02 maio, 2008

Do livro das epígrafes - I


Eu tenho um caderno, há muito tempo abandonado, em que anoto trechos e passagens de livros que são tão perfeitos em si mesmos que me parecem passíveis de serem utilizados um dia como epígrafes. Na verdade, é minha coleção de preciosidades literárias.

O caderno tem nome: O Livro das Epígrafes. E é dedicado a duas pessoas: Walter Benjamin e Rodrigo Pereira.

Como hoje continuo trabalhando e não vou conseguir roubar uma horinha para escrever, deixo vocês com a Clarice, num texto tão bonito e certeiro que bem poderia servir de epígrafe para esses meus dias.

"Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes. Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir de modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém" (Clarice Lispector).

Imagem: M.C. Escher, Drawing Hands, 1948. Em
www.rockjwalker.com/.../Escher-DrawingHands.jpg

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