02 abril, 2015

o que amar quer dizer

quando, no doutorado, entrei em uma imensa crise de categorias e formas de pensar e fui chegando ao Foucault, pelas notas de rodapé do Castel,  nem imaginava que era um caminho que me levaria cada vez mais perto do Mauricio. vai ver que digo errado: quando, no meio do doutorado, me peguei absolutamente perdida e sem saber como seguir, talvez tenha sido o Mauricio, brilhando intermitente feito farol naquela escuridão, que me ajudou a reencontrar um caminho. um caminho que passava pelo Foucault e me levava para mais perto dele - eu que, teimosa, tinha tentado fugir pro prédio ao lado só pra voltar, rabo entre as pernas, pro coração da sociologia; pra mais perto dele, mas também pra mais longe, tão distantes os temas daqueles que dividíamos, ele, Ana e eu, como preocupações durante a graduação.
desde aquela época, raras são as semanas em que não nos escrevemos - para falar da vida, do presente, do contemporâneo, das crises ou das bonitezas da vida...
então foi um privilégio imenso poder estar presente na defesa dele, na terça-feira. foi uma defesa linda, consonante com o trabalho belíssimo que ele fez atualizando as leituras que Foucault fez do Irã, mas atualizando também a polêmica como bloqueio à filosofia que pretenda ser uma ontologia de nós mesmos. com coragem - se o Sergio Adorno estivesse na banca, não resistiria a invocar o sapere aude que o Foucault tanto sublinhou no Kant - e uma paciência infinita, o Mauricio foi lá e mexeu no vespeiro das reportagens de Foucault sobre a revolução iraniana, tendo voltado dessa aventura com muitas histórias para contar e, certamente, um caderninho (daqueles em que se anotam planos de viagem) cheio.
foi também uma felicidade, pois naquela sala de defesa ficaram claras as razões pelas quais o Mauricio pode encontrar ali as condições para ser ele mesmo (o que, no caso dele, bem foucaultianamente, significa um incessante trabalho de diferenciar-se de si mesmo): na presença atenta dos colegas de grupo de pesquisa, no entusiasmo da orientadora, nas arguições generosas, cuidadosas e bonitas da banca, tudo dizia da partilha de um mundo comum que garante a cada um as condições de experimentar pensar. e é bom saber que quem a gente ama encontrou amparos. faz grassar um quentinho bom, misto de orgulho e gratidão.
esses dias estou lendo o Mathieu Lindon, em grande medida sobre o Foucault. logo no início, ele diz "Eu poderia nunca ter conhecido Michel, nunca ter posto os pés em seu apartamento, e, com todo o amor familiar que me cercava, sinto pena da vida que eu teria tido".
eu poderia nunca ter conhecido o Mauricio, nunca ter partilhado com ele o que nos com-divide. e sinto pena da vida que eu teria tido. pois que não tenho dúvida alguma sobre o tanto que meu amor por ele abriu (e abre) de espaços e tempos no todo dia, o tanto que me ensinou (e ensina), o tanto que sua confiança em mim e sua mão dada à minha me ajudaram (me ajudam) a ultrapassar desertos. o tanto que conviver com ele me enraíza no mundo: raízes aéreas, mas ainda assim.
parabéns, querido. e me desculpe a falta de recato da declaração pública: é que desta vez a vontade de dizer era grande demais.

Um comentário:

  1. Bi, querida, não há palavras que consigam expressar a minha gratidão. Só há olhos marejados e alegria pela sua presença ali naquela sala, trazendo forças e energias. Um beijo,

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