30 agosto, 2008

In the mood for love



"guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo" (C. F. Abreu)
"Guardo seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver." (C. Lispector)


Assim que pôs os olhos nele, soube que se postara à beira do abismo. Mas guardou esperança de que a aliança que carregava tivesse peso suficiente para impedir o salto mortal. Tempos depois, já era capaz de se equilibrar com maestria naquela beirada, dançando, pulando, com o rosto corado e a vida correndo intensa sob a pele.

Até que um dia foi necessário escolher e ela escolheu. Não saltou. Sem saber muito bem por amor a quem. Se ao marido ou se a ele. Afastou-se do precipício assustada, só então se dando conta do risco que havia corrido.

Da aventura, sobrou aquele fogo brando dentro dela, aquecendo os dias e as noites, o futuro e a velhice. Mantendo a vida quente e possível.

Imagem: http://tratadodaspaixoes.blogspot.com/2006/09/in-mood-for-love.html


Distraindo Agosto

Um bocadinho do Caio.

(...) "Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camille Claudel a Rodin, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.

Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.

Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.

Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo".

"Existe sempre alguma coisa ausente", crônica publicada originalmente no Estado de S. Paulo, 3/4/1994

Ninguém merece...

...trabalhar no final de semana e ainda ter que se concentrar para abstrair o vizinho treinando guitarra. Afe!

28 agosto, 2008

Maternidade como experiência - parte I


Então que anda difícil sentar para escrever. Mas hoje, depois do almoço, uma preguiça que me dá a certeza de que não vai adiantar abrir o livro e começar a ler me animaram a roubar um tempinho.

Na semana passada, em que a polêmica em torno da aprovação ou não da extensão da licença-maternidade estava ainda acesa, eu tinha começado a escrever um post. Mas a semana passada foi tão intensa e de fervilhar de idéias que o post acabou ficando todo confuso e no final não juntava pé com sapato. De maneira que fui obrigada a poupar vocês de um texto sem nexo.

Durante a minha pesquisa de mestrado, eu ainda não tinha filho. Minha pesquisa era sobre o chamado "desemprego oculto pelo desalento", isto é, a situação em que há ausência de trabalho, mas por quaisquer razões, não há procura, embora persista o desejo de trabalhar (a categoria estatística é mais precisa que isso, mas não há razão para aborrecer vocês). A idéia de desemprego oculto, ainda mais num país como o nosso em que a formalização do trabalho e as políticas de seguridade no desemprego são restritas, é importante para dar visibilidade a situações que fogem do conceito de desemprego aberto (ausência de trabalho + procura "ativa").

Vejam lá: dá para um indivíduo que seja provedor da casa ficar procurando indeterminadamente? É bastante mais provável que ele vá fazer alguns bicos. De fato, ele está desempregado. Na estatística, ele está ocupado. Então, a idéia de desemprego oculto pelo trabalho precário dá visibilidade a essa situação, permite que ele seja "posto na conta" do desemprego. Um estudante que, depois de procurar por muito tempo, decide dar um tempo de mais de um mês na procura, deixará de ser contado como desempregado e passará à inativo. A categoria desemprego oculto por desalento, assim, o traz de volta para a conta.

Comecei falando nisso porque esta categoria põe de volta na conta principalmente mulheres e jovens - aqueles que, mais legitimamente, podem abdicar da procura temporariamente. Por isso é que seu trânsito pelo mercado de trabalho é objeto de regulações e disputas.

Aqui no Brasil ainda estamos longe disso, mas na França, por exemplo, em que as licença-maternidade são mais longas, chegando a cobrir os dois primeiros anos da criança, há uma imensa discussão sobre o efeito dessas políticas sobre as estatísticas do desemprego. Trata-se, claro, de uma política de estímulo à natalidade, de incentivo às mães que optem por ficar com seus filhos. Mas os argumentos sublinham que deveria se tratar de uma opção, quando na verdade é da falta dela que se trata: as mulheres são as mais sujeitas ao desemprego oculto ou às ocupações precárias (salário abaixo do mínimo, poucas horas de trabalho na semana...), tanto mais lá, em que o núcleo duro dos assalariados são homens, brancos, pais de família.

Claro que se trata de outro padrão de proteção social, mas fiquei recuperando todas essas idéias porque, afinal, do que se trata quando se fala da extensão da licença-maternidade de 4 para 6 meses?

De cara, sabemos que é um estímulo a que se cumpra uma das recomendações do Ministério da Saúde: aleitamento exclusivo até 6 meses, sem que as mães se vejam obrigadas a se desdobrar em mil para estocar leite materno, complementar com outros leites ou introduzir outros alimentos. Isso é um ganho considerável, do ponto de vista do desenvolvimento do bebê e com impactos sobre o Sistema de Saúde, já que a desnutrição e a desidratação são causas de mortalidade infantil.

Do ponto de vista do vínculo, também deve fazer diferença, pois é a partir dos 4 meses que os bebês começam a aprender as gracinhas, sorrisos, interações. Não que antes disso eles não façam ou não aprendam, mas os 3 primeiros meses são tão "biológicos", isto é, são tão de fusão total com as necessidades de alimentar-trocar-vestir-cuidar que é quase um contrasenso que, no momento em que a distinção mãe-bebê está apenas começando, haja uma separação de fato. Não à toa, tem muita mãe que fica quase doente: a ausência, gente, juro que não é só psicológica - ela é física, ela dói no corpo. Para que haja uma distinção saudável entre mãe-bebê - e estou falando a partir da minha experiência, tá? - , acho que faria muito mais sentido a presença do que a ruptura.

Se bem que aqui talvez caiba uma diferença. Essa separação-ruptura acontece quando estamos falando de modelos de emprego 40horas (ou mais) por semana, em um lugar distinto da casa. A gente sabe que hoje em dia as relações de trabalho são super plurais, então a volta ao trabalho aos 4 ou 6 meses talvez não faça tanta diferença para algumas mulheres, que têm a possibilidade de conciliar trabalho e maternidade de um jeito diferente.

Aí está um outro problema dessa lei (que nem é obrigatória para todas as empresas, depende da adesão destas). Como bem apontou a Denise num post sobre o assunto as mulheres no mercado de trabalho brasileiro (mas isso é assim em outros lugares também) ocupam trabalhos precários, de baixos salários, muitas vezes nem registrados em carteira. A extensão da licença não vale nada para elas do ponto de vista do direito, pois elas estão à margem da legislação trabalhista.

Reconhecer isso não significa negar a importância da lei, que ninguém quer jogar a criança com a água do banho. É simplesmente reconhecer que há heterogeneidade no mercado de trabalho e iniciativas boas acabam sendo limitadas, reforçando mais os efeitos de desigualdades (de gênero, dentro do gênero, já que há mulheres ricas e mulheres pobres, mulheres mais e menos escolarizadas, mulheres no mercado formal e mulheres no mercado informal).

Bom. Mas vou tentar terminar este post que já está ficando absurdamente longo.

Comecei falando que, na época da pesquisa de mestrado, eu não tinha passado pela experiência da maternidade. Minha dissertação tem um capítulo sobre mulheres, chamado "Mulher é desdobrável" (inspiração na Adélia Prado). Eu entrevistei duas mulheres, a Fátima e a Suely. A Fátima não teve filhos. A Suely tem dois - um bem mais velho, já no ensino médio na época da entrevista, e um mais novo, que tinha 3 anos então.

A percepção da Suely, separada, em relação ao lugar do trabalho antes e depois de ser a principal provedora da casa é muito interessante. Depois da separação, depois do segundo filho, quando ela se torna a responsável pela casa, tudo muda. E ela se desdobra realmente para não ficar parada, para trabalhar, fazer bicos, o que pintar. Na época da segunda entrevista que fiz (na primeira, ela estava desempregada), ela estava trabalhando. E a maior felicidade dela era que o trabalho era quase na esquina da sua casa, o que permitia ver os filhos, ficar com eles por um período, cuidá-los. Vê-los crescer... Em seus cálculos, era melhor um emprego de meio período mal remunerado, do que a sua ausência. E olhem que ela está amparada por uma rede bem importante de familiares que moram perto!

Lembro das discussões que tínhamos, lá no programa Oportunidade Solidária - que fomentava a criação de cooperativas para a geração de trabalho e renda - quando aparecia a questão de que, na contramão dos nossos desejos de "formalizar" cooperativas, espaços de trabalho, mecanismos de gestão - descobríamos que as mulheres queriam mesmo era trabalhar em casa, para cuidar dos filhos. A informalidade lhes servia.

Antes de ter o Rô, eu entendia esse ponto de vista, racionalmente. Depois dele, eu passei a entender, no corpo inclusive.

E é por isso que concordo com a Denise que uma outra parte dessa mesma discussão é a ampliação da licença-paternidade (porque vamos combinar que 5 dias é rí-di-cu-lo!) e a questão das creches e escolas de educação infantil. Concordo, mas não inteiramente.

Aguardem cenas dos próximos capítulos!

* Quem quiser dar uma olhada na dissertação, é só acessar o Banco de Teses da USP e procurar por "experiências de desemprego em São Paulo" ou "Fabiana Jardim"

Imagem: felicidadejfmg.zip.net/images/MulherTrabalho.gif

Realismo

Rodrigo de manhã, assistindo Charlie e Lola, que estavam em um piqueninique. Eles arrumando as comidinhas e eu comentando que tudo aquilo era uma delícia. Aí perguntei:
- Rô, será que a Lola me deixa ir junto nesse piquenique?
- Não.
- Não?
- Não.
Passa um minuto de silêncio e ele vem me explicar:
- Você não consegue entrar na televisão, né, mãe?

Quando ele crescer, vou apresentar a ele "A Rosa Púrpura do Cairo" :-)

27 agosto, 2008

Grifos

Com a economia política entramos portanto numa era cujo princípio poderia ser o seguinte: um governo nunca sabe o bastante que corre o risco de sempre governar demais, ou também: um governo nunca sabe direito como governar apenas o bastante. O princípio do máximo/mínimo na arte de governar substitui aquela noção do equilíbrio eqüitativo, da “justiça eqüitativa” que ordenava outrora a sabedoria do príncipe. Pois bem, é essa, a meu ver, na questão da autolimitação pelo princípio da verdade, é essa formidável cunha que a economia política introduziu na presunção indefinida do Estado de polícia. Momento evidentemente capital já que se estabelece em seus lineamentos mais importantes, não, é claro, o reinado da verdade na política, mas certo regime de verdade que é característico precisamente do que poderíamos chamar de era da política, cujo dispositivo básico continua, em suma, sendo o mesmo ainda hoje”.

Foucault, Michel (2008) Nascimento da Biopolítica: São Paulo, Martins Fontes, página 24.


26 agosto, 2008

Presente

Logo que começaram a namorar, volta e meia ela se pegava com saudade do futuro que teriam juntos. Não era melancólico. Era assim: quando cozinhavam, ela se enxergava velha e o via com cabelos brancos, à beira da pia, cortando habilmente as cebolas; quando cuidavam do jardim, suas mãos borravam até criarem rugas e manchas, e as dele também ganhavam as marcas do tempo, segurando as mudas a serem plantadas em domingos ensolarados. Nada mudava realmente, a não ser o corpo deles e o fato de que, então, teriam um imenso passado juntos.

Agora que estavam realmente velhos, ela continuaria sentindo saudades de seu futuro juntos, não fossem os resultados dos exames dele, as internações e as cirurgias, que haviam interrompido o fluxo contínuo do amor.

Na noite anterior, ele lhe confessara estar cansado e desejar apenas estar em casa. Com ela, com os filhos e netos.

Deixando de lado de uma vez por todas a saudade em relação ao futuro, aceitou, enfim, o presente que a vida lhe dava, respondendo-lhe que sim, que ele podia estar em casa, que ela já não o sacrificaria em nome de um futuro cada vez mais estreito. Aceitou a vida, aceitou a morte. Por amor a ele.


24 agosto, 2008

Amora

Ontem foi a comemoração do aniversário da Juju, minha querida sobrinha e afilhada. Foi lá no INPE, lugar onde íamos - minha irmã e eu - bastante quando éramos pequenas.

Por isso mesmo, foi impossível não contar para o Rodrigo das coisasa que fazíamos: ali, na entrada, filho, tinha uma casinha para as corujinhas, e a gente sempre ficava um tempão a observá-las. (Ao mesmo tempo pensando no quanto de tristeza havia na música da Corujinha, da Arca de Noé, cantada pela Elis Regina). Ali, filho, era o prédio onde a vovó trabalhava. Ali, o prédio onde o vovô (meu padrasto) trabalha. Ali, onde o meu pai trabalhava. Aqui, onde está tudo em obras, o parquinho onde a gente se acabava de brincar nas festas juninas, nos churrascos do Laboratório da vovó...(Ao mesmo tempo, lembrando que foi naquela churrasqueira que conheci um cara que acabou sendo uma as maiores paixões da minha vida, com toda a intensidade que se tem aos 15 anos).

É engraçado revisitar lugares que foram palco de tantas experiências e que significam tanto. Por outro lado, não há nenhuma melancolia nessas lembranças.

sem saudade de você
sem saudade de mim
o passado passou enfim (Alice Ruiz)

No final da tarde, o Edu descobriu um pé de amora, carregadinho. De-lí-cia! Aí chamamos as crianças - Juju e a amiga, Diegôncio e Rodrigôncio, Júlia e Bia (que não são mais crianças, mas quem não é embaixo de um pé de amora?) e nos pusemos a colher amoras. O Rô se acabou de comer (roubou as que a Juju tinha colhido e também da colheita da Júlia).

E eu fiquei com a música do Renato Teixeira na cabeça: "Vou contar para o seu pai/ que você namora/ vou contar pra sua mãe/ que você me ignora"...

Pra terminar, então, bocadinho do Renato Teixeira.

22 agosto, 2008

Mudanças de planos

E eu estava super animada porque amanhã ia ao Luluzinha Camp, conhecer a mulherada blogueira que escreve pelo mundo afora.

Mas é aniversário da sobrinha e afilhada e ela escolheu fazer um churrasco para estar junto com a família, então não dá para fugir de jeito nenhum.

Ainda estou tentando jogar com o fato de que as minhas enteadas vão fazer exame de sangue antes de pegarmos a estrada, mas do jeito que eu sou tímida, ser uma das primeiras a chegar e ainda por cima ficar pouquinho tempo...sei não...

Se eu não for nesse, vou no próximo porque achei a idéia realmente bacana.

20 agosto, 2008

Apelo

Meu menino inventou mais uma técnica para derreter meu coração. Na hora de sair, ele vira para mim, todo charmoso:
-Mãe, você não vai embora de mim!

19 agosto, 2008

Grifos

"The distinction between a natural, uneliminable poverty and pauperism was a moral distinction. Pauperism, an unnatural excess of poverty, consisted not in material but in moral destitution: a set of asocial habits and behaviors, of differences making a 'culture of poverty' that liberalism would replace by a culture of work. It was in everyone's interest that pauperism be eliminated. A large program of socialization, a disciplinary pedadogy, was to socialize the behaviors of poverty through such techniques as association, education, savings, mutualism, and hygiene. Without denying individual interest as the basis of the economic system, philanthropic techniques made pragmatic reference to some kind of collective interest or moral community that was neither economic (related to market) nor juridical (related to contractualism). The result was an intermediate position between the rigidity of a classical liberal model incapable of any reform, and the need for social reform that industrial pauperism demonstrably required. The principle of relief and not of labor was adopted as an assistance policy”.

Procacci, Giovanna. “Governing Poverty: sources of the social question in nineteenth-century France”. Em: Jan Goldtein (ed.). (1994) Foucault and the writing of history: Oxford, Basil Blackwell

Dexter

Dica do Mauricio: Promo de Dexter.

Ainda bem que o tempo anda voando, porque a estréia da nova temporada é só no final do mês que vem.

E eu adorei a Debra, irmã do Dex, super feminina - pelo menos enquanto não ouvimos sua voz, soltando aqueles montes de palavrões...

Ai, como eu curto o Dexter. Sério mesmo, o Edu que me desculpe, mas aquela abertura do Dexter é muito... bacana (para não dizer outras coisas, menos publicáveis num blog tão familiar...). Ui!

Qualquer dia comento sobre os livros, do Jeff Linsay que inspiraram a série (vamos combinar que a série vem tomando um outro caminho, né? O seu tantinho mais moralista, mostrando o quanto o Dexter pode se "humanizar", mesmo que isso signifique apenas mimetizar reações que ele julga que seriam mais humanas). Eu li os dois primeiros - Darkly Dreaming Dexter, que adorei, e Dearly Devoted Dexter, que odiei.

Mas, infelizmente, não hoje, que o mundo gira e a lusitana roda e tem muita coisa para fazer.

18 agosto, 2008

Fantasia

E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção
Então, eu te convidaria
Pra uma fantasia
No meu violão
(Chico Buarque)

17 agosto, 2008

Bambolina

Fomos hoje, Rô e eu, assistir As Aventuras de Bambolina, do Pia Fraus. A peça é baseada (e bastante fiel) ao livro homônimo, de Michele Iacocca.

Para variar, eu fiquei encantada com os atores e os recursos cênicos usados pelo Pia Fraus (quem já viu Gigantes de Ar e passou incólume pela graça das girafas bailarinas? Ou pelas galinhas d'angola, dos Bichos Do Brasil?).

O Rodrigo também gostou, deu risadas, acompanhou interessado as peripécias da Bambolina...

Eles ficam em cartaz no Sesc Pinheiros até o final do mês (mais duas apresentações). Fica aqui a dica de boa diversão para as crianças.

Na toca das leoas


Na última semana de julho, fizeram aniversário minha mãe e minha avó. E eu fiz na primeira semana de agosto. Três gerações de leoninas.

Sempre tive a impressão de que as mulheres da minha família eram muito fortes e bravas. Às vezes até demais para mim, que tentava escapar ao destino, saía pela tangente, sempre achei que era mais virginiana (meu ascendente) do que propriamente leonina. Ao invés dos brilhos e dourados, eu queria mesmo era a discrição, a timidez e a suavidade.

Minha avó se casou cedo, aos 18 anos. Aos 19 estava grávida, aos 25 já tinha 4 filhos. Sua juventude gravada nas fotos espalhadas pela sua casa: cintura fina e sobrancelhas grossas.- cara de brava.

Aos 40, os filhos criados não moravam mais com ela. Então, como não tinha terminado nem a 4ª série, ela voltou a estudar, terminou a escola, fez Magistério e entrou na faculdade de Assistência Social. Muitas das suas amigas mais queridas são desse tempo de faculdade - mesmo mais velha, minha avó sempre teve o espírito jovem.

Quando passávamos as férias em Londrina, eu e minha irmã tínhamos um certo medo dela - ela brigava, punha de castigo, ameaçava passar pimenta nas minhas unhas roídas...Depois, quando aos meus 11 anos fomos morar com ela durante dois anos, a impressão se desfez em parte. Descobri que além de brava, ela é cheia de doçuras. Ela ouvia a gente, farejava problemas à distância e sempre esperava o nosso tempo de criar coragem e dividir as preocupações. Ao mesmo tempo em que era difícil conversar com ela (por causa do medo de sua brabeza), era impossível não conversar com ela, porque seus conselhos e compreensão faziam falta.

Em janeiro quando estive lá com o - doída e triste com uma porção de coisas - não quis que minhas dores se sobrepusessem à alegria de reencontrá-la. Mesmo assim, antes de eu voltar, ela me disse poucas palavras, mas que me deram a certeza de que ela me vira e me ouvira. Brabeza nenhuma: puro mel.

Minha mãe se casou aos 21, já grávida de mim. Terminou a faculdade, foi para São José, fez mestrado. Aos 30 anos, com duas filhas, estava separada - num tempo em que isso nem era comum. Depois, foi fazer parte do doutorado fora do país, deixando minha irmã e eu com os meus avós. Tempo de saudade, mas ela inventava presenças: o telefonema de toda semana e as cartas que chegavam sempre, em papéis de carta especialmente comprados para nós, recheadas de notícias e de adesivos fofos.

Tivemos nossas fases de brigas - duas leoas na mesma casa, não é nada fácil... Mas ao mesmo tempo, ela sempre esteve presente do jeito que sabia estar. Lembro de uma amiga minha que me dizia que eu era mimada, só porque de vez em quando eu ligava para minha mãe no trabalho e dizia: "Mãe, estou com um deseeeejo de comer coxinha". E ela então passava no shopping e trazia coxinhas e fogazzas para o nosso lanche.

Nos finais de semana, ela cozinhava, preparando o cardápio da semana. Imaginem, no auge da minha fase de adolescente dorminhoca, ela esperaria no máximo até umas 9h da manhã para ligar o rádio e começar a cozinhar, singing along com seu vozeirão. Eu em geral acordava brava, mas hoje em dia adoro ir visitá-la e ficar com ela na cozinha.

Quando vim para São Paulo, a gente parou de brigar. Em grande parte porque a saudade pôs as coisas em perspectiva. Senti bastante a falta dela, sobretudo do convívio mais cotidiano, das conversas no jantar ou dos passeios em que a gente fofocava livremente sobre a vida.

Minha mãe para mim sempre foi a encarnação da alma leonina: na exuberância da altura e das roupas coloridas, na voz alta, forte e clara, nas decisões "decididas"...

Uma outra coisa que me fazia sentir o signo como herança eram os signos dos homens que essas leoas escolhem como companheiros: meu avô, sagitariano; meu pai, sagitariano; meu marido: sagitariano. Por mais que eu tente me afastar daquilo que nelas eu credito ao signo - a brabeza ou a forma extremamente assertiva de se colocar no mundo - tais coincidências me deixam a impressão de que é inútil fugir.

Depois de tanto tentar escapar do que em mim é dureza, agressividade e paixão, fui descobrindo quão necessárias são todas essas coisas, nem que seja de vez em quando. Depois que o Rodrigo nasceu, então, céus! Me sinto cada vez mais leonina (e aquele papo de que depois dos 30, a depender da trajetória, é o ascendente que mais aparece, para mim não passou de balela: com o Rodrigo desorganizando tantas certezas que eu tinha, a virginiana em mim foi espantada para um cantinho bem pequeno!).

Mas já percebi que minha parte em toda essa herança está na ferocidade com que luto para escapar dessas identidades enrijecidas. Posso acolher com carinho minhas características de leoa agora porque posso igualmente experimentar o montão de possibilidades que estar viva me dá - independente do signo sob o qual nasci:

"Vai ser coxo na vida é maldição para homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou." (Adélia Prado).

Imagem: http://www.contandohistoria.com/cervoeoleao.htm

14 agosto, 2008

Distraindo Agosto

Então que o senhor meu marido, na semana passada, tinha me mandado um link com uma receita para fazer uma E.V.A. (do Wall.E) de pano. Eu me apaixonei perdidamente pela idéia e o Rodrigo então...

Depois que o Rodrigo nasceu e, principalmente, depois que ele adotou o Amigão como o seu boneco de pano predileto, eu fui obrigada a me virar costurando. Costurei umas duas roupas novas do Amigão na mão, apanhando com o corte ou o jeito certo de costurar.

Aí, no início desse ano, cansada dessa vida de coser à mão, comprei uma maquininha portátil de costura, minúscula, que parece de brinquedo...Mas a danada quebra um galhão, viu? Funciona à pilha e também com uma fonte, que compramos depois. Já fiz barra, reformei vestido, consertei roupa, tentei fazer sacolas (esta última tentativa não deu nenhum pouco certo).

Mas, principalmente, fiz roupas de Amigão, porque o Rô anda com ele para lá e para cá: o bichinho vai na escola, se suja de chão e areia e volta e meia tem que trocar a roupa, tomando o cuidado de manter as partes originais do recheio dos pés e mãos, porque apesar de ter mais dois Amigões (o Da Vó e o Da Bisa), o maior companheiro do Rô é esse mesmo.

Então, com a prática de costurar o Amigão, achei que dava para encarar fazer a E.V.A. Adorei o resultado. Dava para melhorar o acabamento um bocadinho mais, mas ela ficou tão linda e macia, que não tem problema.


Ela vai buscar o Rô na escola hoje. Vamos ver o que ele vai dizer!

(Ela fica na versão acordada - com os braços - e na versão dormindo, graças à maravilhosa invenção dos colchetes!). Na receita, eles falam para pintar o rosto, mas eu preferi usar uns retalhos de brim que eu tinha em casa e costurar mesmo.

Vou contar para vocês: a E.V.A. iluminou meu dia!

PS: no site Dad can do, tem uma receita mais completa, com o molde e um passo a passo para impressão. Ela é pequenina - do tamanho de uma folha A4.

Agosto

Não sei dançar, na voz da Marina

Às vezes eu quero chorar
Mas o dia nasce e eu esqueço
Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões

E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa prá lembrar

Às vezes eu quero demais
E eu nunca sei
Se eu mereço
Os quartos escuros
Pulsam
e pedem por nós.

E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar
Se você quiser
Eu posso tentar
Mas

Eu não sei dançar
Tão devagar
Pra te acompanhar

(letra de Alvin L.)

Bom português

Rodrigo ontem, às 7h da manhã, fazendo preguiça na cama:
- Mãe, sabe o que eu estava pensando?
- O que, Rô?
- Eu estava lá no quintal (na escola) e eu chamava você: mamãe, mamãe...
- Era um sonho?
- Era um sonho...
- E eu aparecia no quintal?
- Você aparecia. Mãe, vamos no quintal, aí você tira o sapato e brinca na areia?
- Combinado!
- Mãe. Você fala combina-da e eu é que falo combinado.

Tudo isso porque quando falo obriga-da, comento sempre que é porque sou menina e ele, que é menino, tem que falar obriga-do...

12 agosto, 2008

Distraindo Agosto

Sugestões para atravessar agosto

Caio Fernando Abreu, Pequenas Epifanias

Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro -- e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.

Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos - ou precauções- úteis a todos. (...)

Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu - sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.

Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques -tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire , a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas - coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.

Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:

***

Maurice, pensando no que você disse, num agosto que já vai longe, você tem toda razão: é realmente nas crônicas que o Caio foi construindo Agosto como experiência.

Mas lembrei de um conto, que está no Ovelhas Negras e que se chama justamente "Depois daquele agosto", em que Agosto aparece, é o momento-quando tudo muda (bem ao estilo da "Primeira Carta para Além dos Muros").


É o momento-quando tudo muda, mas ele não fica aprisionado lá (como em "Sem Ana, Blues"). Quando Aquele Agosto traz a morte para tão perto, estranhamente Ele não dura. Sucedem-se os meses e a continuação da vida dissipa Agosto. Na primavera, no sol e areia, no encontro entre iguais que faz a proximidade possível depois daquele agosto. E então, a esperança: "...porque era cedo demais e nunca tarde. Era o recém no início da não-morte dos dois".

Talvez Agosto seja mesmo essa experiência de adensamento da vida à beira do insuportável, esse doer por dentro que parece que vai durar para sempre, faz parecer tarde demais para qualquer coisa. Mas então, a gente atravessa Agosto - em setembro, em outubro, no próximo ano: o importante é atravessar.

E a vida volta a ser possível. A primavera quando ninguém mais espera, como na música do Wisnik. Explosão de cor e luz. A proteção dos anjos, dizendo Amém.


Imagem: http://www.vallartaonline.com/gallery/photos/buganvilias

10 agosto, 2008

Meu Pai (5)

Muitas das lembranças mais carinhosas que tenho do meu pai incluem um violão. Ele costumava tocar e cantar, desde as músicas das Arcas de Noé (e eu tenho ainda fitas cassete com os LPs da Arca gravados, só porque elas guardam a letra miúda e muitas vezes ilegível dele), até seus rocks.

Uma das músicas que ele cantava para mim era "Leãozinho", do Caetano Veloso, e eu demorei muito tempo para perceber que a música não tinha sido feita para mim. Porque quando ele cantava, era como se fosse. Era como se a música fosse minha, feita só para mim, uma pequena leoazinha: o leãozinho do papai.

Da última vez que nos encontramos, ele me deu um violão. Um violão que não aprendi a tocar direito, mas que me acompanhou durante todos os meus anos de faculdade, embalou festas, tornou as casas onde morei mais habitáveis. Até que numa das mudanças, o violão se perdeu.

Fiquei triste, sobretudo porque o que violão mais guardava eram as inúmeras músicas que ele cantou para mim naquelas férias, com a desculpa da afinação. Estavam gravados na madeira, uns ecos de corda e voz que tornavam a falta dele menos intensa.

Ainda que as músicas que ele cantava não fossem, afinal, feitas especialmente para mim, ali, ao lado, dele, cantando com ele ou apenas o escutando cantar, eu me sentia feliz, porque sabia que ele estava me dando e dividindo comigo uma parte dele.

Não eram só as músicas que viravam minhas. Era o pai que ficava mais meu.

Quando canto para o meu filho, tentando repetir a delicadeza do presente e o aconchego da intimidade, é parte do meu pai que divido com ele: as partes dele que ficaram em mim.



08 agosto, 2008

Cinza

"Se eu pudesse, hoje, varria, isto mesmo, varria as pessoas todas com vassoura, como se fossem cisco. Limpava o chão, passava pano molhado para refrescar, ia chorar e dormir. Meu coração agora faz diferença nenhuma de coração de galinha ou barata que galinha come. Não tem amor nele, nem de mãe, nem de esposa, nem de nada. Tá seco, raivoso e antipático, quer é sossego, quer é relembrar o morto horas a fio (...)". (Adélia Prado)

06 agosto, 2008

Grifos

"Eu faço [da História] um uso rigorosamente instrumental. É a partir de uma questão precisa que encontro na atualidade, que a possibilidade de uma História se desenha para mim. Mas a utilização acadêmica da História é, fundamentalmente, conservadora: reencontrar o passado de alguma coisa tem, essencialmente, a função de permitir sua sobrevida. A história do hospício, por exemplo, tal como foi feita muitas vezes - aliás, eu não sou o primeiro - era essencialmente destinada a mostrar algo como uma necessidade, uma fatalidade histórica. O que eu tento fazer é, ao contrário, mostrar a impossibilidade da coisa, a formidável impossibilidade sobre a qual repousa o funcionamento do hospício, por exemplo. As histórias que eu faço não são explicativas, jamais mostram a necessidade de alguma coisa, mas, antes, a série de encadeamentos, através dos quais o impossível foi produzido e reengendra seu próprio escândalo, seu próprio paradoxo, até agora. Tudo aquilo que pode haver de irregular, de casual, de imprevisível, num processo histórico me interessa consideravelmente".

(Michel Foucault: Entrevistas, Roger Pol-Droit, São Paulo, Graal, 2006, p.98; grifos meus)

A la Mary Poppins


Tenho uma vizinha uns dois andares para cima que, ao dar comida para os inúmeros pássaros que tem em casa, deixa cair uns farelos na minha janela.

Eu só descobri isso porque, um dia, estava trabalhando e comecei a ouvir uns barulhinhos, que pareciam chuva começando a cair. Quando olhei, vi três passarinhos no parapeito da janela, todos lindinhos. Acho que são rolinhas, embora tenha uma família de Bem-Te-Vis que mora na árvore na frente do prédio.

Gostei da brincadeira e agora, todas as vezes que a gente vai na Cobasi comprar a comida dos nossos gerbis sem-vergonhas, a gente traz alpiste. Aí o Rô e eu colocamos no parapeito da janela e recebemos visitas ilustres ao longo do dia.

Agora mesmo, acabei de ver um bem de pertinho.

Ó, mas em minha defesa, só resolvi fazer isso porque em casa temos rede de proteção, que funciona como um "filtro anti-pombas", tá? Só as rolinhas e passarinhos de mesmo tamanho conseguem passar. E também tomo o cuidado de deixar a janela fechada do lado em que está a comida, para evitar que eles entrem em casa e acabem se machucando no desespero de sair.

Da próxima vez, vou pôr alpiste na mão e ficar cantando que uma colher de açúcar melhora tudo!

Imagem: http://www.sugarshockbeauty.com/2007_10_01_archive.html

05 agosto, 2008

Cena 2

Rodrigo continua em casa. Então, de manhã, peguei o telefone para desmarcar um compromisso que tinha à tarde. Escutei a porta da cozinha fechando e ele gritando "estou preso!", mas não dei muita bola porque ele tem essa mania perigosa de se fechar ou de fechar a gente nos lugares.

Só que ele não abria a porta de volta e eu comecei a achar esquisito. Ainda com o telefone na mão e deixando recado na secretária eletrônica, percebi que ele tinha mesmo se trancado na cozinha.

Aí liguei pro Edu, para checar se tinha alguma chave reserva. Não tinha. Tentei ainda fazer o Rô passar as chaves por debaixo da porta, mas as chaves eram muito "gordinhas" e não rolou. Aí o Edu foi tentar ver com os seguros residenciais que temos, mas eles oferecem chaveiro em caso de roubo ou perda das chaves, o que não era o caso. Então fui finalmente chamar um chaveiro.

Enquanto isso, o Rô chamava "mamãe! eu tô aqui". E eu com medo dele mexer em algo perigoso, afinal, ele estava na cozinha...Aí tive a idéia de escrever cartas e bilhetes e ficar passando por baixo da porta, para mantê-lo entretido e por perto. Deu certo.

Até que ele ficou com vontade de fazer xixi: "mamãe, preciso ir no banheiro. Eu quero ir "simbora" para a minha casa...". Ai, que aperto no coração!

Eu lembrei que ele tinha posto o Amigão para lavar, então disse para ele pegar o dito cujo na cesta de roupas, assim o Amigão daria um abraço nele. Ele conseguiu pelo menos se manter calmo, pelos quase 50 minutos que ficou lá dentro.

O Edu chegou praticamente junto com o chaveiro e demorou ainda uns dez minutos para este conseguir abrir, porque o Rô tinha tentado re-encaixar a chave na fechadura e tinha virado de um jeito estranho.

Bom. O importante é que deu tudo certo e ele não se desesperou, né? Tive que fazer um imenso esforço para não me desesperar, porque ficava vendo pelo buraco da fechadura ele passando, meio sem entender direito o que estava acontecendo, com os olhinhos inchados de conjuntivite...

Esses meninos arteiros...

04 agosto, 2008

Cena 1

Eu tentando trabalhar um pouco, Rodrigo do meu lado, na mesa, com folhas de papel verdinho, um monte de lápis e crayons. Aí ele acha o tubo de cola. Aí ele abre o tubo de cola. Aí ele está lambuzando várias folhas com a cola saída do tubo de cola.

Mas ele está com uma cara de feliz...

Agora virou na minha direção mostrando as mãos lambuzadas e disse: "Bu!".

03 agosto, 2008

Inferno Astral

Dizem que o inferno astral nada mais é do que uma chance de reviver um resumão dos acontecimentos do ano que passou a fim de permitir a consolidação das aprendizagens.

Eu, aparentemente, ainda preciso aprender mais um bocadinho a lidar com o inesperado. Ou então, preciso aprender a ter um plano B!

Tenho uma porção de posts pensados e iniciados, mas a vida aqui não está fácil. Prazos que não são cumpridos no trabalho, Rô com conjuntivite (ele tá bem humorado, mas não deve ir à escola por uns dias) e o doutorado criando teia de aranha.

E eu num humor de colocar placa de "Cuidado".

Ou é inferno astral ou é só agosto mesmo. Mas espero que não seja agosto...Com todas as forças do meu corpo...

Depois do ano passado, agosto interminável, este ano mereço pular agosto!

01 agosto, 2008

Início da Semana Mundial de Aleitamento Materno


Muito antes de engravidar, acompanhei de perto as dificuldades que minha irmã - a Mariana - teve para amamentar a Juju. Minha irmã foi mãe adolescente, quando a Ju nasceu ela tinha 16 anos. Mesmo com a pouca idade, a Mari estava convencida da importância da amamentação. Lembro de acordar à noite e vê-la na poltrona, dando de mamar para a Ju, com lágrimas nos olhos por causa das rachaduras.

Nem por isso ela desistiu. Lá em São José dos Campos, ela encontrou o Projeto Casulo, que é dirigido especialmente às mães adolescentes, mas que atende às mães de qualquer idade que precisem de ajuda para amamentar. Foi lá que a Mari conseguiu acertar a pega da Ju (isto é, o jeito com que a boquinha do bebê pega o seio) e parou de ter problemas de fissuras. Ela amamentou a Ju até pouco mais de um ano.

Quando eu engravidei, achava que parto e amamentação eram coisas absolutamente naturais. Santo erro, Batman! Logo depois do nascido, ainda na sala de parto, ele veio pro meu peito mamar. Mas ele não quis muito, não! Ficou me olhando fixamente, ouvindo a minha voz e só dava umas lambidinhas.

Ele ficou em observação (ah, os nascimentos em hospital...) e só veio para o quarto bem cedinho na manhã seguinte. Sempre que ele chorava, eu oferecia o peito, mas ele não conseguia "pegar" e mamar. Nessas vezes, eu chamava as enfermeiras, que tentavam fazer uma "prega" para facilitar a pega dele, mas aí ele mamava uns minutinhos e desencanava.

A descida do leite - o nasceu na quinta e o leite desceu mesmo no sábado - foi um drama. Eu, recém-parida, com os seios doloridos e quentes e o Rodrigo febril por causa da vacina, aí chega uma enfermeira e diz que o Rodrigo está com febre porque eu fechei todas as janelas do quarto e que ele vai precisar tomar Nan porque senão ele vai desidratar. Eu chorava-chorava, tentando fazer compressas frias para aliviar o peito. E chorava-chorava assistindo ele tomar Nan no copinho...

Finalmente chegou o domingo e fomos embora para casa. A pega ainda não tinha ficado acertada e fui orientada a comprar um intermediário de silicone. Comprei, obviamente, porque morria de medo de não conseguir amamentar.

Fomos levando assim, até a primeira consulta na pediatra, quando vimos que ele estava ganhando pouco peso. A pediatra então me acalmou e me disse para tentar tirar o intermediário.

Eu bem que tentei, mas aí via o menino chorando e acabava usando o intermediário...Ele mamava uns 40 minutos em cada peito, não conseguia dormir muito (acho que só dormia de cansaço do esforço de sugar) e eu já estava ficando louca com o pequeno querendo peito o tempo todo. E, claro, não ganhando peso.

A pediatra então me disse para comprar uma concha - assim o bico se faria no próprio peito e seria possível largar o intermediário. Mas eu só consegui mesmo abandonar o intermediário quando minha mãe veio passar uma semana comigo - me ajudando com a casa, a comida e, principalmente, me acalmando, relembrando a história da minha irmã, segurando o durante algumas cólicas...A presença dela foi fundamental para que a amamentação se estabelecesse com tranquilidade. E o gostou da brincadeira - mamava rapidinho (ai, como é gostoso neném pequenininho mamando, ele fecham os olhinhos concentrados...), dormia bem melhor, as cólicas quase acabaram...Tudo de bom.

Hoje o está com 2 anos e 9 meses e mama. Além do início, tão importante, a gente já teve crises ao longo desse tempo todo, claro. Sem a rede de apoio da Materna, não teria passado pelas noites maldormidas, pelos periódicos aumentos da demanda dele por mamar, pela greve de mamar que ele fez (sim, meus amigos, tão achando que bebês não afirmam suas necessidades?). Já contei um pouco sobre essa experiência da amamentação prolongada aqui. Porque era só eu comentar com alguém que o estava acordando muito de noite para alguém vir dizer "é porque ele mama. Para de amamentar que isso passa". Desisti do meu antigo ginecologista porque ele me deu bronca dizendo que depois de um ano era um absurdo continuar amamentando e meu filho ia ter problemas psicológicos de dependência por minha causa...

Não é fácil remar contra a maré, mesmo quando a gente sente - e sabe, já que as evidências em favor da amamentação são várias - que está fazendo o melhor para o nosso filho. Daí a importância fundamental de gente que te escuta, que te provoca a repensar o senso comum, que divide experiências diferentes de maternidade e, principalmente, que te dá mais repertório para escolher.

Fato é que o melhor alimento para o bebê e a criança é o leite materno. Fato também é que - ainda mais hoje em dia - as mulheres precisam ser apoiadas para aumentar as chances de sucesso da amamentação. Os apoios podem ser vários. Sempre me lembro da Analy, contando de sua filha do meio que lhe trazia água todas as vezes em que ela ia dar de mamar ao mais novo...

Apoiar é oferecer um copo d'água, um olhar de compreensão, dividir experiências, ajudar a procurar boas informações...É diminuir as preocupações para que mãe e bebê possam se entender durante os primeiros dias que são de tão delicado reconhecimento...

Para terminar, mais uma vez me inspirando na Thaís, deixo vocês com um vídeo que o e eu adoramos (teve até uns tempos em que ele me pedia para ouvir a música do "Duerme negrito", de tanto que gostava...).



Para quem quiser saber mais:

Matrice - Ação de apoio à amamentação (em São Paulo)
Relatos de amamentação
Amigas do Peito - grupo de apoio (Rio de Janeiro)
Aleitamento.com

Uma lista dos blogs que estão participando pode ser encontrada no Síndrome de Estocolmo.