02 setembro, 2008

Necessidades Radicais

Ainda hoje comentava com o Mauricio que, desde que comecei a série de posts sobre "A maternidade como experiência", um monte de coisas têm acontecido que me provocam a continuar pensando e escrevendo sobre o assunto. Eu adoraria, se isso não acabasse me fazendo roubar tempo da imensa quantidade de trabalho necessário à conclusão da tese...

Então, infelizmente ainda não é hoje que vou conseguir escrever mais. Mas, num papo no gtalk com a Fabíola, acabei lembrando de um texto que escrevi para comemorar o primeiro aniversário do Rodrigo. Tem um conceito sociológico nele que é bastante importante para o esforço de pensar a maternidade-paternidade como experiências: necessidades radicais.

Então hoje vamos de texto requentado.

***
Rodrigo faz um ano

Foi numa aula de sociologia da vida cotidiana, disciplina que era dada pelo Prof. José de Souza Martins, que pela primeira vez ouvi falar em necessidades radicais. Estávamos acho que no quarto ano da faculdade e completamente pasmos com tudo o que vínhamos aprendendo nessa disciplina – tendo contato pela primeira vez com autores que nos ensinavam que o conhecimento sociológico pode ser muito mais rico, denso e complicado do que a gente vinha achando até então.

O termo – necessidades radicais – era utilizado por uma autora de referências marxistas, Agnes Heller e procurava nomear aquelas necessidades que, não podendo ser satisfeitas dentro do campo de possibilidades definido pelo presente, impulsionavam a sociedade a construir novas formas, novos acordos...As necessidades radicais, assim, eram necessidades de transformação radical de algum aspecto da sociedade. E quando pensado no interior de uma sociologia da vida cotidiana, as necessidades radicais também tinham a ver com inconformação.

Mas não escrevo hoje para fazer um tratado sociológico: escrevo para comemorar o primeiro ano de vida do meu filho. Há exatamente um ano, o Rodrigo me dava o primeiro de muitos sustos que com certeza virão, adiantando três semanas e dando as caras ao mundo numa quinta-feira depois do feriado, às dez da noite. E que caras mais bonitas! Charmoso, curioso, doce e com bico de vô Hakira, o Rodrigo só nunca teve foi cara de joelho...

E depois vieram os primeiros dias em casa, o Rodrigo reclamando um pouco da mãe ainda meio desajeitada ao dar banho, mas de resto tudo ia encontrando um jeito novo, o jeito da nossa vida com a chegada do Rodrigo...Uma vida mais bagunçada, com mais cansaço, mas com muita alegria. E a mãe boba de primeira viagem curtindo cada momentinho, ligando para o pobre papai várias vezes por dia para passar o relatório da cor e da consistência do cocô...

Tentando fixar cada sensação, cada descoberta do menino, mesmo sabendo que o tempo vai passando tão rápido e as descobertas vão se tornando cada vez tão mais intensas e maiores que é impossível fixar alguma coisa: o Rodrigo é um ser mutante, aprendendo a viver. Fixar alguma coisa só pode mesmo ser idéia de mãe temerosa em perder seu filhote pro mundo...

Uma das coisas boas que o Rodrigo trouxe, isso mesmo antes de nascer, quando ainda era o Gohan, sementinha menor que um grão-de-arroz dentro da minha barriga, certamente foi a curiosidade em pesquisar tudo sobre gravidez, crianças, partos...Foi assim que encontrei os slings (para mim indissociáveis do jeito que fui encontrando de ser mãe) e por tabela a Analy; foi assim que conheci a lista Materna, já bem depois do Rô nascido; foi assim que comecei a perceber que a maternidade me trouxe muitas necessidades radicais...

Para começar, fiquei querendo outro jeito de parir – um jeito sem tantas intervenções, sem tanto estresse com hospitais e suas rotinas, um jeito mais humano. Depois, fiquei também querendo um outro jeito de receber as crianças no mundo – com mais delicadeza, também sem tanta intervenção, sem colírios que machucam o olho, sem pediatra recomendando complemento...E já que parir e nascer são apenas os momentos que inauguram as novas vidas, também fiquei querendo um outro jeito de cuidar – dividindo as tarefas com o pai; arranjando paciência infinita para compreender o bebê no convívio com ele e não segundo receitas mais gerais; fiquei querendo outro jeito de trabalhar (de um jeito que me permita estar junto ao meu pequeno e vê-lo crescer); fiquei querendo outro jeito de viver nessa cidade maluca e vai saber ainda quantas coisas vou desejar que sejam diferentes...Necessidades radicais, que me dão notícia de que a vida pode ser muito melhor do que a gente se acostuma a achar normal.

Os comentários que a Agnes Heller faz sobre as necessidades radicais estão numa coletânea de entrevistas cujo título é "Para mudar a vida".

Nada mais apropriado: hoje faz um ano que o Rodrigo veio para mudar a minha vida, para virá-la do avesso, para reencantar o mundo com sua curiosidade, para ser um companheirinho de todas as horas. Então, hoje queria dividir com vocês essa celebração pela vida dele – o meu menino que aos pouquinhos vai deixando de ser meu para começar a dar os seus primeiros passos.


Um comentário:

  1. Oi Fabiana,

    O comentário não é sobre esse posti, é sobre o outro:

    O nome do "livro" do Caio é "Lixo e Purpurina", e alguém já colocou na net! :D

    http://semamorsoaloucura.blogspot.com/2007/07/lixo-e-purpurina.html

    Particularmente, adoro o comentário do dia 20 de março :)


    E o Daniel, já te convidou pra visitar aqui? Considere-se convidada, afinal eu ainda sou aluno da FFLCH! (longa história...) :P

    Bjo!

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