07 setembro, 2008

Grifos

Dois caminhos para constituir em direito a regulação do poder público, duas concepções da lei, duas concepções da liberdade. É essa ambigüidade que caracteriza, digamos, o liberalismo europeu do século XIX e também do século XX. E, quando digo dois caminhos, quando digo duas vias, quando digo duas concepções da liberdade, do direito, não quero dizer que se trata de dois sistemas separados, estranhos, incompatíveis, contraditórios, totalmente excludentes um em relação ao outro, mas quero dizer que temos aí dois procedimentos, duas coerências, duas maneiras de fazer, por assim dizer, heterogêneas. E o que é preciso ter bem presente é que a heterogeneidade nunca é um princípio de exclusão ou, se preferirem, a heterogeneidade nunca impede nem a coexistência, nem a junção, nem a conexão. Digamos que é precisamente aí e nesse gênero de análise que se faz valer, que é necessário fazer valer, sob a pena de cair num simplismo, uma lógica que não seja uma lógica dialética. Porque a lógica dialética, o que é? Pois bem, a lógica dialética é uma lógica que põe em jogo termos contraditórios no elemento do homogêneo. Proponho substituir essa lógica da dialética pelo que chamarei de lógica da estratégia. E uma lógica da estratégia não faz valer termos contraditórios num elemento do homogêneo que promete sua resolução numa unidade. A lógica da estratégia tem por função estabelecer quais são as conexões possíveis entre termos díspares e que permanecem díspares. A lógica da estratégia é a lógica da conexão do heterogêneo, não é a lógica da homogeneização do contraditório. Rejeitemos portanto a lógica da dialética e procuremos ver (em todo caso é o que procurarei lhes mostrar no curso) quais conexões puderam manter unidos, puderam fazer conjugar-se a axiomática fundamental dos direitos do homem e o cálculo utilitário da independência dos governados”.

Foucault, Michel (2008) Nascimento da Biopolítica: São Paulo, Martins Fontes, página 58

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