01 maio, 2008

Há um certo desbalanço na maneira com que atualmente temos levado a vida: deixamos de marcar, ritualizar as celebrações de vida e assim ficamos com a incômoda impressão de que só há perdas e mortes a celebrar.

Ultimamente tenho sentido necessidade de revisitar alguns dos meus autores prediletos, entre eles o Walter Benjamin. E ontem me lembrei de um texto da Jeanne-Marie Gagnebin sobre os anjos nos textos do Walter Benjamin.

Lá nas "Teses sobre o conceito de história" aparece o comentário sobre o quadro de Klee, o anjo tosco e deformado, que tem os olhos voltados para o passado mas que é impelido vigorosamente pela tempestade do progresso na direção do futuro. É um anjo caído, mundano, que não vê sentido no passado porque não é capaz de estabelecer uma ruptura no presente, distinguindo um momento em que os acontecimentos se encadeiam, ganham sentido e humanidade.

Já em outro texto - Infância Berlinense - o anjo não é mais do que uma brisa que sopra, trazendo o "pressentimento de uma outra felicidade possível" que não esta que escolhemos para nós.

Ambos os anjos são impotentes uma vez que nesse mundo não há espaço para eles - por isso são toscos, incapazes de fazer cumprir a mensagem que vêm anunciar. Como a Jeanne-Marie sugere, radicalizando a sugestão de Benjamin, são os homens que precisam agora ajudar estes anjos a concluírem sua tarefa.

Esta mensagem celebra os seis anos de vida em comum entre Edu e eu. E por mais que seja estranho escrever uma mensagem de celebração falando de desequilíbrio e anjos impotentes, o início da convivência com o Edu - assim como os primeiros momentos de encontro com alguém que começamos a amar - tinha muito este caráter de brisa. Cada novo dia ao lado dele fazia pressentir uma felicidade plena, infinita e eterna.

Depois de seis anos, um mestrado e um doutorado a meio caminho, a perda de um pai, o nascimento de um filho e mais uma porção de pequenas e grandes coisas que se acumulam nessa vida em comum, bem...a felicidade plena parece um pouco distante. De vez em quando viramos nós mesmos o anjo de Klee, incapazes de sair da tempestade da linearidade do tempo, impotentes para ver com calma o que realmente importa.

Agora, nossa possibilidade de redenção parece novamente se concentrar nos ouvidos e nos olhos atentos, à espera de que uma brisa traga consigo o canto de um anjo, que abra de novo as portas do tempo e do espaço e deixe entrever outra felicidade possível - a realização das promessas dos tempos do começo.

Trazer o passado pro futuro, misturar transitório com eterno, acreditar que pequenas epifanias podem ser tão transformadoras quanto grandes acontecimentos, abrir espaço para celebrar os fatos da vida carregando de sentido a morte - Edu, querido: depois de seis anos, continuo querendo fazer tudo isso do teu lado, para que sejamos mais potentes que os anjos do Benjamin, para que sejamos mais humanos, para que a vida valha a pena, para que transbordemos as margens do possível e da morte.

* Este texto é de novembro do ano passado.
** Como é dia do trabalho, estou trabalhando. Por isso, hoje não tem texto novo. Quem sabe amanhã?
*** E o Edu me deu mesmo o CD com os poemas da Hilda Hilst musicados pelo Zeca Baleiro. Quero escrever sobre isso, mas desde já adianto que a Angela Ro Ro é mesmo tudo de bom nessa vida!

Imagem: Angelus Novus, Paul Klee

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