21 abril, 2008

Fantasiada de mulher

"Por que rígida quanto como somos?
Bate em tecla mesma, mesmo sem querer
E bate, bate perna, procura, experimenta e não acha
Cadê?

Está ali atônita, o universo a sua volta e olha
e não encontra
Pensou um dia que queria um vestido vermelho
Talvez um sapato bem alto, para ver do alto

Mas não sabia direito, o sentimento esta este
Mas era outro
Vermelho na verdade pois queria ser mulher"
E não sabia (Joana Zatz, "Salto Alto, Altíssimo", em Tempo Oportuno)

Meu avô tinha uma expressão engraçada sempre que a gente colocava saia ou vestido. Com seu sotaque português - amenizado, mas nunca perdido em todos esses anos de Brasil - ele sorria e comentava: "Estás fantasiada de mulher?".

Como quase toda menina, quando eu era mais nova sonhava em ser como a minha mãe. Minha mãe é um mulherão - alta, loira, com mãos delicadas e unhas sempre feitas. E quando eu era pequena, ela adorava usar saias, vestidos, maquiagem... Eu sonhava crescer e ser como ela, um transbordamento de feminilidade.

Já começa que eu não sou nem alta, nem loira. Meus cabelos crespos por um longo tempo foram motivo de vergonha e, literal e metaforicamente, embaraço. Desde sempre tímida e propensa a me esconder, quando finalmente cresci não tinha muito do mulherão que gostaria de ser. Ao contrário: teve um tempo inclusive em que eu recusava essas formas de ser mulher - saia? salto? vestidos? Não. Eu descobriria uma maneira de ser mulher que não passasse pela aparência ou pelo menos não por esses artifícios mais evidentes.

O mundo gira e a lusitana roda. E hoje tenho a liberdade de gostar de saias, vestidos e maquiagens. De ser louca por sapatos. De ser louca por bolsas (embora não qualquer uma, só as da Denize). De não sair (e nem dormir) sem creme pro rosto e pras mãos. De ter uma necessaire onde tem muito mais coisa que o necessário. De andar de unhas feitas e vira e mexe pintadas de ameixa. E até de comprar - e ler - revista sobre roupa e moda.

Nada disso faz com que me sinta um mulherão, obviamente. Ao longo da vida fui entendendo que virar gente grande é muito mais que parecer gente grande. Embora óbvia, essa é uma verdade que demora a se inscrever no corpo.

Me senti um mulherão só de vez em quando nessa vida; e acho que em nenhuma delas estava fantasiada de mulher. Talvez meu avô é que esteja certo: talvez na maior parte do tempo a gente só vista a fantasia.

Mulher, mulher mesmo, com M maiúsculo, só quando - como ensinou a travesti Agrado, em Todo sobre mi madre - a gente se parece com o que sonhou para si mesma. E isso é muito mais difícil de fazer, embora eu goste de pensar que estou no caminho certo.

Fonte da imagem: hypedesire.blogtv.com.pt/.../Julho/sapato.jpg

2 comentários:

  1. Ué, mas claro que você é um mulherão.
    Com ou sem cremes e complementos.
    E apenas como as autênticas mulheronas, não se achar como tal é o detalhe fundamental.
    Mulher melancia, mulher pomar, mulher horta, pasto, feira, granja, latifúndio monocultura improdutiva, mulher toda-a-cadeia-produtiva, é coisa pra quem acha que mulher precisa de adjetivo.

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  2. Opinião de marido não conta ou é a que mais deve contar?

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