07 junho, 2012

correnteza

porque escrever tem sido urgente, acordei pensando nisso: que escrever é exercício - às vezes ioga, com sua força e flexibilidade, às vezes cardio boxe, com sua fúria e violência. lutar com palavras é a luta mais vã, Drummond já dissera.
e porque já acordei pensando a escrita, imaginei que escrever é também trabalho manual - entre a alquimia da cozinha, misturando ingredientes e temperaturas, e a precisão do ikebana, no esforço delicado de arranjar as palavras em formas um pouco estranhas, ocupar espaços, redefinir a beleza. (já a escrita acadêmica, essa é a arte perdida da relojoaria: as palavras, engrenagens a fazer funcionar a maquinaria da explicação).
a possibilidade da escrita relampeja entre a distração e a concentração. a distensão que permite ser surpreendido, o susto arrancando a gente do que no tododia também é banal; a atenção que torna possível agarrar em pleno ar a estrela cadente: o escritor, um ninja.
escrever é estender a mão como caule que se projetasse repentino do fundo da terra. entre o desejo de comunicação e a pura e simples vontade de distribuir a beleza inventada.
a escrita, sempre entre uma coisa e outra, rio comprimido entre as margens. às vezes quase seco, às vezes cheia, às vezes a confusão do encontro com o mar. outras vezes, como agora, caudalosa e irresistível correnteza.

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