Para Mi
Do lado de fora do vidro, a chuva escorria lenta. Do lado de dentro do vidro, a água também rolava, mansa. Do lado de dentro dela, tudo era umidade e espaço; um espaço recém inaugurado. Ergueu um pouco o rosto, passando suave a mão pelos cabelos, numa pequena carícia: não haveria mais dor.
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Tinham 17 anos quando se conheceram: as duas crianças. Ambos estrangeiros na grande cidade, não demoraram a se aproximar, passando muito tempo juntos: almoço, aula, telefone, cinema, jantar, fim-de-semana.
Previsível, ela se apaixonou. Ele não. Ou fez que não. Ou quis que não, tanto faz. Mas aconteceu assim: ela quis demais e ele recusou. E vieram as primeiras dores e os primeiros silêncios. E depois as dores conhecidas e o silêncio pactuado. E então as dores velhas e a mudez construída.
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Tinham bem mais de 17 anos quando se reconheceram: o homem e a mulher.
Imprevisível, ele se apaixonou. Ela não. Mas fez que sim. Ou quis que sim, não importa. Mas aconteceu assim: ele quis demais e ela aceitou aquele querer que tanto quisera. E perseguindo os primeiros beijos vieram as primeiras brigas, as primeiras impossibilidades, as primeiras portas batidas e a velha dor e mudez. Não era para tanto. E, de qualquer maneira, nada daquilo recuperaria o momento perfeito escoado.
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Ainda assim, continuavam. Insistiam consigo que um amor daqueles era coisa rara. Ela sentia que aquele era seu homem, seu amor para toda a vida; ele sentia que aquela era a sua mulher, para toda a vida. Envelheceriam juntos e tudo seria perfeito.
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Mas tudo errou. E o confronto diário com a pergunta “onde errei?” só fazia multiplicar as dores da leveza mudada em sacrifício. Não era possível acreditar que não havia erro, culpa ou responsabilidade essenciais. Afinal, eram promessas um para o outro.
Conheciam o desfecho para o que viviam. Apenas recusavam-no.
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Separaram-se. Maculados como no fim do primeiro amor e sem saber quem havia dito a última palavra ou quem movera o primeiro passo do ir-embora. Separaram-se. E foram felizes para sempre.
Imagem: Patricia Metola, em http://tipika.blogspot.com/
adorei. linda estória, pura poesia.
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