20 julho, 2008

Crônica de uma separação

para Tatiana Sanches

Existe um conto do Caio Fernando Abreu que, segundo uma amiga minha, é um dos mais fortes textos de despedida. Começa assim: “Quando Ana me deixou...”.

O Eduardo Galeano tem um conto curto, quase um poema, que também é muito bonito e termina dizendo “Não levo nem uma única gota de veneno. Levo os beijos de quando você partia (eu nunca estava dormindo, nunca). E um assombro por tudo isso que nenhuma carta, nenhuma explicação, podem dizer a ninguém o que foi”.

Lembrei-me desses textos por algumas razões óbvias e por outras tantas um pouco menos claras. Ontem à noite conheci uma pessoa interessante, que também gosta de escrever coisas. Conversamos um pouco sobre a palavra e como ela nos ajuda a elaborar e fixar a nossa experiência no mundo. Ele me contou de sua recente separação e de como ainda é difícil falar, de como ainda não faz parte dos planos dele nomear todas os diversos sentimentos que ficaram dos treze anos vividos naquela companhia.

A personagem do Caio, que nos desfia o longo rosário até que o “quando” do momento do adeus se tornasse “depois”, também não põe palavras no lugar dos sentimentos: ninguém sabe de Ana. Ela ficou guardada naquele lugar à parte das coisas que significam. A vida continua, nós (quase) sempre sobrevivemos, ainda que reste o assombro de descobrir o limite, a finitude.

Essa pessoa que conheci me contou que, embora nunca tivesse se considerado um romântico, não se refez ainda do assombro do fim. Mas não se trata de romantismo. Para sempre, aquele que parece estar posto desde o início de um relacionamento, faz parte de nossa adolescência mesmo. Mas o para sempre, dia a dia escolhido e renovado, cotidianamente alimentado e desejado – esse é condição de crescimento do amor. Um grande amor não se constrói se o fim estiver colocado: amanhã.

Octávio Paz fixou a verdade “o amor é uma das respostas que o homem inventou para olhar de frente a morte”. O fim nos rouba um pouco a ilusão da eternidade, nos lembra de que somos filhos do tempo.

Finitude e silêncio. Era disso que queria falar. É que ainda não aprendi a delicadeza de preservar o vivido/sentido no vazio do inominado. Eva enlouquecida, quero recriar o mundo cheio de ausência dando nome a tudo o que ficou: aquilo foi egoísmo, aquilo outro imaturidade, isso foi bom, aquilo ali bonito. Como se fosse possível preencher a ausência com razão e palavra.

Se você não estivesse ausente agora, se suas mãos estivessem aqui, ao alcance de meus olhos e gestos, eu as tomaria entre as minhas próprias e ficaria com você em silêncio. Reinaugurando o tempo da confiança e da delicadeza. Atualizando o mito da permanência. E pedindo, sim, para durar.


Só para constar: um ano e meio depois desse texto, a "pessoa interessante" e eu estávamos casados. E assim vamos, no esforço diário de empurrar a linha do "para sempre" mais adiante.


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