26 agosto, 2008

Presente

Logo que começaram a namorar, volta e meia ela se pegava com saudade do futuro que teriam juntos. Não era melancólico. Era assim: quando cozinhavam, ela se enxergava velha e o via com cabelos brancos, à beira da pia, cortando habilmente as cebolas; quando cuidavam do jardim, suas mãos borravam até criarem rugas e manchas, e as dele também ganhavam as marcas do tempo, segurando as mudas a serem plantadas em domingos ensolarados. Nada mudava realmente, a não ser o corpo deles e o fato de que, então, teriam um imenso passado juntos.

Agora que estavam realmente velhos, ela continuaria sentindo saudades de seu futuro juntos, não fossem os resultados dos exames dele, as internações e as cirurgias, que haviam interrompido o fluxo contínuo do amor.

Na noite anterior, ele lhe confessara estar cansado e desejar apenas estar em casa. Com ela, com os filhos e netos.

Deixando de lado de uma vez por todas a saudade em relação ao futuro, aceitou, enfim, o presente que a vida lhe dava, respondendo-lhe que sim, que ele podia estar em casa, que ela já não o sacrificaria em nome de um futuro cada vez mais estreito. Aceitou a vida, aceitou a morte. Por amor a ele.


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