Espera, disse, e só então reparou em quanto ele estava perto dela, perto do seu corpo, perto de sua nuca, assim tão nua e exposta por aquele indecente rabo-de-cavalo que ele odiava porque achava que era assim que ela disfarçava sua feminilidade, mal sabendo que ela não era desses truques, que ela não tinha truques nenhum e por isso talvez fosse diferente do que ele costumava imaginar que as mulheres eram.
Espera, ela sentiu sua voz suada e rouca muito próxima de si, e ficou feliz que ele estivesse repetindo aquele pedido, ela que apenas desejara que ele dissesse Espera, ela que não queria ir, ela que só desejaria permanecer ali para sempre, tendo-o atrás de si, quase enlouquecido, talvez ela tivesse mesmo alguns truques, principalmente o de fingir que não tinha truque algum e assim ficava livre para pegá-lo desprevenido, aberto, tão nu quanto sua nuca salgada de suor.
Não acabava de conseguir se virar, apenas esperava-esperava-esperava, já adivinhando aquele olhar que ela conhecia bem demais, aquele rosto que ela conhecia bem demais, aquela barba que ela conhecia bem demais, tudo enfim que nele lhe era familiar; mas ela não virava nunca porque tinha um medo infantil de que ele de repente tivesse se tornado outro e que não fosse encontrar em seus olhos senão estranhamento e pavor, nele que era sua referência mais certa, provavelmente a única referência.
Sua vida tresloucada, sem regras, horários, lugares, sem nada; ele era o único algo fixo; e ela não podia se virar assim, assumindo o risco de não encontrá-lo; esperou ele lhe mandar esperar mais uma vez, sabendo da cena ridícula que estavam protagonizando, ele ali parado e ela ali parada, ele talvez tivesse desistido de fazê-la esperar apesar dela estar parada, teve medo, o conhecia demais para saber que ele não chamaria de novo, já havia chamado duas vezes, ele era sempre tão paciente com suas hesitações, ele respeitava sempre suas decisões, ele não chamaria, mas ela precisava que ele a chamasse para que pudesse voltar à realidade, para que pudesse não mais ter medo, para que pudesse enfim se virar, para que pudesse ter certeza de que era ele mesmo e ele estava tão calado agora que talvez nem estivesse mais ali.
O braço entrelaçando carinhosamente o seu, ela o reconheceria em qualquer lugar, era o braço dele; fechou os olhos com o alívio do toque, ao mesmo tempo um pouco nervosa pelo desespero dele em fazê-la ficar, ele não era disso, devia querer muito que ela esperasse e ela não gostava de esperar nem lhe agradava a idéia de que ele desejasse tanto que ela ficasse ali, com ele, porque afinal esta era a intenção, ninguém pede espera apenas para que o outro pare, apenas para que o outro permaneça, ele lhe pedia para permanecer com ele e isso ela já não sabia mais se queria.
Ela queria, pelo menos ela quisera até aquele gesto de desespero, agora tinha mais medo ainda de não reconhecê-lo: que parte dele além do braço haveria tocado o seu próprio a fim de retê-la? Não conseguia se virar, a nuca cada vez mais salgada e nua, os olhos novamente abertos e assustados, o corpo em sobressalto, os braços ainda enlaçados ao dele, enlaçado – enlace – enlatado – entalado, pensou todas estas bobagens enquanto tentava mais uma vez se virar sem saber se era isso ou não que queria.
O outro braço surgiu em volta de seu corpo, agora estamos abraçados, ela sentiu sem pensar mergulhada naquele abraço que procurava retê-la, que procurava retê-lo, que mostrava que ambos procuravam e achavam a mesma coisa no mesmo lugar; aquele abraço que de tão estreito sufocava qualquer pensamento, aquele abraço tão necessário para conter o sentimento que ameaçava transbordar de ambos, manchando a calçada em frente ao prédio que conheciam tão bem.
Ela fechou novamente os olhos sem saber mais como não se voltar para ele, como não voltar para ele, havia passado tempo demais, mas ela estava ali à espera e ele estava ali esperando que ela não mais esperasse e nessa mistura de esperas e esperanças ela encontrou forças para se virar, apertada no abraço molhado de lágrimas e prazer lembrado-antecipado, em sua cabeça apenas o pedido dele – Espera – e ela não sabia mais o que esperar.
Acabando com a espera, sabendo agora menos que antes, virou-se então, gastando nisso todas as suas forças, ele ainda tinha algumas, ela o percebeu quando ele lhe beijou com ânsia demais, quase invadindo aquele corpo que ela achava que era dela, mas que a partir de agora. No instante em que a espera acabou ela soube – e era tarde demais.
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