse, eu diria, e estou falando como artista, não como cidadão. Não tenho gosto por sadismo, não é o lado de que gosto. A propósito, acho o Marquês de Sade um chato. Não acho aquilo nem sádico, acho muito metódico, francês, cartesiano. Agora, a força de destruição da vida é algo que quero estar perto. Porque acho que ela é a mesma força que refaz a vida. É nesse sentido que a coisa da morte está presente na minha literatura".

(mais uma vez,  encontro o nuno ramos num momento tão oportuno, tão preciso que até recupero meu pensamento mágico).
(e ele me faz lembrar de coisas compartilhadas com a veronika, com o tony, sobre escrever, sobre ler, sobre esse jeito de experimentar a vida e o mundo).
(conto ao marido do novo amor. "me reconheço nele", digo. e ele ri, "você gosta dele porque se vê no espelho?". é isso e não é isso. gosto dele porque vejo ali uma vitalidade que reivindico, que procuro preservar em mim. gosto dele porque, ler o que escreve é como acordar sem sono algum, inteira. porque quando leio alguns de seus textos, o "entender" passa pela pele, pelas maçãs do rosto, pelos olhos úmidos. porque ali tem alguma coisa que me põe viva. e isso nunca é pouco).

22 abril, 2015

o risco da segurança

"La sécurité, c'est se retenir au bord du désastre. La sécurité détermine cette temporalité du délai, du 'temps qui reste' - comme dans le qui tenet de saint Paul. La sécurité, c'est: encore un peu, toujours pareil. La sécurité reconduit, persévère, insiste. Elle tient, maintient, retient. Or la catastrophe surtout, écrivait Walter Benjamin, c'est que tout continue comme avant. Arrimé au dogme de la sécurité du marché, e néocapitalisme n'a tiré et ne tirera aucune leçon des crises. Les profiteurs du système (décideurs financiers, médiatiques, industriels, politiques) sont à ce point comblés qu'ils doivent pouvoir se dire, sauf à paraître à leurs propres yeux de monstres, que leur situation est juste, méritée, résultat d'évaluations convergentes et exactes, et qu'ils ne prennent rien aux autres. Le marché est infaillible. Tout continuera comme avant, la catastrophe insiste, et la sécurité n'est rien d'autre que cette insistance. Tant que les profiteurs seront les décideurs. L'accroissement exponentiel des inégalités sociales exigera certes toujours davantage des dispositifs 'sécuritaires' au sens cette fois où il faudra bien corriger les effects 'à la marge' des marchés prétendument autorégulés: la rage vide et la colère aveugle des dépossédes, des endettés, des rejetés, des déchets. Les régimes néolibéraux sont voués à devenir des États policiers, comme il faudra toujours plus contenir les explosions de la misère. La dégradation rapide et irréversible de l'environnement animera toujours davantage, à chaque cataclysme, en contrpoids dérisoire, le mythe d'une société reflexive, d'une modernité éclairée, consciente des risques, et prête cette fois à prendre la mesure du danger encouru par tous. Mais comme le dogme de la sécurité du marché considère toute intervertion publique, toute volonté politique comme malvenue, falsifiante, calamiteuse, on peut être certain que rien ne sera fait pour freiner la mise à sac illimitée de la planète, l'aveuglement productiviste, l'augmentation délirante des inégalités.
La sécurité (la catastrophe), c'est quand tout continue comme avant" (Fréderic Gros, Le Principe Sécurité. Paris: Éditions Gallimard, 2012: p.237-8).


- Crítica da Razão Negra (trecho do livro de Achille Mbembe).

02 abril, 2015

o que amar quer dizer

quando, no doutorado, entrei em uma imensa crise de categorias e formas de pensar e fui chegando ao Foucault, pelas notas de rodapé do Castel,  nem imaginava que era um caminho que me levaria cada vez mais perto do Mauricio. vai ver que digo errado: quando, no meio do doutorado, me peguei absolutamente perdida e sem saber como seguir, talvez tenha sido o Mauricio, brilhando intermitente feito farol naquela escuridão, que me ajudou a reencontrar um caminho. um caminho que passava pelo Foucault e me levava para mais perto dele - eu que, teimosa, tinha tentado fugir pro prédio ao lado só pra voltar, rabo entre as pernas, pro coração da sociologia; pra mais perto dele, mas também pra mais longe, tão distantes os temas daqueles que dividíamos, ele, Ana e eu, como preocupações durante a graduação.
desde aquela época, raras são as semanas em que não nos escrevemos - para falar da vida, do presente, do contemporâneo, das crises ou das bonitezas da vida...
então foi um privilégio imenso poder estar presente na defesa dele, na terça-feira. foi uma defesa linda, consonante com o trabalho belíssimo que ele fez atualizando as leituras que Foucault fez do Irã, mas atualizando também a polêmica como bloqueio à filosofia que pretenda ser uma ontologia de nós mesmos. com coragem - se o Sergio Adorno estivesse na banca, não resistiria a invocar o sapere aude que o Foucault tanto sublinhou no Kant - e uma paciência infinita, o Mauricio foi lá e mexeu no vespeiro das reportagens de Foucault sobre a revolução iraniana, tendo voltado dessa aventura com muitas histórias para contar e, certamente, um caderninho (daqueles em que se anotam planos de viagem) cheio.
foi também uma felicidade, pois naquela sala de defesa ficaram claras as razões pelas quais o Mauricio pode encontrar ali as condições para ser ele mesmo (o que, no caso dele, bem foucaultianamente, significa um incessante trabalho de diferenciar-se de si mesmo): na presença atenta dos colegas de grupo de pesquisa, no entusiasmo da orientadora, nas arguições generosas, cuidadosas e bonitas da banca, tudo dizia da partilha de um mundo comum que garante a cada um as condições de experimentar pensar. e é bom saber que quem a gente ama encontrou amparos. faz grassar um quentinho bom, misto de orgulho e gratidão.
esses dias estou lendo o Mathieu Lindon, em grande medida sobre o Foucault. logo no início, ele diz "Eu poderia nunca ter conhecido Michel, nunca ter posto os pés em seu apartamento, e, com todo o amor familiar que me cercava, sinto pena da vida que eu teria tido".
eu poderia nunca ter conhecido o Mauricio, nunca ter partilhado com ele o que nos com-divide. e sinto pena da vida que eu teria tido. pois que não tenho dúvida alguma sobre o tanto que meu amor por ele abriu (e abre) de espaços e tempos no todo dia, o tanto que me ensinou (e ensina), o tanto que sua confiança em mim e sua mão dada à minha me ajudaram (me ajudam) a ultrapassar desertos. o tanto que conviver com ele me enraíza no mundo: raízes aéreas, mas ainda assim.
parabéns, querido. e me desculpe a falta de recato da declaração pública: é que desta vez a vontade de dizer era grande demais.