29 abril, 2008

Aprendendo a sentir



Desde que li "Perto do Coração Selvagem", da Clarice, um trecho me assombrava vez-em-quando. É assim: "Eu me sinto segurando uma criança, pensou Joana. Dorme, meu filho, dorme, eu lhe digo. O filho é morno e eu estou triste. Mas é a tristeza da felicidade, esse apaziguamento e suficiência que deixam o rosto plácido, longínquo. E quando meu filho me toca não me rouba pensamento como os outros. Mas depois, quando eu lhe der leite com estes seios frágeis e bonitos, meu filho crescerá de minha força e me esmagará com sua vida. Ele se distanciará de mim e eu serei a velha mãe inútil. Não me sentirei burlada. Mas vencida apenas e direi: eu nada sei, posso parir um filho e nada sei. Deus receberá minha humildade e dirá: pude parir um mundo e nada sei. (...) Meu filho se moverá em meus braços e eu me direi: Joana, Joana, isso é bom. Não pronunciarei outra palavra porque a verdade será o que agradar aos meus braços".

Talvez porque pouco depois minha sobrinha tenha nascido e essa "verdade de carne" tenha ficado impressa em meus próprios braços, talvez pela beleza e simplicidade da forma que a Clarice encontrou para dizer da maternidade, esse trecho volta e meia me voltava à cabeça. E depois que o Rodrigo nasceu, várias vezes me assusta essa mesma constatação: pude parir um filho e nada sei. Me assusta e me traz paz, ao mesmo tempo - me liberta da necessidade de saber ou pôr em palavras aquilo que vou aprendendo; me torna possível experimentar a vida de outro jeito: mais um presente que o Rodrigo me dá.

Então, meu desejo (de Natal e de ano novo) é que cada um de vocês também encontre momentos-pessoas-experiências que lhes deixe marcado na alma e no corpo essa plenitude das verdades que não precisam ser postas em palavras e essa imensa de liberdade de, não sabendo, simplesmente viver.

* Este texto foi escrito nas festas de 2005.

Imagem:
http://www.art.com/asp/default-asp/_/posters.htm?%20&ui=35189404C390492B931848EFC17255F0

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