07 maio, 2008

Meu pai - II

O Rodrigo tem um livro de canções tradicionais, presente da Martina. E nesse livro tem uma parlenda que é assim: "Era uma vez, três...Ah! Esqueci. Posso contar outra vez?".

É tão bonita essa forma infantil de chamar de esquecimento o que é invenção e experimentação do que poderia ser verdade.

Logo que meus pais se separaram, meu pai se afastou. Acho que ele não sabia ser pai sem ser marido, e precisou de um tempo para aprender.

Eu sentia muito a falta dele. Porque mesmo que me contem histórias de como ele implicava comigo o tempo todo, eu me sentia a "filhota" do papai; me sentia querida por aquele homem desajeitado que eu não conseguia entender. Tanto assim que mentia encontros e presenças - inventava para diminuir a falta.

As más lembranças que tenho são do final do casamento, e não dele. Hoje eu sei.

Dele ficaram pedaços como: o gosto de ficar sozinho (com seus rocks); a inabilidade para cozinhar (sério, lembro dele fazendo uma sopa Maggi e não deu certo); a mágoa quase infantil quando cantávamos, eu e a minha irmã, "Jerônimo, filho de maria-mole" (era só uma brincadeira com a música tema da novela, mas a gente não compreendia o quanto a vó - Maria - era importante para ele); o gosto pela velocidade e pelo risco nas estradas; o senso de humor inteligente, que demorei muito tempo para começar a entender.

Era uma vez três...Posso contar outra vez?

Meu pai era incompreendido. Perdido numa família incapaz de reconhecê-lo; perdido na armadilha de não saber se dar a conhecer. E quando ele se afastou, o que era desconcerto e vontade de descoberta se transformou em abismo.

Um abismo que espero que tenhamos tempo para desfazer. Era uma vez três...Será possível contar outra vez?

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