01 setembro, 2008

Zizek

Sempre que eu chego naquela fase aguda de escrever - projeto, dissertação, qualificações, tese -, sinto uma necessidade absurda de ler literatura. É como se para explorar as fronteiras do meu próprio pensamento, eu precisasse ampliar as figuras (de linguagem) à minha disposição.

Mas eis que agora não estou conseguindo ler literatura (talvez porque o mergulho para acabar a tese ainda não esteja tão intenso). Então, antes de dormir, tenho relido o "Bem-vindo ao Deserto do Real", do Zizek.

O livro é composto por cinco ensaios sobre o 11 de setembro: leitura ideal para antes de dormir, como vocês podem perceber.

De todo modo, ontem marquei uns trechinhos para dividir com vocês.

"(...) Na medida em que "morte" e "vida" designam para São Paulo duas posições existenciais (subjetivas), e não fatos "objetivos", é justificável que se faça a pergunta paulina: "Quem está realmente vivo hoje?".
E se somente estivermos realmente vivos se nos comprometermos com uma intensidade excessiva que nos coloca além de uma "vida nua". E se, ao nos concentrarmos na simples sobrevivência, mesmo quando é qualificada como "uma boa vida", o que realmente perdemos na vida for a própria vida? E se o terrorista suicida palestino a ponto de explodir a si mesmo e aos outros estiver, num sentido enfático, "mais vivo" que o soldado americano engajado numa guerra diante da tela de um computador contra um o inimigo que está a centenas de quilômetros de distância ou um yuppie nova-iorquino que corre nas margens do Hudson para manter o corpo em forma? E se, em termos psicanalíticos, um histérico estiver verdadeiramente vivo no questionamento permanente e excessivo da própria existência, quando uma obsessão é o verdadeiro modelo da escolha da "vida na morte"? Ou seja, não seria o objetivo último de seus rituais compulsivos evitar que "a coisa" aconteça - coisa esta que é o excesso de vida? Não seria a catástrofe que ele teme o fato de, finalmente, alguma coisa realmente acontecer a ele? (...)
É assim um paradoxo nietzschiano o fato de o grande perdedor nessa aparente afirmação da Vida contra todas as Causas transcendentes ser a própria vida. O que torna a vida "digna de ser vivida" é o próprio excesso de vida: a consciência da existência de algo pelo que alguém se dispõe a arriscar a vida (podemos chamar esse excesso de "liberdade", "honra", "dignidade", "autonomia", etc.). (...)
A postura sobrevivencialista "pós-metafísica" dos Últimos Homens termina num espetáculo anêmico da vida a se arrastar como sombra de si mesma".

(Slavoj Zizek. "De Homo Otarius a Homo Sacer". Bem-vindo ao deserto do real: São Paulo, Boitempo Editorial, 2003)

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