29 dezembro, 2008

Às vezes acontece da gente chamar "amor" ao que é uma espécie de comédia de erros. Quando a paixão brota de desentendimentos e erros de interpretações. Não é que não seja de verdade: é só que o interesse no outro surge daquilo que a gente imagina, fantasia ou simplesmente torce para ser verdade.

Mas também às vezes, embora mais raramente, a gente chama "amor" ao que é encontro, reconhecimento imediato e acerto.

28 dezembro, 2008

Coincidências

Estava com essa música na cabeça e, por coincidência, reencontrei-a em circunstâncias engraçadas (no meio de uma brincadeira de grupo proposta pelo monitor do hotel onde estivemos, com a familiarada toda. Descobri que é trilha de "O Diabo veste Prada", mas confesso que nunca tinha juntado pé com sapato, apesar de gostar do filme).
Então, "A thousand miles", música com gostinho de adolescência:

It's always in times like these
when I think of you
And I wonder
If you ever
think of me

(...)

If I could fall into the sky
do you think time
would pass me by
'cause you know I'd walk
a thousand miles
If I could just see you
tonight
(Vanessa Carlton)



Fica prum próximo post a coincidência de acordar cantando uma música e travar com o marido o seguinte diálogo:
Ele: por que você está cantando essa música?
Eu: não sei, acordei com ela na cabeça.
Ele: sério? Eu também, estava pensando nela agora mesmo...

Quero dizer, acho que nessa caso nem é coincidência que se chama, né? Tá mais pra sintonia.

24 dezembro, 2008

Anseios


("Oxalá", Madredeus, Euforia)

Simples assim: que a vida corra macia, que haja tempo e espaço para as alegrias e tristezas, que a gente tenha ao lado alguém para nos dar a mão, que a gente tenha esperanças de que amanhã será melhor, mas também perspectiva para saber que mal e bem não duram pra sempre. Uma vida macia e larga. E vozes lindas e doces como a da Teresa Salgueiro para nos embalar no caminho ;-)

23 dezembro, 2008

25 de dezembro de 1997

(Carta à Ana Lúcia)

Ana,

ao receber o seu lindo cartão de Natal, meu impulso foi escrever correndo a resposta. Mas tenho corrido tanto na ânsia de entender e sentir tudo que achei por bem esperar - resgatar a esperança. Deixei que meu autores me seduzissem, que me levassem, que me escolhessem, tudo para que a resposta pudesse se aproximar em sensibilidade a você, amiga tão querida e sábia. Hoje ouvi o Saramago dizer que as mulheres enxergam os homens, mas elas mesmas lhes são opacas. Ele atribui a sabedoria das mulheres ao diálogo que têm umas com as outras, quando compartilham suas experiências.
Pensei em você ao ouvi-lo, não só porque se tratava do Saramago, mas porque nossa amizade é um partilhar, é um diálogo. Ler e escrever suas cartas é um rito de encontro - com você e comigo. É o momento do esquecimento dos compromissos e preocupações que passam , é o momento de procura pelo que fica (e, como ensinou a Marilena Chauí, sempre fica o que significa).
E ficam a beleza e a tristeza que trocamos. Ficam as belas palavras, ficam as ilusões e as decepções. Fica a vida que se inscreve nas entrelinhas, a vida que vivemos e aquela outra, por vezes subjugada, que sonhamos.
E porque é isso o que fica, encontrei em Drummond as palavras que são o meu silêncio:

Amigo, não sabes
que existe amanhã?
Então um sorriso
nascera no fundo
de tua miséria
e te destinara
a melhor sentido.
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo
já teu passo avança
em terra diversa.
Teu passo: outros passos
ao lado do teu.
O pisar de botas, outros nem calçados,
mas todos pisando,
pés no barro, pés
n'água, na folhagem.
Pés que marcham muitos,
alguns se desviam,
mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre,
pois a hora mais bela
surge da mais triste.


Então, Ana, que andemos nossos passos, que caminhemos para o futuro, que não nos furtemos a viver, Que a cada ano possamos marcar o mundo com nossa humanidade porque são essas impressões - e não quaisquer outras - que significam. E por isso construir-se humano é se construir imortal, é continuar a viver nas marcas que deixamos; para que outros pisem o caminho, para que outros andem.
Para mim, o sentido do Natal é puramente religioso, é uma festa de muita alegria e um momento de muito louvor e agradecimento. É a comemoração do nascimento de um homem-deus que caminhou, marcou a terra com seus passos firmes e deixou sinais indeléveis do que significa ser humano - no sentido mais divino na palavra. E o final do trecho do Drummond bem poderia se aplicar à morte deste homem porque mais do que nascer, ele fez renascer. E nós, ainda que não acreditemos nesse mistério, também buscamos na tristeza a beleza necessária à ressurreição. "Fácil suicidar-se de vez. Difícil ressuscitar todo dia", (Ulisses Tavares).

Milhões de beijos,

com carinho,

Fabi

20 dezembro, 2008

Fases como a lua*

Um dia quero mudar tudo

No outro eu morro de rir,

Um dia tô cheia de vida

No outro não sei onde ir,

Um dia escapo por pouco

No outro não sei se vou me livrar,

Um dia esqueço de tudo

No outro não posso deixar de lembrar,

Um dia você me maltrata

No outro me faz muito bem,

Um dia eu digo a verdade

No outro não engano ninguém,

Um dia parece que tudo

Tem tudo prá ser o que eu sempre sonhei,

No outro dá tudo errado

E acabo perdendo o que já ganhei

(...)

Um dia eu sou diferente

No outro sou bem comportada,

Um dia eu durmo até tarde

No outro eu acordo cansada,

Um dia te beijo gostoso

No outro nem vem que eu quero respirar,

Um dia quero mudar tudo no mundo

No outro eu vou devagar,

Um dia penso no futuro

No outro eu deixo prá lá,

Um dia eu acho a saída

No outro eu fico no ar,

Um dia na vida da gente,

Um dia sem nada de mais,

Só sei que eu acordo e gosto da vida

Os dias não são nunca iguais


("Bom Dia", de Swami Jr. e Paulo Freire)

* verso do poema 'Lua Adversa", da Cecilia Meireles.

Imagem: www.gettyimages.com.br

Variadas


- Quinta-feira à noite, resolvi fazer uma roupa nova para o Amigão, já que a antiga tinha uns seis meses e estava encardida como o quê. Enquanto cortava o tecido, até que o Rô se comportou. Mas quando montei a máquina para costurar, rolou uma piração. O menino subiu no sofá e pegou dois rolos de fita colorida, que comprei há muito tempo, para enfeitar arranjos de flores, e esfregou o troço pelo sofá branco. Resultado: quando me dei conta, nosso sofá estava todo manchado de rosa e vermelho! Quase morri do coração. Foi provavelmente o Amigão mais caro que já fiz, pois mesmo com o removedor as manchas não saíram.

- E naquele dia mesmo, horas antes, tinha pensado em como duas decisões que, separadamente são acertadas, juntas se mostram equivocadas. E este era o exemplo: comprar um sofá branco, ok. Engravidar, ok. Engravidar no ano em que se comprou um sofá branco: não dá boa coisa, creiam-me.

- Depois tiro uma foto do Rô e do Amigão novo, que ficou muito bonito e na moda, com sua roupa xadrez :-)

- E enquanto folheávamos um dos livros de softies que comprei, Rodrigo resolveu pedir um novo presente ao Papai Noel: Brock, the Builder, um bicho meio quadrado-martelo, com um cinto de ferramentas. Então ontem saímos para comprar o feltro laranjado para fazer o corpo. Já está cortado e bordado (olhos e ferramentas): amanhã devo costurar e encher...Vamos ver o que vai acontecer. Feltro tem a grande vantagem de não desfiar, mas quero ver se minha maquininha costura esse tecido direito. O Rô me viu cortando e já estava todo animado: "mãe, posso dormir com ele?".

- Depois de ver a Monika e a R. de crocs genéricas, resolvi comprar uma para mim e para o Rô. Então ontem fomos procurar as benditas. Demorei umas três lojas para achar uma para mim que não fosse roxa e quatro lojas para achar uma pro Rô que fosse do tamanho certo e tivesse alguma opção de cores. Pra mim, comprei azul escuro. Pro Rô, comprei uma laranja e uma azul clara (ele que escolheu). Elas são feias, mas são leves e confortáveis. E, honestamente, nessa altura da vida dos meus pés, conforto importa mais que beleza.

- Será que nunca mais vou conseguir usar uns saltos?

- Meu sonho de consumo são os sapatos Sarah Chofakian. Eles são um absurdo de caros, mas são também absurdamente lindos e provavelmente confortáveis (numa entrevista que li com ela, ela dizia que experimenta todos os modelos, num dia normal de trabalho. Se machucar, não é produzido...). Claro que há opções menos bonitas, mas muito mais baratas e super confortáveis: comprei uma sandália vermelha na ifoot e simplesmente não dá vontade de usar outra coisa.

- E o meu joelho? Depois que caí, no ano passado, tinham me sobrado dores no tornozelo e no joelho direitos. O tornozelo melhorou bem depois de 10 sessões de fisioterapia, mas o joelho continuava incomodando e meu médico me mandou não fazer exercícios até poder fazer umas 30 sessões de fisio direto. Tá...Avisei pra ele que só depois do dia 2 de junho de 2009 (isso foi em julho). Pois nas últimas duas semanas, andei um monte, inclusive carregando o Rô. Meu joelho? ótimo! Nem dói mais.

- Papo de mulher, agora: fazia uns dois ciclos que eu tinha comprado o Diva Cup, um coletor menstrual, feito de silicone. Aliás, já faz algum tempo que tento escapar do absorvente descartável. Em parte por preocupação ambiental, em parte porque realmente me preocupa pensar em toda a química envolvida no processo de branqueamento do algodão e papel utilizados em contato com uma parte tão íntima. Tinha tentado os Abios por um tempo, mas confesso que na correria, não dava conta de cuidar direito deles e tinha voltado aos descartáveis. Há pouco tempo, li alguns comentários sobre esses coletores - no Vida Verde, no Guia Vegano, e no Ombudsmãe - e achei a idéia interessante. Estava ensaiando encomendar quando surgiu a possibilidade de comprar um por aqui. Na primeira menstruação, tentei usar dois dias, mas não consegui colocar direito. Na segunda menstruação, sei lá, estava correndo e acabei esquecendo. Mas dessa vez, decidi que ia me acertar com o negócio; tanto que passei reto no supermercado e não comprei os descartáveis esse mês. Olha, parece mentira, mas eu também não sei como vivi tanto tempo sem eles! São práticos, confortáveis, ecologicamente corretos...Colocando direito, eles não vazam e é impressionante como o nosso fluxo é bem menor do que a gente imagina, ao ver o aspecto dos absorventes nos dias de maior fluxo. Vale muito a pena! Ainda não criei coragem para usar durante a noite, mas resolvi que dois ou três Abios dava para encarar, então acho que vou conseguir abolir os descartáveis.

- Vou encerrar agora. A ilustração da Patricia Metola não tem nada a ver com os temas do post, mas é tão delicada que não resisti a dividi-la com vocês.

Update: Fabíola, eu também achava que não ia conseguir me adaptar. Mas com calma e seguindo as instruções ao pé da letra, consegui. Acho que são duas dicas fundamentais: colocar tendo como "alvo" o cóccix e testar a posição, girando. Se não girar facilmente, ele vai vazar e incomodar mesmo. Quanto ao tamanho, o 1 é para não-paridas e mulheres com menos de 30 anos e o 2 para paridas e/ou mulheres com mais de 30 anos, né? Eu uso o 2, e achei ok. Beijos!

Imagem: Patricia Metola, em http://tipika.blogspot.com/

18 dezembro, 2008

Transformar o tédio em melodia*



Zeca Baleiro e Alice Ruiz, "Quase nada".

De você, sei quase nada
pra onde vai ou por que veio
nem mesmo sei
qual é a parte da tua estrada
no meu caminho


Tão bom quando a gente descobre ou inventa ao longo do caminho...

* Cazuza. "Todo amor que houver nessa vida"

16 dezembro, 2008

Para Leila (e também para a Ju)

"Se eu pudesse, hoje, varria, isto mesmo, varria as pessoas todas com vassoura, como se fossem cisco. Limpava o chão, passava pano molhado para refrescar, ia chorar e dormir. Meu coração agora faz diferença nenhuma de coração de galinha ou barata que galinha come. Não tem amor nele, nem de mãe, nem de esposa, nem de nada. Tá seco, raivoso e antipático, quer é sossego, quer é relembrar o morto horas a fio, espernear em cima de vida tão sem graça e cinzenta. Gosto de ir até o fundo da cisterna e revirar o lodo, tirar ele com a mão, me emporcalhar bastante, só para depois ver a água minando clarinha de novo. Gosto de cesta sobre a mesa com mamões e bananas, gosto de lavar o filtro todo sábado, encher as talhas com água nova, gosto. Gosto, mas exaspero-me esquecida dos dons, e parto, como hoje, o pão, sem reparti-lo. É verdade que sou uma mulher inscrita no seu ciclo. Mas já dura demais. Quero é neste dia mesmo, prenhe do meu mênstruo não vazado, escutar dos meus: esta é minha mãe; não vá agora, minha mulher vai fazer uma café. Sorrindo, servindo-os como a pombos, com arrulhos, milho e água fresca, andando no meio do revoar deles, sem pisar nenhum; inocente do pensamento que eu vou gerar nos homens: é uma mulher que se pode contar com ela à noite. Assim, riquíssima e útil, a alta-tensão, por fim, domesticada. O poste fincado, sem perigo, no meio do jardim".

(Adélia Prado. Conto de Solte os cachorros. Em: Prosa Reunida: São Paulo, Siciliano, página 58)

* A Leila chegou no blog procurando por este conto da Adélia Prado. Mas quem me ensinou a boniteza feminina da Adélia foi a Ju, no nosso convívio e numa cartinha linda há muitas vidas.
** Eu não sabia o final do conto; só tinha dele os trechos que a Ju escreveu para mim e que iniciavam um dos meus cadernos-diários de muitos anos atrás. Mas em agosto o Mauricio me deu o Prosa Reunida dele, para fazer companhia ao meu Poesia Reunida. E é só por isso que posso atender o pedido da Leila. Tá vendo? O conto queria mesmo te reencontrar ;-)

Mãe Integral

Com o Rô de férias, ando de mãe em tempo integral (e inclua aí também fazer comidinhas, e cuidar da casa, que a gente não tem ajudante faz tempo!).

Toda iludida a meu próprio respeito, planejei revisar minha dissertação de mestrado - que ano que vem vira livro! - durante as noites. Ontem, primeiro dia sozinhos, eu e Rô, Rô e eu, fomos ao shopping resolver uns últimos presentes e assistir Madagascar 2. Resultado: às 7h40, ele apagou e eu, às 10h30, desabei nos braços de Morpheus...Daqueles sonos ferrados que fazia tempo não curtia, já que ultimamente, acordava pelo menos três vezes para continuar diálogos comigo mesma a respeito da tese...

Hoje também, tive que ir à Polícia Federal no Shopping Light e o levei junto. Pior que fomos bem no horário dele dormir, ele não dormiu e ficou cansado (= andou no colo) e mau-humorado (o Maurice, que almocou com a gente, tá de prova). Fiquei cansadona. Mas sabe que no fundo curti carregá-lo no sling, no meio do centro de São Paulo? Chegamos em casa, ele tomou banho, me ajudou a fazer o bolo de aniversário do Edu, e depois deitamos. Dormi uns dez minutos e ele está lá, curtindo um soninho.

Cansa. Mas também tem um lado bom, que é não chegar perto do computador sem culpa, pelo menos até o Natal. Tô curtindo fazer umas comidas diferentes, uns lanches bacanas. E não canso de ficar impressionada em ver como ele cresce rápido. Fala-fala-fala (segundo a minha mãe, que escutou a conversa dele no telefone hoje de manhã por dez minutos e já ficou tonta: "você era igualzinha, minha filha; de vez em quando, eu queria que você tivesse um botão de liga/desliga"). Vocês vejam: castigo anda a cavalo...

Vou acabar escrevendo menos por aqui, mas é por uma boa razão. E de vez em quando fujo, para contar as artes do pequeno (ou aqui ou n'O Livro de Histórias do Rodrigo), como a de hoje de manhã. Acordei, e como ele ainda estava dormindo, fui tomar banho. Saí do banho e percebi que ele tinha acordado, pois a porta do quarto dele estava aberta. Chamei:
-Rodriiigo!
Ao que ele, descoladíssimo, respondeu:
- E aí?
O melhor foi descobrir que, recém saído da cama, já estava aprontando: lambuzou a perna inteira de arnica (eu tinha esquecido a pomada no sofá ontem á noite, depois dele acordar chorando que a perna estava machucada...).

11 dezembro, 2008

Ternura

Por fim, ontem foi muito gostosa a contação de história. Principalmente porque tinha o “coelho da cartola” do tal do bolo de lobo fofo :-)

Cheguei e as crianças já estavam me esperando na roda, todos lindos. E o Rô, abriu um baita sorriso quando me viu, mas nem veio correndo me abraçar, como de costume. Ficou lá na roda, para ouvir a história.

Ele não tinha visto nem a caixa, nem os fantoches de papel e, portanto, estava tão curioso quanto as outras crianças. Ele só sabia do bolo, mas tínhamos combinado dele não contar pros amigos.



Enquanto decidíamos se eu ia contar na roda ou se íamos fazer de um outro jeito, para que eles não pudessem olhar dentro da caixa, eles ficavam me chamando. O P.G. ficava “Fabiaaana; Fabiaaaná!” e ao ouvi-lo, o U. também começou a me gritar. A A.M., que é uma doçura de menina, me olhava desconfiada mas com os olhos sorrindo. Como eles são queridos! Ainda nesse meio tempo, o F. Veio conversar comigo, me explicando que aquela caixa era um presente de aniversário. Aí perguntei de quem era o aniversário e ele me explicou, paciente, “de ninguém...”.

Bom. Aí fui começar a história. Me apresentei, expliquei para eles que a história que eu ia contar, a minha mãe contava pra mim, mostrei a minha edição do livro (toda detonada, precisando reencadernar). E comecei a história. Mal tinha falado o nome, eles começaram: “Eu tenho esse livro!”, “mas a chapeuzinho é vermelho!”, “será que tem lobo nessa história?”, “ah, tem, e ele vai comer a chapeuzinho!”.

Alguns palpites mais, respondidos, e continuamos. Como a história é bem ritmada, até que eles ficaram mais atentos do que eu esperava. A maior questão mesmo é segurar os palpites, porque eles ficam pirando na continuação da história!


Aí, apareceu o lobo, a Chapeuzinho perdeu o medo, e na hora em que o lobo fala lo-bo umas vinte e cinco vezes, eles me ajudaram, fazendo coro: lo-bo-lo-bo-lo-bo-lo-bo-lo... E então chegou o momento do coelho da cartola: quando a Chapeuzinho manda ele parar, e ele vira um bolo de lobo fofo, tirei da caixa o bolo de chocolate, todo colorido e com vela em cima! A cara deles!!! Eles ficaram boquiabertos e começaram a bater palmas. E aí claro que as últimas páginas foram esquecidas, porque eles levantaram e se amontoaram em volta do bolo. Aí todos foram lavar as mãos – e nessa hora o Rô virou pra mim, super dono das regras do espaço dele, “não pode comer de mão suja, viu?”.

Fui cortando e distribuindo o bolo, tentando driblar as tentativas de sedução, ali no meu ouvido: “Fabiana, primeiro eu, tá?” (e nem era o Rô). Nisso, a A. M. recusou uns três pedaços que ofereci a ela (mas não saía do meu lado). Aí, eu resolvi tentar: “A. vou te contar um segredo: esse bolo de lobo eu fiz com chocolate!”. Resolvido o problema! Ela começou a rir e aceitou o pedaço... As outras crianças entraram na fantasia, mas estavam contentes da vida, comendo perna, orelha, barriga e olho de lobo. Tão bom quando a gente enfrenta o medo e o transforma em bolo de chocolate...

Sei que o Rô estava felicíssimo. E hoje de manhã, pediu para contar e me contou a história umas três vezes. Aí, em um dado momento, parou e me disse: “mãe. Eu 'tou chateado”. Perguntei por que e ele me explicou: “é que eu queria que você fosse de novo na escola, contar a história da chapeuzinho, pra gente comer de novo o bolo do lobo!”.

Já na segunda-feira, em que fui de manhã na aula de capoeira para a qual os pais foram convidados, tinha percebido como eles ficam felizes de terem os pais no espaço deles. É uma explosão de alegria! Tão bonito!

Essas visitas são muito marcantes, ainda mais com essa partilha de histórias...A proposta fechou o ano – que já foi tão intenso e bonito para esse grupo – com chave de ouro. Foi muito emocionante.

* ontem à noite, também rolou o primeiro encontro do grupo do Rô sem ser em festa de aniversário: alguns amigos se encontraram numa pizzaria. Aí, a mãe da L. me contou que foi contar a história da D. Baratinha (que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha). Ela levou uns apetrechos para contar a história e disse que nunca imaginou que eles iam pedir para ver quanto dinheiro ela tinha na caixinha! Mas eles pediram e ficaram muito desconfiados ao ver que estava vazio. Ela apelou para a imaginação “tem um monte de dinheiro, sim, olhem!”, mas eles parece que não acreditaram não...Falei que era um público difícil: eles não deixam nada barato!

10 dezembro, 2008

Frio na barriga

Hoje vou na escola do Rô, contar uma história para o grupo deles. Como eles trabalharam contos de fada esse semestre, e narrativas variadas, os pais foram convidados a ir contar uma história pro grupo, na hora da roda da saída. Era para eu ter ido na quarta passada, mas como o Rô estava doente, tivemos que adiar.

Vou contar a história da Chapeuzinho Amarelo (já que o Rodrigo não quis que eu contasse a do Issunboshi - que é parecida com a do pequeno polegar e está no Histórias Preferidas das Crianças Japonesas).

Ontem de manhã, Rô e eu preparamos o "bolo de lobo fofo" para comermos ao final da história. Ele ficou um pouco decepcionado de ter que esperar até hoje para comer, mas acabou ficando satisfeito só de lamber a massa :-)

De noite, fiquei preparando uns fantoches de papel e hoje de manhã já preparei uma caixa de histórias para levar todos os apetrechos. Modéstia à parte, ficou tão bonita. Pintei a base de guache verde e encapei a tampa com uma chita super delicada que tinha comprado sábado (as férias estão chegando e quero ver se testo umas receitas de softies: tem um elefante que estou muito animada para fazer!).

Eles são um público difícil! Pelo menos o Rodrigo é. A professora dele me contou que, depois da apresentação dos pais do P.C., a mãe dele perguntou se eles tinham gostado e o Rô (penteeelho!) respondeu: "- Eu não gostei". A J. que, além de mãe, é professora, se saiu bem: "- puxa, Rô, que bom que você é honesto. Mas por que você não gostou". E aí, o futuro crítico de arte soltou: "- achei que demorou muito pra começar a história".

Quero nem ver o que me espera...

07 dezembro, 2008

Bater em criança é covardia


A Flavia foi quem me avisou da blogagem coletiva "Bater em criança é covardia" e eu resolvi participar porque realmente acredito que bater em criança, mesmo que seja uma palmada, é covardia. Covardia e incoerência, principalmente se você está tentando educar o seu filho de forma não-violenta. Por isso, mesmo que muito atrasada, estou escrevendo.

Pensando em como começar, me lembrei de algumas coisas. Minha mãe raramente bateu na gente - e das duas ou três vezes em que isso aconteceu, lembro que foi porque eu e minha irmã realmente a provocamos até tirá-la do sério. Apesar de dar uns gritos de vez em quando, minha mãe era muito tolerante com nossas bagunças, por achar que brincar faz parte de ser criança. Se sempre gostei tanto de conversar com as crianças com respeito à sua inteligência, sem usar voz de nhé-nhé-nhé ou falando errado, sem dúvida aprendi com a minha mãe. Ela conversava, explicava, e poucas vezes lançou mão (com perdão do trocadilho) de palmadas para nos "educar".

Já meu pai batia, sim. Tenho péssimas lembranças de tapas, chineladas, sempre em explosões de raiva. Especialmente na época da separação, em que todo mundo andava à flor da pele e eu, com uns oito, nove anos, expressava minha raiva com aquela situação da maneira como podia - o que às vezes significava bagunças, quebrar coisas, não querer dormir... Só lembro de uma única vez em que não achei injustas as palmadas, e foi numa situação em que ele me deu bronca, avisou da punição e só foi me bater quando chegamos em casa, depois de caminharmos até em casa. Não sei nem se a sensação foi de justiça, ou se foi só porque foi uma das únicas vezes em que não foi uma explosão de irritação.

Eu já bati no Rodrigo, algumas vezes. Em todas as vezes me arrependi muito, depois conversei com ele, pedi desculpas e expliquei que o que fiz não estava certo. E percebi que eu só chegava a esse extremo em situações muito específicas. Da minha parte, acontecia quando eu estava muito cansada ou muito preocupada e, por isso mesmo, ausente (mesmo que de corpo presente). A essa ausência o Rodrigo reagia provocando até o limite, fazendo tudo para me fazer "voltar pra terra". A combinação explosiva era minha falta de atenção + minha falta de paciência para ler nas atitudes do Rodrigo o que ele tentava me dizer, do alto de seus três anos de idade. Reconhecer isso me ajudou a respirar mais fundo, contar até três antes de bater. Mas também me ajudou a cuidar mais de mim, a me ausentar - fisicamente - com menos culpa para estar mais inteira quando estou com ele.

Mesmo já tendo perdido a cabeça em alguns momentos, bater em criança é uma das coisas mais revoltantes pra mim. É covardia porque eles são menores do que a gente, porque eles têm muito menos capacidade de se defenderem e, por isso mesmo, fica marcada no corpo a sensação de impotência diante de uma situação incontrolável. Além disso, há o absurdo de perceber que aquele que deveria nos cuidar e proteger, pode nos agredir. Quebra-se o vínculo de confiança e constrói-se outro, de medo.

Pensar em formas de educação não-violenta passa por recusar essas formas de punição corporal, sim. Passa por construir relações de companheirismo com nossos filhos, e não me refiro aqui a recusar o papel de educador para tentar "ser amigo" dos filhos. Refiro-me à compreensão, à observação dos significados dos comportamentos, a respirar fundo e repetir a lição quantas vezes forem necessárias, à dizer "não" com firmeza e a dar a cada atitude do filho uma dimensão próxima a que ela tem - tentando nos distanciar de nosso próprio cansaço, frustrações, impaciências.

Não que seja fácil; somos, afinal, humanos. Mas podemos aprender, junto com nossos filhos, a enfrentar a agressividade que sentimos de vez em quando. Não tem exemplo melhor que podemos dar a eles.

Desnecessário dizer que estou longe de ser perfeita. Vira e mexe falo mais alto do que gostaria, digo "não" por impaciência, "caio" na provocação do Rô. Mas estou atenta.

Para encerrar, lembrei de uma coisa que o coordenador da escola do Rô disse um dia: que era necessário enfrentar o desafio de educar sem ressentimento, isto é, educar sem se irritar de ter que repetir a lição. As crianças estão aprendendo a viver, e cabe a nós mostrar para elas uma vida onde caibam também os erros, as quedas, as besteiras e os consequentes arrependimentos.

Vejam também outros blogs participantes da blogagem:
o post da Flávia, na Bebedubem
o post da quatro Mamíferas
o post da Rosana, no Diário de uma mãe-mulher-humana

05 dezembro, 2008

Sorte


Sorte, sorte mesmo é ter amigos tão, mas tão queridos, que juntam inteligência e delicadeza e, antes de mandar uma mensagem de puxões de orelha plenos de razão, ligam antes para avisar.

Maurice, meu amigo mais querido, é impossível imaginar minha vida sem você. Quer dizer, até dá. Mas é tão chato e tão mais pobre, que não vale a pena (nem o pensamento nem a vida).

Imagem: www.gettyimages.com.br

04 dezembro, 2008

Sim

“O mar carmesim às vezes como o fogo e os poentes gloriosos e as figueiras nos jardins da Alameda sim e as ruazinhas esquisitas e casas rosas e azuis e amarelas e os jasmins e gerânios e cactos e Gilbraltar eu mocinha onde eu era uma Flor da montanha sim quando eu punha a rosa em minha cabeleira como as garotas andaluzas costumavam ou devo usar uma vermelha sim e como ele me beijou contra a muralha mourisca e eu pensei tão bem a ele como a outro e então eu pedi a ele com meus olhos para pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu pus os meus braços em torno dele e eu puxei ele pra baixo pra mim para ele poder sentir meus peitos todos perfume sim o coração dele batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sins” (Ulisses, de Joyce. Tradução de Antonio Houaiss).


Socorro...



Adoro essa música. Embora nesse momento seja justamente o contrário: queria sentir menos, em menor intensidade, que o coração não batesse tão forte e pesado, que as lágrimas não parecessem estar sempre na beirada do olho, ou que a felicidade plena não parecesse tão iminente, que o amor não fosse tão definitivo e o ódio tão arraigado.

Quem disse que a "vida é o que acontece quando a gente está distraído" não entendeu nada: a vida é o que acontece quando a gente sabe e sente e dói. Aqui e agora.

O que acontece no resto do tempo, eu não sei bem do que chamar.

02 dezembro, 2008

Quatro Coisas

A Thais tinha proposto esse memê (é assim?) há algum tempo. E aí semana passada recebi do Pedro, por e-mail, e resolvi fazer também.

Vamos lá:

QUATRO TRABALHOS QUE TIVE EM MINHA VIDA.
1. Cortadora de moldes para vidros jaetados (invenção na minha avó, quando eu tinha uns 12 anos, porque 'mente ociosa é oficina de vocês sabem quem...')
2.Professora particular de português, em inglês, para um norueguês (Eu devia ter uns 14, 15 anos).
3. Educadora de adultos, em curso de Educação Cooperativa
4. Sistematizadora das experiências de projetos sociais

QUATRO LUGARES EM QUE VIVI :
1. São Paulo, Consolação
2. São José dos Campos, vários lugares
3. Londrina, PR
4. São Paulo, do Itaim Bibi até Lapa, passando por Butantã e Aclimação

PROGRAMAS DE TV QUE ASSISTIA QUANDO CRIANÇA:
1. Balão Mágico
2. Bambalalão
3. Qual é a música? (o que me provocou a síndrome de começar a cantar quando escuto uma palavra qualquer, como bem apontou minha enteada)
4. Pão, pão, beijo, beijo

PROGRAMAS DE TV QUE ASSISTO:
1. Supernatural
2. Chuck
3. Dexter
4. House

QUATRO LUGARES EM QUE ESTIVE E VOLTARIA
1. Acho que neste exato momento não quero voltar para lugar nenhum, só conhecer lugares novos.

FORMAS DIFERENTES QUE ME CHAMAM
1. Bi
2. Bibi
3. Fabí
4. Fá

QUATRO PESSOAS QUE TE MANDAM E-MAILS TODOS OS DIAS: ou quase né...
1. Edu
2. Mauricio
3. Mauricio
4. Mauricio (e eu adooooouro!)

QUATRO COMIDAS FAVORITAS
1. Salada verde, bem fresca e variada
2. Kibe redondo do Jáber
3. Sushi
4. Udon, de um restaurante da Liberdade

QUATRO LUGARES EM QUE DESEJARIA ESTAR AGORA
1. Qualquer um que tivesse uma cachoeira bem bonita.
2. Qualquer um que tivesse um mar bem bonito.
3. Sem mais idéias ou desejos.
4. ...

Confort Food


Um dos meus programas prediletos da Nigella é um em que ela faz várias "confort foods", isto é, aquelas comidas que a gente tem vontade de comer quando o coração aperta e agosto se instala por dentro (ajudou, Fabíola? "agosto por dentro" é essa tristezinha que nos acomete de vez em quando, doendo muito e parecendo que vai durar pra sempre). Eu fico confortada só de ver aquele risoto maravilhoso, cozinhando lentamente e que deve ser tão bom quanto canja de avó. Claro que a imagem da Nigella também ajuda um pouco, né, que eu sou apaixonada confessa: acho ela linda, linda, linda e adoro vê-la se deliciando com doces e comidas boas!

Teve uma época na minha vida, pouco antes de mudar uma porção de coisas, em que eu usei muito a cozinha como espaço de alquimia: tinha desejo de coloridos, matava a fome só de ver as cores fortes, sentir os cheiros invadindo a casa... Acho que brincava de transformar o cru em cozido só para transformar por dentro o que precisava, sem ter que pôr em palavras.

Talvez por isso mesmo eu goste tanto do livro Kitchen, da Banana Yoshimoto. São três contos, todos muito bonitos e delicados, todos de alguma maneira lidando com a morte e com a inconformação. Já perdi a conta das vezes que li.

O primeiro conto, "Kitchen", é sobre solidão e encontro, sobre medo e aceitação. E mesmo sendo tão marcado pela morte, é leve... quase infantil na forma da narrativa. Podia ser um conto de fada. Excetuando que, ao invés de princesa, a mocinha vira chef. E que o príncipe, ao invés de decidido, tem mesmo vontade é de fugir.

Foi por causa desse conto que eu, que sempre gostei de Udon, elegi essa comida como a minha preferida quando preciso de "confort food" - ela é quente, tem macarrão, caldo de frango, omeletinhos, pode ser colorida com cenoura ralada e muita cebolinha, e ainda tem kamaboko (massinha de peixe, que pode ser cor de rosa ou pode ter recheio de gobô, que eu amo!). O Edu faz um Udon delicioso e reconfortante.

Em um dado momento do conto, Mikage (a mocinha) está loooonge e faminta e decide ir até um restaurante, comer Udon. E é tão gostoso, tão quente, tão suficiente para fazê-la esquecer de todas as suas dores, que ela decide pegar um táxi e ir até uma cidade distante levar um pouco para o Yuichi. Várias trapalhadas depois, ela consegue entregar a ele e eles comem juntos. E mesmo que contado assim pareça bobo, o amor deles é tão cheio desses pequenos cuidados, na proporção inversa da capacidade deles de expressá-lo em palavras, que a cena acaba sendo tocante.

Outra comida que adoro é o risoto de pêra e gorgonzola que a Monika faz. Não é só o risoto, claro, é a conversa durante a preparação, o vinho, os cheiros, o barulho de pratos sendo postos à mesa... A celebração da possibilidade de dividir tanto, com que tanto já é dividido.

E vocês? O que comem quando a vida pesa?

Imagem: http://www.platinumkoi.co.za/special/japan2006.htm