13 maio, 2008

Fausto (2)

O Fausto é mais do que amado: volta e meia o reencontro dentro de mim.

Eu nunca entendi direito porque é que ele gostava de mim e, na verdade, às vezes achava até que ele não gostava (não acho mais, querido, não acho mais). O que obviamente não me impediu de passar três anos completamente intrigada e deslumbrada por ele, misturando admiração, medo e carinho (depois, continuei intrigada e deslumbrada, só aprendi a disfarçar melhor).

Eu morria de medo de decepcioná-lo e foi por isso que não contei para ele que estava pensando em prestar artes cênicas. Porque no fundo eu achava que aquela vida de teatro não era para mim - eu era muito cérebro para estar inteira numa atividade que exigia tanto do corpo e do sentir. Não contei para ele, mas ele acabou sabendo - e por muito tempo me culpei por achar que o tinha magoado ao ir fazer Ciências Sociais (embora essa escolha também passasse por um diálogo com ele, que era também meu professor de geografia).

E agora é que me dei conta: nas duas peças em que tive um papel - "Na Carrera do Divino" e em "Por Causa de Inês" - minhas personagens estavam grávidas. A Sá Rita, uma gravidez simbólica, com direito a um parto no palco para dar a luz à vida na nova terra. Dona Constança, uma gravidez acintosa e sem final feliz.

Afinal, talvez o Fausto soubesse como eu que me faltava uma aprendizagem do sentir, uma travessia que me possibilitasse usar o corpo de uma maneira mais viva. E talvez ele soubesse que, naquela época, o papel que melhor me cabia era esse da mulher em preparação, grávida, ambígua, nem (só) mulher nem (só) mãe - representação do ponto ao meio do caminho onde eu estava.

Doze anos depois, percorrida a Via Crucis do Corpo , acho que aprendi finalmente:

"O corpo. O corpo. O corpo.
O corpo é essa garrafa que eu quebro para viver derramado" (Carpinejar).

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