23 abril, 2010

De amores e cafés

Tem gente que adora cena de aeroporto. Tem até flme que parte desse gosto pela intensidade dos reencontros ou das despedidas que acontecem nesse espaço... Como se na chegada e na partida os sentimentos ficassem mais fortes. Precisa de fragilidade pra que sentir seja possível?

Eu tenho gostado de cenas de cafés. Daqueles cafés em que a gente senta sem pressa ou compromisso, sabe? E aí vê o menino chegando animado, ao lado do pai, concentradíssimo em ouvir o que o menino conta: bagunça de músicas e conversas ao redor, mas um é o mais importante pro outro. Vê também o casal de namorados, falando pouco, sorrindo muito, dividindo o doce imenso e cheio de chantilly - pura leveza dos começos tateantes. Vê também um casal de velhos, que em silêncio dividem a leitura das revistas: imensa tranquilidade e confiança de quem dividiu uma vida inteira. Nos cafés, há roçares de mão, cafunés distraídos, colo, atenção ao que o outro diz.

Ao contrário dos aeroportos, nos cafés há o amor sem urgência, que se renova todo dia, que se distrai da fragilidade e da morte, que rouba do tempo a eternidade. Nos cafés, o amor se espreguiça e se alarga. E é tão bom...

13 abril, 2010

Enquanto não sobra tempo para escrever...

... vou ficando com as bonitezas que ela encontra e divide e dando graças a Deus que não sou só eu quem tem o coração partido pelas coisas mais bobas e miudinhas - que me doem feito vidro estilhaçado, que machuca mesmo quando não corta ou faz sangrar .

05 abril, 2010

Sete dias na vida de uma luz

durante sete dias
uma luz transformou
a dor em dia
uma luz que eu não sabia
se vinha comigo
ou nascia sozinha

durante sete dias
uma luz brilhou
na ala dos queimados
queimou a falta
queimou tudo
que precisava ser cauterizado

milagre além do pecado
que sentido pode ter
mais significado?

(Paulo Leminski)

Mesmo com o Rodrigo aqui do meu lado, meio doentinho da virose que o acometeu essa madrugada, vou roubar uns minutinhos pra escrever sobre a semana passada. Entre segunda e quinta-feira, eu estive prestando um concurso para professor, na Faculdade de Educação da USP. O processo de inscrição começou no final do ano passado, com o preparo do Memorial e do Plano de Trabalho e há um pouco mais de um mês ficamos sabemos na data.

Quando decidi me inscrever, foi pensando em conhecer um processo de concurso público, já que fazer pesquisa e dar aulas têm sido meus objetivos há anos e anos. Não tinha expectativas de passar, porque afinal sou recém-doutora e o concurso era pra Sociologia da Educação, ou seja, tinha toda uma bibliografia que ou eu tinha lido pouco ou não tinha lido. À medida que eu ia fazendo as leituras, porém, fui ficando bastante animada, não especialmente com a possibilidade de passar (que eu achava ser remota) mas com a possibilidade de ler coisas não estritamente ligadas ao que vim pesquisando ao longo desses anos, com as fichas que iam caindo, com o novo universo de questões que se abriam.. Estudar para esse concurso foi um processo intenso, que me fez rever minha relação com a "herança" intelectual dos meus professores e da escola onde estudei - a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP -, reacendeu a minha paixão pela pesquisa e pela Sociologia, me fez reavaliar algumas das minhas escolhas, enfim: talvez não tenha sido coincidência que esses trinta dias de preparação mais intensa tenham ocorrido dentro do tempo de Quaresma - foi tempo de reflexão, concentração e, em certo sentido, de cura de todas as cicatrizes que o final do doutorado deixou em mim.

O concurso começou na segunda-feira, com a lista de pontos; na terça-feira fizemos a prova escrita  (cinco horas de prova!) e a leitura pública da prova; passamos três para a segunda fase, assim, na quarta fomos sortear o ponto da prova didática e, na quinta-feira, foram as aulas de manhã e a arguição do Memorial à tarde. E então, por volta das 17h, ficamos sabendo do resultado: eu passei! Sabe quando a gente não entende bem o que está acontecendo? Eu ouvi a leitura da ata da banca examinadora, depois olhava aquelas notas projetadas na parede, e não sabia se deveria comemorar ou se aquilo era um universo paralelo... Fiquei lá, sentada, tentando ter certeza se era isso mesmo. É que é sempre um pouco estranho quando uma coisa que a gente sonhou e planejou por tanto tempo acontece.

Então é isso. No final de semana, descansamos, encontramos a familiagem toda e curtimos a notícia. Porém, a volta das minhas insônias me alerta que daqui pra frente é muito trabalho e novos desafios. Mas é ansiedade boa, fecunda, de borboletas no estômago voando em festa.