Ontem, arrumando o escritório, resolvi lavar as santas, coitadas, empoeiradas a valer. No instante em que decidi sabia que podia chover.
Quando Vinicius e eu nos mudamos para o apartamento que dividimos por alguns anos, era julho e era uma secura insuportável. A gente ia e vinha a pé na Eusébio Matoso - e em cima da ponte o seco era mais intenso - para equipar a casa com talheres, copos e tudo o mais que precisava para fazer daquele espaço o nosso lugar. Naquele julho a gente lavou vários santos quase todos os dias tentando amainar a aridez. Se lá fora não funcionou, pelo menos dentro de casa deu certo: as palavras sempre úmidas, amolecidas pelo café quentinho e doce que a gente fazia nos fins de tarde, no coador de pano, mesmo que às vezes a preguiça o virasse em nescafé. A secura amenizada pelos tons de alaranjado que entravam pelas nossas janelas sem cortina. Apesar de dífices, bons aqueles tempos... (depois ainda veio Petronio, que não bebia café, mas também dividia doçuras).
No último dia do ano, acordei lembrando de mais de dez anos atrás. Vai ver que tem ciclo que é mais longo que doze meses. Vai ver que "arrumar a casa" para o novo e se sentir grato pelo que passou pode ir mais longe que o passado recente. Vai ver que eu precisava dessa umidade tranquila para aquietar o coração antes de me sentir pronta para recomeçar.
As santas, de todo jeito, parecem felizes e frescas.
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