17 abril, 2008

As margens do feminino

Até que me provem o contrário, tenho para mim a Hilda Hilst como nossa poeta mais bem resolvida - e por "bem resolvida" entenda-se a capacidade de reunir conteúdo e forma sem deixar sobrar nada.

Faz um tempo já que pensava em escrever sobre ela. Mas hoje, depois de ler um texto que José Castello escreveu sobre ela e que se chama “Hilda Hilst ou a derrota das palavras”, é que veio essa urgência de escrever sobre ela agora.

Que as palavras são sempre insuficientes, a gente sabe. Tem coisa que é mesmo inominável: poderíamos dizer, escrever infinitos tomos e não seria suficiente para nomear – um encontro, um adeus, um filho nos braços, um carinho antes que se feche o caixão...Existem momentos em que tudo é tão maior que dizer é impossível.

Quem me conhece sabe: sofro de um profundo amor pelas palavras. Gosto da liberdade que elas me dão, gosto do esforço da pesquisa pela palavra exata, pelo lugar exato, gosto de como elas sabem, de sua textura.

E é por isso que gosto tanto da poesia da Hilda Hilst. Do jeito que ela arranja as palavras, transbordando o seu vazio, ensinando a palavra a ser outra, aprendendo com a palavra a ser outra.

Um dos poemas que mais me impressiona diz assim: Se te pareço noturna e imperfeita/ Olha-me de novo. Porque esta noite/Olhei-me a mim, como se tu me olhasses./E era como se a água/ Desejasse/ Escapar de sua casa que é o rio/ E deslizando apenas, nem tocar a margem. /Te olhei. E há tanto tempo/ Entendo que sou terra”. Trata-se de um pedido, para o amante, para o leitor, para que não se preocupe em conforma-la, em entende-la, pois seu poema é ele mesmo inominável e o que quer é escapar do leito, é transformar água em terra e terra em água. Transfiguração – e afinal também não é disso que é feita a poesia?

A força da palavra é imensa: “Se te pronuncio/ Retomo um Paraíso/ onde a luz se faz dor/ E gelo a claridade”.

Não há, de maneira alguma uma derrota das palavras. Porque se aceitarmos que ela pode ser derrotada, nada mais nos resta – nem consolo, nem colo, nem a possibilidade de comunicação.

***

Tinha começado a escrever esse texto há algum tempo. Depois, achando que a poesia da Hilda merecia um cuidado maior, me impus a tarefa de reler seus livros para ilustrar melhor esses pontos – aí, já sabem: fase de terminar dissertação, festas de fim de ano, e acabei esquecendo ou adiando.

Mas hoje, ao abrir as notícias e descobrir sua morte, não é possível deixar passar em branco o vazio que ela deixa na nossa poesia. Sem a Hilda Hilst, todos nós ficamos mais silenciosos, mais pobres mesmos de imagens e palavras que tão bem tateavam – e nesse tatear construíam e ampliavam – as margens de estar vivo. Então, essa mensagem fica como lamento, mas ao mesmo tempo como a reafirmação de que, com sua poesia, seus contos, suas novelas “pornográficas”, Hilda tornou nosso mundo mais habitável, mais humano. Essa mensagem inacabada fica como o reconhecimento do imenso poder criador da palavra, de que Hilda Hilst nos deixa testemunho.

* Queridos, Rodrigo está doente e precisando da mãe 24 horas por dia. Por isso hoje vamos de texto requentado, só um bocadinho editado, escrito por ocasião da morte da Hilda Hilst (e lá se foram 4 anos...).

** E o engraçado é que se tivessse me lembrado deste texto antes, teria postado no lugar daquele sobre Cem Anos de Solidão já que este tem tudo a ver com o próprio nome do blog.

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