Eu tinha uns três ou quatro anos e nós tínhamos ido à Marília, visitar meu tio. Ele morava em um extenso conjunto habitacional, com uma porção de predinhos baixos e parecidos.
Nunca me contaram direito quem foi que se distraiu, mas o fato é que na frente do conjunto tinha um grande jardim ou gramado, e eu me lembro de ter caminhado na direção de uma porção de girassóis. Não me lembro de muita coisa, mas me lembro nitidamente dos girassóis, lindos, de tamanhos variados, amarelo-ouro, vez em quando também um dente-de-leão.
Talvez desde aquela época eu já cantasse por dentro, ouvisse a voz da Lucinha Lins e procurasse a diversão das abelhas rodando naquele girassol. Talvez eu fosse só uma criança leonina e não tenha conseguido resistir ao contraste entre o azul do céu e o amarelo intenso do girassol feliz, vidrado naquele sol-luz.
Depois de muito ter namorado o girassol foi que me dei conta de que me perdera. E a luminosidade da experiência cedeu lugar ao desespero de não me achar. Lembro-me de ter batido sem parar na porta de um dos apartamentos, e de bater boca com uma mulher - eu dizendo que era ali que meu tio morava, ela me dizendo que ali morava um moço em férias. Eu chorava, batia à porta e não entendia porque não me deixavam entrar.
Os prédios eram todos iguais, e eu não me conformava que aquela não fosse a porta certa se eu reconhecia a mesma cor, o mesmo andar, o mesmo lugar. Aquela tinha que ser a porta certa.
Não me lembro quem me achou ou como. Também não posso dizer que me lembro do alívio que foi ver as caras conhecidas, chegar finalmente à casa certa.
Só me lembro da sedução de encontrar algo lindo e do sentimento de traição por não reencontrar o caminho de volta: não havia ninguém para amparar minha curiosidade e o terror de estar perdida foi como uma punição.
Insistir em me deixar seduzir, portanto, requereu de mim sempre alguma coragem. E não pensem que menos coragem, ao longo do tempo, apenas pelo fato de eu ter aprendido a marcar meu caminho e a distinguir as portas em detalhes pequenos ou códigos numéricos. Às vezes ainda bato na porta errada - com a mesma fé, insistência e desespero que tinha aos 3 anos.
Nunca me contaram direito quem foi que se distraiu, mas o fato é que na frente do conjunto tinha um grande jardim ou gramado, e eu me lembro de ter caminhado na direção de uma porção de girassóis. Não me lembro de muita coisa, mas me lembro nitidamente dos girassóis, lindos, de tamanhos variados, amarelo-ouro, vez em quando também um dente-de-leão.
Talvez desde aquela época eu já cantasse por dentro, ouvisse a voz da Lucinha Lins e procurasse a diversão das abelhas rodando naquele girassol. Talvez eu fosse só uma criança leonina e não tenha conseguido resistir ao contraste entre o azul do céu e o amarelo intenso do girassol feliz, vidrado naquele sol-luz.
Depois de muito ter namorado o girassol foi que me dei conta de que me perdera. E a luminosidade da experiência cedeu lugar ao desespero de não me achar. Lembro-me de ter batido sem parar na porta de um dos apartamentos, e de bater boca com uma mulher - eu dizendo que era ali que meu tio morava, ela me dizendo que ali morava um moço em férias. Eu chorava, batia à porta e não entendia porque não me deixavam entrar.
Os prédios eram todos iguais, e eu não me conformava que aquela não fosse a porta certa se eu reconhecia a mesma cor, o mesmo andar, o mesmo lugar. Aquela tinha que ser a porta certa.
Não me lembro quem me achou ou como. Também não posso dizer que me lembro do alívio que foi ver as caras conhecidas, chegar finalmente à casa certa.
Só me lembro da sedução de encontrar algo lindo e do sentimento de traição por não reencontrar o caminho de volta: não havia ninguém para amparar minha curiosidade e o terror de estar perdida foi como uma punição.
Insistir em me deixar seduzir, portanto, requereu de mim sempre alguma coragem. E não pensem que menos coragem, ao longo do tempo, apenas pelo fato de eu ter aprendido a marcar meu caminho e a distinguir as portas em detalhes pequenos ou códigos numéricos. Às vezes ainda bato na porta errada - com a mesma fé, insistência e desespero que tinha aos 3 anos.
“Esperança é como o girassol que à toa se vira em direção ao sol. Mas não é à toa: virar-se para o sol é um ato de realização de fé”. (Clarice Lispector)
oi
ResponderExcluirbom dia
lindo texto
bjs
lembanças pueris!
ResponderExcluirai, menina, que arrepio na espinha!!!!
ResponderExcluiraqui, eu largo meus filhos no parquinho e fico sentada na grama, lendo.
ai, que meda!
uahuahau
mas como vc era adulta, né? brigando pq era a casa do seu tio.... provavelmente, se fosse eu, ia ficar chorando sentada na escada. hauahua
beijo
"Às vezes ainda bato na porta errada - com a mesma fé, insistência e desespero que tinha aos 3 anos."
ResponderExcluirAcho que todos nós, querida.
Adoro seus textos. Mesmo.
Bjos