Para Eduardo Galeano
À primeira vista:
Vinha pela rua, com seus olhos-faca fixos à frente. Não tinha pressa, tampouco vagar. Apenas andava.
Inexoravelmente à frente. E seu coração era uma carruagem chamuscada a cujos cavalos fora ordenado que
não parassem enquanto não estivessem longe, bem longe, ainda mais longe.
Espelho:
Ela ferira. De todas as agressões possíveis, sabia que aquela era a mais definitiva. Vinha pela rua, seus olhos-lâmina fixos à frente, cortando a madrugada. Ainda perto ele dormia. Ele que se orgulhava de nunca estar dormindo. Saíra à traição, na pior delas.
Imperdoável. E ainda assim ela vinha sem remorsos.
De olhos fechados:
Com seus olhos-espada ela iria subindo a rua. Através do frio afiado da seis da manhã, ela andaria sem pressa. Embora, ele sabia, ela também não andasse lentamente.
O que doía cada vez mais intensamente era que aquela rua comprida pela qual ela andaria sem parar, atravessaria o bairro, atravessaria o rio, atravessaria a cidade. Atravessando tantas coisas quanto as palavras que ela não dissera.
Ele estaria sempre ali; agora.
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