28 agosto, 2008

Maternidade como experiência - parte I


Então que anda difícil sentar para escrever. Mas hoje, depois do almoço, uma preguiça que me dá a certeza de que não vai adiantar abrir o livro e começar a ler me animaram a roubar um tempinho.

Na semana passada, em que a polêmica em torno da aprovação ou não da extensão da licença-maternidade estava ainda acesa, eu tinha começado a escrever um post. Mas a semana passada foi tão intensa e de fervilhar de idéias que o post acabou ficando todo confuso e no final não juntava pé com sapato. De maneira que fui obrigada a poupar vocês de um texto sem nexo.

Durante a minha pesquisa de mestrado, eu ainda não tinha filho. Minha pesquisa era sobre o chamado "desemprego oculto pelo desalento", isto é, a situação em que há ausência de trabalho, mas por quaisquer razões, não há procura, embora persista o desejo de trabalhar (a categoria estatística é mais precisa que isso, mas não há razão para aborrecer vocês). A idéia de desemprego oculto, ainda mais num país como o nosso em que a formalização do trabalho e as políticas de seguridade no desemprego são restritas, é importante para dar visibilidade a situações que fogem do conceito de desemprego aberto (ausência de trabalho + procura "ativa").

Vejam lá: dá para um indivíduo que seja provedor da casa ficar procurando indeterminadamente? É bastante mais provável que ele vá fazer alguns bicos. De fato, ele está desempregado. Na estatística, ele está ocupado. Então, a idéia de desemprego oculto pelo trabalho precário dá visibilidade a essa situação, permite que ele seja "posto na conta" do desemprego. Um estudante que, depois de procurar por muito tempo, decide dar um tempo de mais de um mês na procura, deixará de ser contado como desempregado e passará à inativo. A categoria desemprego oculto por desalento, assim, o traz de volta para a conta.

Comecei falando nisso porque esta categoria põe de volta na conta principalmente mulheres e jovens - aqueles que, mais legitimamente, podem abdicar da procura temporariamente. Por isso é que seu trânsito pelo mercado de trabalho é objeto de regulações e disputas.

Aqui no Brasil ainda estamos longe disso, mas na França, por exemplo, em que as licença-maternidade são mais longas, chegando a cobrir os dois primeiros anos da criança, há uma imensa discussão sobre o efeito dessas políticas sobre as estatísticas do desemprego. Trata-se, claro, de uma política de estímulo à natalidade, de incentivo às mães que optem por ficar com seus filhos. Mas os argumentos sublinham que deveria se tratar de uma opção, quando na verdade é da falta dela que se trata: as mulheres são as mais sujeitas ao desemprego oculto ou às ocupações precárias (salário abaixo do mínimo, poucas horas de trabalho na semana...), tanto mais lá, em que o núcleo duro dos assalariados são homens, brancos, pais de família.

Claro que se trata de outro padrão de proteção social, mas fiquei recuperando todas essas idéias porque, afinal, do que se trata quando se fala da extensão da licença-maternidade de 4 para 6 meses?

De cara, sabemos que é um estímulo a que se cumpra uma das recomendações do Ministério da Saúde: aleitamento exclusivo até 6 meses, sem que as mães se vejam obrigadas a se desdobrar em mil para estocar leite materno, complementar com outros leites ou introduzir outros alimentos. Isso é um ganho considerável, do ponto de vista do desenvolvimento do bebê e com impactos sobre o Sistema de Saúde, já que a desnutrição e a desidratação são causas de mortalidade infantil.

Do ponto de vista do vínculo, também deve fazer diferença, pois é a partir dos 4 meses que os bebês começam a aprender as gracinhas, sorrisos, interações. Não que antes disso eles não façam ou não aprendam, mas os 3 primeiros meses são tão "biológicos", isto é, são tão de fusão total com as necessidades de alimentar-trocar-vestir-cuidar que é quase um contrasenso que, no momento em que a distinção mãe-bebê está apenas começando, haja uma separação de fato. Não à toa, tem muita mãe que fica quase doente: a ausência, gente, juro que não é só psicológica - ela é física, ela dói no corpo. Para que haja uma distinção saudável entre mãe-bebê - e estou falando a partir da minha experiência, tá? - , acho que faria muito mais sentido a presença do que a ruptura.

Se bem que aqui talvez caiba uma diferença. Essa separação-ruptura acontece quando estamos falando de modelos de emprego 40horas (ou mais) por semana, em um lugar distinto da casa. A gente sabe que hoje em dia as relações de trabalho são super plurais, então a volta ao trabalho aos 4 ou 6 meses talvez não faça tanta diferença para algumas mulheres, que têm a possibilidade de conciliar trabalho e maternidade de um jeito diferente.

Aí está um outro problema dessa lei (que nem é obrigatória para todas as empresas, depende da adesão destas). Como bem apontou a Denise num post sobre o assunto as mulheres no mercado de trabalho brasileiro (mas isso é assim em outros lugares também) ocupam trabalhos precários, de baixos salários, muitas vezes nem registrados em carteira. A extensão da licença não vale nada para elas do ponto de vista do direito, pois elas estão à margem da legislação trabalhista.

Reconhecer isso não significa negar a importância da lei, que ninguém quer jogar a criança com a água do banho. É simplesmente reconhecer que há heterogeneidade no mercado de trabalho e iniciativas boas acabam sendo limitadas, reforçando mais os efeitos de desigualdades (de gênero, dentro do gênero, já que há mulheres ricas e mulheres pobres, mulheres mais e menos escolarizadas, mulheres no mercado formal e mulheres no mercado informal).

Bom. Mas vou tentar terminar este post que já está ficando absurdamente longo.

Comecei falando que, na época da pesquisa de mestrado, eu não tinha passado pela experiência da maternidade. Minha dissertação tem um capítulo sobre mulheres, chamado "Mulher é desdobrável" (inspiração na Adélia Prado). Eu entrevistei duas mulheres, a Fátima e a Suely. A Fátima não teve filhos. A Suely tem dois - um bem mais velho, já no ensino médio na época da entrevista, e um mais novo, que tinha 3 anos então.

A percepção da Suely, separada, em relação ao lugar do trabalho antes e depois de ser a principal provedora da casa é muito interessante. Depois da separação, depois do segundo filho, quando ela se torna a responsável pela casa, tudo muda. E ela se desdobra realmente para não ficar parada, para trabalhar, fazer bicos, o que pintar. Na época da segunda entrevista que fiz (na primeira, ela estava desempregada), ela estava trabalhando. E a maior felicidade dela era que o trabalho era quase na esquina da sua casa, o que permitia ver os filhos, ficar com eles por um período, cuidá-los. Vê-los crescer... Em seus cálculos, era melhor um emprego de meio período mal remunerado, do que a sua ausência. E olhem que ela está amparada por uma rede bem importante de familiares que moram perto!

Lembro das discussões que tínhamos, lá no programa Oportunidade Solidária - que fomentava a criação de cooperativas para a geração de trabalho e renda - quando aparecia a questão de que, na contramão dos nossos desejos de "formalizar" cooperativas, espaços de trabalho, mecanismos de gestão - descobríamos que as mulheres queriam mesmo era trabalhar em casa, para cuidar dos filhos. A informalidade lhes servia.

Antes de ter o Rô, eu entendia esse ponto de vista, racionalmente. Depois dele, eu passei a entender, no corpo inclusive.

E é por isso que concordo com a Denise que uma outra parte dessa mesma discussão é a ampliação da licença-paternidade (porque vamos combinar que 5 dias é rí-di-cu-lo!) e a questão das creches e escolas de educação infantil. Concordo, mas não inteiramente.

Aguardem cenas dos próximos capítulos!

* Quem quiser dar uma olhada na dissertação, é só acessar o Banco de Teses da USP e procurar por "experiências de desemprego em São Paulo" ou "Fabiana Jardim"

Imagem: felicidadejfmg.zip.net/images/MulherTrabalho.gif

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