Algumas pessoas saíram no meio da projeção, incomodadas com a violência, reclamando do “peso” do filme (não, não vou tirar sarro dizendo que é leve, só 21 gr). Mas eu gostei do filme, não achei pesado, nem violento. E o Edu me disse que um crítico escreveu que o filme é sobre vingança. Também não acho.
Acho que o filme é sobre a luta que a gente trava com a vida – é um filme sobre a permanência e a mudança; sobre as possibilidades de continuar vivendo e a paralisia; sobre aquilo que a gente recebe por graça e aquilo que a gente se morde para ter. Eu acho que é um filme sobre a vida não dar bola para a gente e seguir seu curso – e é por isso que no meio da vida tem a morte e no meio da morte tem a vida.
Tem um homem que está morrendo e não morre mais, mas depois acaba morrendo. Tem uma mulher que estava morrendo e foi salva pela vida das filhas mas que depois quase perde tudo quando estas morrem para ganhar a vida de novo ali adiante. Tem outro homem que se salvou ganhando a vida eterna e depois a perdeu ao tirar algumas vidas mas que depois, num encontro de todos esses mortos-vivos, ganha vida de novo, não a eterna, mas essa mundana e transitória mesmo.
E toda a tragédia e toda a alegria brotam desse mesmo esforço – que é de todos os personagens – em recusar o que a vida lhes reserva. É o coração novo – graça – e o desconforto com ele que levam Sean Penn a procurar e encontrar Naomi Watts. É o encontro com ele, e a recusa progressiva da felicidade que poderia advir disso, que faz com que ela se perca, no esforço de vingar-se da vida por sua perda. É isso que a leva até Benicio del Toro, que não pode mais viver consigo mesmo e por isso se afasta de todos os laços – suportes da insuportável memória. E é o encontro com ele – é o encontro de todos esses personagens, desgraçados no sentido literal do termo pois perderam as suas graças – que vai mudar tudo de novo.
Se há algum “peso” da narrativa do filme é a sua semelhança com a trajetória dos personagens bíblicos. Como já mostrou Auerbach, comparando Ulisses e Abraão, enquanto o personagem de Homero se desloca no espaço para viver aventuras e retornar ao ponto de partida inteiro, ileso, Abraão verdadeiramente sofre, verdadeiramente goza, verdadeiramente vai ficando marcado pela graça e pela punição divinas. Mas os personagens bíblicos, porque sofrem a miséria, vivem também a glória.
Então, acho que se trata de um filme que consegue falar com delicadeza dessa nossa condição – a vida é assim mesmo, nada é definitivo, as graças vêm e vão, as tragédias vêm e vão e – também à semelhança da narrativa bíblica – jamais saberemos as intenções ocultas por detrás do que nos acontece (se as houver). Por isso, talvez pudéssemos pensar que não adianta tanta luta. Mas aí, deixaríamos de ser humanos.
Imagem: http://www.kboing.com.br/papeldeparede/m_papeldeparede.php?papel=7530sagrado_coracao
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