O Rodrigo deveria ter um ano e meio, mais ou menos. Estávamos em um restaurante e ele, começando a falar, chamava a maior atenção. Aí, uma moça grávida e super simpática puxou papo com ele: - "Oi, linda!"
Como eu sabia que toda aquela confusão era por causa do brinco que o Rodrigo estava usando, dei risada e expliquei que era menino, e que ele tinha cismado de usar brinco. Ela ainda perguntou se a orelha era furada e eu expliquei que não, que era brinco de colar, só para ele ver como era.
De fato, já fazia uns três dias que o Rô estava usando aquele brinco, causando um certo furor quando saía...As pessoas ficavam confusas dele parecer moleque e usar brinco; aí ficavam achando estranho de perceber que era num orelha só, e quando viam que era menino mesmo, olhavam torto para mim e para o Edu.
Explicada a confusão, a moça comentou: - "Eu adoro essas atitudes libertárias e não-sexistas!".
Se teve um coisa que sempre foi clara na minha cabeça é que identidade de gênero não tem nada a ver com a direção do desejo. Uma mulher é uma mulher gostando de homens ou de mulheres. Assim como um homem é um homem gostando de homens ou de mulheres. Por isso, não passa pela minha cabeça que - por querer experimentar coisas que podem ser pensadas como femininas, meu filho estará anunciando qualquer preferência sexual.
Outra coisa que também acho é que o que cabe ou não nesses contornos que a identidade de gênero define pode ser mais flexível porque as coisas são bastante diferentes hoje em dia e (pra mim) é quase uma violência insistir em limites muito estritos.
Um exemplo bobo: quando o Rô era menor, ele dormia bem na hora em que eu preparava o almoço. E, à noite, quem geralmente cozinha é o Edu. Um dia, ele não dormiu na hora de costume e me viu colocando avental. Levei uma bronca: - "Mamãe, é do papai!". Para ele, cozinhar virou sinônimo de coisa masculina e eu estava transgredindo a regra.
Quando eu soube que estava grávida de um menino, fiquei muito animada. Tenho lembranças muito presentes de quando eu era pequena e ia brincar na casa do meu vizinho, o Arthur: eu era completamente louca pelos brinquedos que ele tinha. O posto de gasolina! A direção, com câmbio e buzina e som de acelerador! Aquela mão verde, que abria e fechava, lembram? E o robô do R2D2? O quarto dele era uma festa contraposta à sem-gracez do cor de rosa e dos babados do quarto que eu e a minha irmã dividíamos...
Quando meus pais decidiram se separar, como se não estivesse aceitando bem tudo aquilo, fui mandada para a terapia; ludo-terapia, na verdade. Eu gostava de ir porque lá era cheio de brinquedos. Eu tinha dois prediletos - a cesta de compras, cheia de frutas e verduras de mentira e o forte apache, de playmobil. Eu amava aquele forte! Os cavalos, as roupas azuis...
Apesar de gostar de todas essas coisas, eu nunca tive dúvidas de que eu era menina. E gostava igualmente das minhas bonecas de pano, Barbies, fogão-panela-jogo de chá.
Quando deixo o Rodrigo usar brinco, sei que ele só está querendo experimentar como é se enfeitar, se arrumar, se olhar no espelho. Tanto é que, depois dessa vez, às vezes ele me pede para colar um brinco e dez segundos depois já tirou e sumiu com ele.
Outro exemplo bobo: quando me vê usando lápis, ele pede para usar também. Sabem o que ele quer fazer com o lápis? Barba e bigode. Aí, quando eu faço a pintura, ele ri feliz, "Agora eu sou grande!".
O Rô tem cozinha, com panelas, liqüidificador, pratos, fogão. Comprei porque ele adorava pegar as minhas enquanto eu estava cozinhando. Na escola dele, tem uma casinha completa, em que as crianças adoram brincar. O Rô tem também um sampinha - um sling para crianças. Ele adora carregar o Amigão dentro do sling, pra cima e pra baixo.
Cozinhar, estar no espaço da casa, cuidar... Serão atividades essencialmente femininas? Feminino e masculino têm essência?
Se eu criar o meu filho-menino como um machão, não vou estar condenando-o ao sofrimento, num mundo em que é comum que marido e mulher precisem trabalhar para sustentar uma casa e a proposta de um homem-provedor há tempos parece ter se tornado inviável? Se hoje se espera que as tarefas com a casa e os cuidados com as crianças sejam divididos, o que vai ser dele se acreditar que isso é "coisa de mulher"? Num tempo em que as possibilidades de negociação são tantas, o que vai ser dele se ele só souber "ser homem" de um único jeito?
Lembro que, durante o magistério, ouvi alguma coisa sobre a predominância de mulheres na Química se dever à sua atividade de cozinhar - alquimia pura - ao passo que na Física predominavam os homens, pois suas brincadeiras lhes deixavam mais familiarizados com a relação espaço-tempo. Não sei era verdade, nem sei se ainda hoje é assim. Mas não é difícil crer que haja relação entre as experiências que fazemos e nossos interesses ou maiores habilidades.
Por isso, ao invés de restringir as experiências do Rô, prefiro acreditar que ele terá mais repertório e mais possibilidades de escolha se puder experimentar um leque maior de coisas. Sem medo de que isso o confunda quanto à sua identidade: ele é menino e sabe que é.
Se isso se chama ser libertário e não-sexista, não sei. Prefiro chamar de respeito e de amor porque não faço nada disso para levantar bandeira - e sim para dar ao meu filho a liberdade de descobrir quem ele quer ser.
Imagem: http://manik33.blogspot.com/2007/08/entendendo-o-i-ching-yin-e-yang.html
Como eu sabia que toda aquela confusão era por causa do brinco que o Rodrigo estava usando, dei risada e expliquei que era menino, e que ele tinha cismado de usar brinco. Ela ainda perguntou se a orelha era furada e eu expliquei que não, que era brinco de colar, só para ele ver como era.
De fato, já fazia uns três dias que o Rô estava usando aquele brinco, causando um certo furor quando saía...As pessoas ficavam confusas dele parecer moleque e usar brinco; aí ficavam achando estranho de perceber que era num orelha só, e quando viam que era menino mesmo, olhavam torto para mim e para o Edu.
Explicada a confusão, a moça comentou: - "Eu adoro essas atitudes libertárias e não-sexistas!".
Se teve um coisa que sempre foi clara na minha cabeça é que identidade de gênero não tem nada a ver com a direção do desejo. Uma mulher é uma mulher gostando de homens ou de mulheres. Assim como um homem é um homem gostando de homens ou de mulheres. Por isso, não passa pela minha cabeça que - por querer experimentar coisas que podem ser pensadas como femininas, meu filho estará anunciando qualquer preferência sexual.
Outra coisa que também acho é que o que cabe ou não nesses contornos que a identidade de gênero define pode ser mais flexível porque as coisas são bastante diferentes hoje em dia e (pra mim) é quase uma violência insistir em limites muito estritos.
Um exemplo bobo: quando o Rô era menor, ele dormia bem na hora em que eu preparava o almoço. E, à noite, quem geralmente cozinha é o Edu. Um dia, ele não dormiu na hora de costume e me viu colocando avental. Levei uma bronca: - "Mamãe, é do papai!". Para ele, cozinhar virou sinônimo de coisa masculina e eu estava transgredindo a regra.
Quando eu soube que estava grávida de um menino, fiquei muito animada. Tenho lembranças muito presentes de quando eu era pequena e ia brincar na casa do meu vizinho, o Arthur: eu era completamente louca pelos brinquedos que ele tinha. O posto de gasolina! A direção, com câmbio e buzina e som de acelerador! Aquela mão verde, que abria e fechava, lembram? E o robô do R2D2? O quarto dele era uma festa contraposta à sem-gracez do cor de rosa e dos babados do quarto que eu e a minha irmã dividíamos...
Quando meus pais decidiram se separar, como se não estivesse aceitando bem tudo aquilo, fui mandada para a terapia; ludo-terapia, na verdade. Eu gostava de ir porque lá era cheio de brinquedos. Eu tinha dois prediletos - a cesta de compras, cheia de frutas e verduras de mentira e o forte apache, de playmobil. Eu amava aquele forte! Os cavalos, as roupas azuis...
Apesar de gostar de todas essas coisas, eu nunca tive dúvidas de que eu era menina. E gostava igualmente das minhas bonecas de pano, Barbies, fogão-panela-jogo de chá.
Quando deixo o Rodrigo usar brinco, sei que ele só está querendo experimentar como é se enfeitar, se arrumar, se olhar no espelho. Tanto é que, depois dessa vez, às vezes ele me pede para colar um brinco e dez segundos depois já tirou e sumiu com ele.
Outro exemplo bobo: quando me vê usando lápis, ele pede para usar também. Sabem o que ele quer fazer com o lápis? Barba e bigode. Aí, quando eu faço a pintura, ele ri feliz, "Agora eu sou grande!".
O Rô tem cozinha, com panelas, liqüidificador, pratos, fogão. Comprei porque ele adorava pegar as minhas enquanto eu estava cozinhando. Na escola dele, tem uma casinha completa, em que as crianças adoram brincar. O Rô tem também um sampinha - um sling para crianças. Ele adora carregar o Amigão dentro do sling, pra cima e pra baixo.
Cozinhar, estar no espaço da casa, cuidar... Serão atividades essencialmente femininas? Feminino e masculino têm essência?
Se eu criar o meu filho-menino como um machão, não vou estar condenando-o ao sofrimento, num mundo em que é comum que marido e mulher precisem trabalhar para sustentar uma casa e a proposta de um homem-provedor há tempos parece ter se tornado inviável? Se hoje se espera que as tarefas com a casa e os cuidados com as crianças sejam divididos, o que vai ser dele se acreditar que isso é "coisa de mulher"? Num tempo em que as possibilidades de negociação são tantas, o que vai ser dele se ele só souber "ser homem" de um único jeito?
Lembro que, durante o magistério, ouvi alguma coisa sobre a predominância de mulheres na Química se dever à sua atividade de cozinhar - alquimia pura - ao passo que na Física predominavam os homens, pois suas brincadeiras lhes deixavam mais familiarizados com a relação espaço-tempo. Não sei era verdade, nem sei se ainda hoje é assim. Mas não é difícil crer que haja relação entre as experiências que fazemos e nossos interesses ou maiores habilidades.
Por isso, ao invés de restringir as experiências do Rô, prefiro acreditar que ele terá mais repertório e mais possibilidades de escolha se puder experimentar um leque maior de coisas. Sem medo de que isso o confunda quanto à sua identidade: ele é menino e sabe que é.
Se isso se chama ser libertário e não-sexista, não sei. Prefiro chamar de respeito e de amor porque não faço nada disso para levantar bandeira - e sim para dar ao meu filho a liberdade de descobrir quem ele quer ser.
Imagem: http://manik33.blogspot.com/2007/08/entendendo-o-i-ching-yin-e-yang.html
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