25 julho, 2010

Falando da vida, falando da morte


O post que eu tinha começado a semana passada continua do mesmo jeitinho - inacabado.
Mas pelo menos o post que também estava no rascunho há tempos, no Margens, hoje deu pra escrever: Quando a vida é uma ordem. É sobre cuidados paliativos. Eu sei, o assunto não é exatamente agradável, mas nem por isso é menos necessário pensá-lo e falar sobre ele.

Tem uma expressão de que gosto muito e que, apesar dela se referir especificamente a tratamentos alternativos em saúde, acho que cabe em discussões como essas: "medicina doce". Pra mim, como paciente e usuária do sistema de saúde, quando penso em como gostaria de ser não somente tratada, mas cuidada pelos profissionais de saúde, é com essa "doçura" de que os cuidados paliativos também são exemplo: respeito à vida, informações claras e claramente comunicadas, o mínimo de exames e tratamentos agressivos ou invasivos... 

Mudando de alhos para buganvílias (meu avó falava de alhos para bugalhos, mas a Veronika subverteu a expressão e todos concordamos que bungavílias são tudo de bom nessa vida...), hoje assisti comediazinha romântica com o moço bonito que eu adoro... bobinha e previsível (como todas as comédias românticas), mas gostosinha. Pra botar o coração de molho no vinho e ver se a segunda-feira amanhece macia...

Ah! Pra terminar com boniteza:

Orvalho
O poema se vestiu de nuvem
e no horizonte adormeceu lilás.

E o frio que seguiu foi culpa do vento:

espalhou a poesia em gotas.

Thalita Martins, nos Pássaros Achados. Lindo, não? E uma das coisas que eu mais gosto nessa vida é grama molhada de orvalho - o cheiro, a sensação de pés descalços... "poesia em gotas", que a gente sorve homeopaticamente, mais para alimentar a sede do que para saciá-la.

Imagem: www.gettyimages.com

19 julho, 2010

Variadas


* Até tinha começado outro post, no final de semana, mas aí Rodrigo está de novo baqueado de gripe, de modo que passamos o final de semana meio de molho. Mas também, como é que podia ser diferente, com o frio dolorido que andou fazendo? So da mesmo vontade é de ficar amontoadinho, enrolado no edredom, tomando chá de hortelã e comendo...

* E por falar em comer, para distrair o Rodrigo uma estratégia que é (quase) sempre um sucesso é cozinhar. Na sexta-feira à tarde, decidimos então fazer muffins de blueberry (a partir da receita da Neide, de muffins de pitanga) e cookies de banana (a partir da receita que ele trouxe do Familiarte).

Os muffins ficaram deliciosos e a gente fez direitinho como manda a receita, com exceção, talvez, das raspas de limão, pois em casa só tinhamos do limão tahiti (quero dizer, até tinha um restinho de limão rosa, mas a casca não estava convidativa à experiências...). 

Vou confessar: estava traumatizada de experiências com muffins - eu tinha tentado fazer duas vezes, para levar ao piquenique, os muffins de maçã de um livrinho que tenho em casa. Da primeira vez eles não cresceram - fiasco total. Da segunda, foi pior: os tais ficaram salgados (culpa minha que li na pressa e botei bicarbonato a mais). Mas a receita do Come-se estavam tão convidativos... Quando saíram do forno, marido exclamou "agora sim!!!".

E respondendo ao pedido da Priscila, a receita dos cookies de banana é a seguinte:

Ingredientes

1 xícara (chá) de manteiga
1 banana amassada
2 colheres (sopa) de água
1 e 1/2 xícara (chá) de açúcar mascavo
1 xícara (chá) de çúcar cristal
2 xícaras (chá) de farinha de trigo (branca, integral ou meio a meio)
2 xícaras (chá) de aveia em flocos finos
1 colher (chá) de fermento em pó

Numa tigela, junte a manteiga, a água, os açucares e a banana amassada. Em outra tigela, coloque a farinha, o fermento, a aveia e misture bem.
Feito isso, misture todos os ingredientes formando uma massa homogênea com bastante liga. Unte uma assadeira grande e pré-aqueça seu forno. Enquanto isso, vá fazendo bolinhas, achate-as e depois as coloque na assadeira. Leve para assar em fogo baixo por 15 minutos e assim que as bordas dos cookies ficarem douradas, é hora de tirá-las.
Você pode também acrescentar na massa gotas de chocolate (granulados costumam ressecar), passas ou nozes.

Fica simplesmente maravilhoso. Os daqui de casa, mesmo eu tendo deixado passar do ponto e ficar mais durinhos, acabaram rapidinho!

* Ontem, fiquei assistindo a entrevista do Zizek no Roda-Viva. Vale muito a pena!

* E acho que por enquanto é isso: essa navegação mansa pelas superfícies do viver... É que às vezes a gente precisa mesmo disso - tomar folêgo e despressurizar antes de empreender um novo mergulho.

09 julho, 2010

Reparação

Já faz um tempo, mas eu ainda não tinha ainda tido a calma para escrever.

No meio da gripe do Rodrigo, estávamos nós dois sentados no sofá em plena quarta-feira à tarde e, enquanto ele assistia desenhos, eu passeava por blogs. Nesses passeios, fui visitar o da Julia, minha enteada do meio (na verdade, só tenho duas enteadas, mas como penso no conjunto dos filhos da família, ela é a do meio, entre a Bia, a mais velha, e o Rodrigo, o mais novo, e não tem jeito de eu falar de outro jeito).

Comecei lendo a última postagem, feliz que ela começara a postar trechos de um livro que está escrevendo (sim, ela escreve, e bem!). Aí fui passando para a postagem de baixo, desavisadíssima. Lia e parecia que não entendia,  lendo ali um pedaço da nossa história, os olhos enchendo de lágrimas, o susto de quem foi pego desprevenido. Rodrigo, ao meu lado, me olhando meio consternado: "mamãe, por que você tá chorando?". Expliquei: "é que a Julia escreveu uma coisa muito bonita e a mamãe está muito emocionada". Acho que a resposta foi satisfatória, porque ele voltou a assistir seu desenho.

À noite, quando as meninas chegaram, tentei - envergonhada e delicadamente - contar para a Julia que tinha lido. No que fui absolutamente frustrada pelo meu filhote dedo-duro, que de cara entregou "É, ela viu. Chorou muito!". Com mais vergonha ainda, só me restou agradecer. É que tem coisas que é difícil mesmo pôr em palavras, ainda mais essas, tão cheias de sentimentos.

Quando conheci o Edu, conversamos por longas horas, e ele me contou das suas filhas. Depois disso, demoramos a nos reencontrar, o meio tempo entremeado por mensagens que foram se tornando cotidianas, e ele sempre me falando delas, do bom gosto musical e da inteligência da Bia, da doçura, sensibilidade e bailarinagem da Julia. Então, logo que começamos a namorar, foi ao mesmo tempo estranho e natural que ele logo quisesse me apresentar a elas.

Deu medo, confesso. Início de namoro nunca é fácil - mas ser apresentado aos filhos, ainda mais quando o pai é como o Edu, cuidador zeloso e apaixonado, dá mais frio na barriga que ser apresentado aos pais. Faz tudo parecer mais sério. De modo que, uma semana depois de começarmos a namorar - uns três meses depois de nos conhecermos - lá fui eu conhecer as meninas.

Minhas lembranças são muito parecidas com as da Julia - fim de tarde, Edu preparando um yakissoba, a descoberta de amigos em comum, e enquanto a Bia conversava e contava histórias, a Jú, envergonhada, parecia querer se esconder atrás (ou dentro) do Edu.

Em começo de namoro, a gente sempre é convidado a se ampliar por dentro, abrindo espaço para a outra pessoa. Eu, privilegiada, tripliquei meu espaço interno para acolher os três, que também me acolheram e aceitaram. Sem pressa alguma, fomos todos aprendendo a ser essa nova família.

Nesses nove anos desde o início do namoro, vi as duas crescerem, virarem mulheres lindas, inteligentes, absurdamente queridas.

De modo que eu só tenho a agradecer, pois sem as duas, certamente eu também não seria quem sou hoje - sem elas, talvez não haveria tanta preocupação em fazer o apartamento de homem do Edu ficar mais parecido com uma casa-lar, nem haveria cuidado em preservar tempo no meio de mestrado/doutorado para estar com elas e vê-las crescer, nem haveria uma porção de filmes, músicas e séries descobertas e partilhadas.

Aliás, talvez não houvesse nem casório, já que foi a Júlia a me dar um ultimato, na lata, no estacionamento de um hortifruti que nem existe mais: "mas você quer casar com o meu pai, né?". Engoli mais seco do que se fosse um pedido de casamento :-)

O amor, o carinho, a admiração são recíprocas, Ju, tenha certeza.

05 julho, 2010

Pão com ovo

Depois da Veronika ter escrito lá no Piperca (apelido super simpático e charmoso inventado pela Neide) sobre a importância de, nos piqueniques, levarmos algo mais ao paladar dos pequenos - que, em geral, correm, exploram, brincam e pulam e quase não comem - tinha ficado pensando no que levar. E aí, na semana passada, fui começar a (tentar) trabalhar e marido tinha deixado aberto o blog do Katsuki, num post sobre piquenique. Então, resolvi: ia levar pão com ovo.

A decisão me levou longe no tempo. Quando eu estava na 5ª série (a antiga, que a gente fazia aos 10 ou 11 anos), minha melhor amiga era a Anna Carla. A gente se conhecia desde a 4ª série, e já éramos bastante amigas - eu achava o máximo o fato dela ser chilena e adorava visitá-la, para ouvir a família toda falando em espanhol... Além disso, seus pais eram separados como os meus, o que me fazia me sentir um pouco menos anormal (naquela época, eu só tinha duas amigas cujos pais tinham se separado, a Anna e a Paola).

Depois que a mãe dela se casou de novo e engravidou, eles se mudaram para uma casa mais longe, o que tornou nossas visitas menos constantes. O engraçado é que pouco me lembro da nova casa deles, mas me lembro bem do encantamento de andar no trailer da família. Era simplesmente o má-xi-mo!!

Mas me lembrei da Anna Carla porque, enquanto ela ainda morava mais perto e as visitas eram mais comuns, eu adorava dormir na casa dela. Aos finais de semana não haveria tanta graça; eu gostava mesmo era de ir dormir lá em dia de escola. A gente brincava, papeava até cansar e, no dia seguinte, a mãe dela nos acordaria cedo, nos faria café e prepararia a iguaria tão cobiçada: um sanduíche de pão com ovo, em pão francês.

Eu não sei bem o que me encantava mais - que a mãe dela preparasse o lanche (acho que eu levava bolachas de pacotinho ou, mais tarde, dinheiro para comprar algo na cantina), que ela se preocupasse com o meu lanche, que na hora do recreio (eita palavrinha velha!) eu tivesse aquele segredo de ovos guardado na mochila... O fato é que, por muito tempo, quando eu queria uma comida de conforto, daquelas que imediatamente fazem a gente se sentir acolhido e amparado, frequentemente minha escolha recaía sobre um pão francês com ovo. Comida que, pra mim, sabe a cuidado e partilha.

E que alegria foi ver a criançada comendo os tais sanduichinhos, recheadinhos de salada de ovos e de memórias de infância!

30 junho, 2010

A Toy Story

Não, não vou falar do filme. (A gente até foi ver no fim de semana de estréia e eu tinha pensado em escrever a respeito já que o curta é lindo, o filme é muito bom, eu chorei em bicas, o Buzz Lightyear é a melhor personagem ever... Mas acho que perdi o momento oportuno e agora fiquei vazia de vontade de falar do assunto). Então, retomando, não é sobre o filme que vou escrever, mas sobre o brinquedo predileto do Rodrigo: o Amigão.

Desde que o Rodrigo tinha um ano, ele adora um boneco de pano que herdou da minha sobrinha - uma espécie de travesseirinho, com roupa xadrez e mãozinhas e perninhas mamolengas. Já falei dele algumas vezes, porque foi devido ao Amigão que acabei me aventurando no mundo da costura, e, como uma coisa leva a outra, foi por causa dele que aprendi a fazer softies variados, comecei a fazer barras de calças em casa e, por tudo isso, até ganhei uma máquina de costura de presente da minha avó. É que, volta e meia, a roupa do Amigão tinha que ser refeita e aí, nessa de praticamente costurar um novo Amigão, acabei tomando gosto pela coisa.

O Amigão já viveu várias aventuras. Como o Rodrigo não dorme sem ele, já rolou lavá-lo e em seguida secá-lo no forno (e já rolou também de eu, atrapalhada, errar na regulagem do forno e queimar todo o forro do bichinho - e dá-lhe costurar um novo forro!); já rolou esquecê-lo na casa de um amigo ou na padaria;  já houve tentativas de substituição, sempre frustradas... E o Amigão já foi muitas vezes à escola, ao parque, ao cinema. Até na médica ele ia junto, para ser pesado e medido, cuidador zeloso que o Rodrigo é.

O Amigão é o companheiro-mor do Rô: já foi lenço, já foi saco de pancadas; é companhia na hora de dormir; é com quem ele aprende a ser pai; é com quem ele aprende a respeitar os limites do outro, menorzinho, mais frágil (vira e mexe ele vinha me explicar as razões pelas quais o Amigão não podia fazer certas coisas, por ser pequeninho, por ser neném...).

Imaginem então vocês o susto que tomamos ontem, depois de voltar da visita à médica (e o Amigão continuava pesando seus 100 gramas!), e constatarmos que o Amigão não estava. Procura dali, procura daqui, refaz mentalmente os passos, liga pro supermercado onde paramos para beber água, liga na companhia de ônibus e nada de Amigão.

Meu coração doído ao ver os esforços do Rodrigo em conter o desespero. "Acho que ele caiu na rua, mãe!"; "Acho que ele está triste e sozinho"... Pior mesmo quando ele me confidenciou: "mas mãe, eu sei o cheiro dele"!

E não é mesmo absurdo que possa desaparecer no mundo aquele pedacinho de coisa que a gente ama a ponto de conhecer os detalhes, de saber de cor o cheiro? Não é da memória desse convívio intenso e cotidiano que a saudade é feita?

Choramos, lembramos, nos doemos. E ele me pediu para fazer um novo Amigão. E eu, tão triste quanto ele, fui fazer. Montei a máquina, cortei os panos, costurei os pedaços. Ficou a cara do antigo. Mas não era o antigo. Na hora de desenhar os olhos, a boca e o nariz, Rodrigo se lembrou do detalhe: "mãe, ele tinha uma coisinha assim no nariz", um pequeno restinho do traço que fez o círculo; fizemos igual. Mas não era o mesmo Amigão - não tinha vivido com o Rô tudo o que o velho viveu, não tinha o mesmo peso, nem o mesmo cheiro.

Rodrigo dormiu agarrado ao novo Amigão e ao fiapinho de esperança que tivéssemos esquecido no ônibus e hoje estivesse nos Achados e Perdidos. Fiapinho frágil, eu sabia, o que só me dava mais tristeza de antecipar a frustração mais uma vez.

"Tomara que alguma criança boazinha o encontre e cuide bem dele", era o que eu pensava. É que também me afligia pensar no Amigão abandonado em alguma calçada ou, pior ainda, jogado no lixo. Coisas que carregam tanto amor não deviam sumir assim.

Às dez ligamos novamente na empresa de ônibus. Infelizmente, só sacolinhas, casacos e muitos documentos. Rodrigo chorou de novo.

Quando comecei a escrever esse post, o final da história era triste: Amigão desaparecido no mundo, nós com saudade, lamentando a perda.

Mas eis que, descendo para encontrar o Edu, esperávamos na calçada e, de repente,  o Rodrigo me puxa e aponta: "olha, mãe, é o Amigão!". Atordoada, olho pro chão e vejo o Amigão, ensopado, sujo, atropelado... Mas lá. Era ele mesmo. Feliz, peguei o bichinho que agora está na máquina de lavar, tomando um merecido banho.
Não sei onde o perdemos, talvez tenha sido mesmo logo aqui, no portão de casa. Mas a meninice dentro de mim me sussurra que não - que o perdemos mais longe, e que ele aproveitou a noite escura para vir andando até aqui, com suas perninhas malemolengas, seu corpinho que nem pára em pé e, sobretudo, com o amor imenso que ele tem pelo Rodrigo - cujo nome está impresso na costura de sua roupinha.

É bobagem, eu sei. Mas o retorno do Amigão me renovou a fé e a esperança. Na vida. No encontro. No amor.

(E talvez, falando do Amigão, eu esteja afinal também falando do filme...).

25 junho, 2010

Deleite

Deleite é palavra erótica: cheia de abandono e gozo, de maciez e quentura. Deleite é cremoso e esparrama depois de cravada a primeira mordida, exigindo da boca e da língua o esforço inútil de não deixar nada se perder. Deleite é massagem sem pressa, mãos mornas deslizando, desfazendo nós, inaugurando lugares do corpo. É a água escorrendo quente pelo cabelo, pelo pescoço, pelos ombros, límpida e clara, lavando todo o peso do mundo. Deleite é embalo de rede, memória de útero tramada no pano. É música que escorre por dentro, acendendo arrepios e acordando meios-sorrisos. É escalda-pés ao fim do dia, os pés afundando na água fervente, avermelhando e depois se deixando ficar até se acostumarem à quentura (e à dor). Deleite é palavra boa, saborosa e úmida: derrete na boca feito doce aerado - os vazios dando lugar à plenitude do gosto. Pronunciá-la é estalar o prazer, no fundo da boca, no fundo do corpo.

23 junho, 2010

Quando o corpo consente*

Então que tomei chá de sumiço nos últimos tempos...Primeiro por correria mesmo: teve Brasília, linda e na lua cheia, plena de encontros e família; depois teve São Paulo fria e garoenta em inglês, já que fui a um seminário acompanhar duas estrangeiras - uma americana e uma canadense - que foram super pacientes com as ferrugens do meu inglês, e passeamos pela Paulista e pela Augusta, almoçamos no MASP e até tomamos café na Oscar Freire (o tempo era curto; eu queria mesmo era tê-las levado ao Centro); e depois teve feriado com filhote doente e, uma semana depois, quando ele melhorava, a gripe dele passou pra mim e ainda não foi embora.

Por conta da gripe não pude ir ao piquenique desse mês, num dia tão luminoso que só podia mesmo ter sido precedido de um longo período de cinza: o sol daquele domingo parece ter sido gestado devagarinho, para renovar as esperanças e tornar o encontro possível...

Pelo menos, uma semana depois, torcer pelo Brasil deu - embora o jogo mesmo tenha passado batido, tanta conversa e comida boa havia a ser partilhada.

E também deu para ir à defesa do Marcus - que sendo amigo da família Rillo Alencar só podia mesmo ser especial -, participar mais um pouquinho do trabalho bonito que ele fez (eu já tinha tido o prazer de revisar).

Só não deu para ir dar um abraço de verdade no Mauricio - mais um ano e mais um furo. Querido, não sei como você não me rifa! Mil perdões.

Depois de tanta coisa, tá tudo meio de perna pro ar: prazos de trabalho atrasadíssimos, textos empilhados, trabalhos de alunos a corrigir - tudo em meio a muito cof, cof, cof. Fora as pequeninas chateações, como a perícia médica para a contratação na USP, que tinha me liberado (já fui lá por três vezes) e agora pediu mais exames. Como se para ser contratada eu tivesse que estar perfeitamente adequada a todo e qualquer intervalo de normalidade... Dá uma réiva, que nem conto...

De todo jeito, estou tentando voltar a escrever, mesmo que seja difícil. E nem é pelo tempo. Acho que tem um pequeno agosto se formando por aqui, querendo abrir espaço para o novo florescer, querendo interromper essa correnteza sucessiva e incessante. É sempre um pouco dolorido e, por vezes, exige silêncio.

Por isso, quando fui dar título ao post, me veio à cabeça o título desse livro, composto pelos relatos de três mulheres sobre a gravidez e o parto de uma delas (escrevem a mãe, a filha - grávida - e uma parteira). Não, não estou grávida, nem pensando no assunto. É que não é só engravidar e parir que dependem do consentimento do corpo; depois dessa gripe, e dessa incômoda lembrança que o meu corpo pode me deixar na mão, fiquei pensando que adoecer também depende do corpo consentir. Adoecer também exige uma espécie de abandono, de confiança no próprio corpo, de respeito ao que ele pede - descanso, silêncio, muita água... Nesses nossos tempos, assim como parir naturalmente, adoecer não é fácil. Tem sempre imperativos  que nos atropelam, exigindo da gente estar bem e produtivo. Eu mesma acho que venho arrastando o adoecer pelo menos desde a entrega da tese (e lá se vai mais de um ano!). Dessa vez não deu: meu corpo me deu um ultimato e exigiu de mim parar um pouco.

Então, parei. E estou tentando retomar o movimento devagarinho.

Ainda bem que, no meio de tudo, tem a voz da Tulipa Ruiz para me embalar... Gentes, ela é linda demais! Eu comprei o cd e não canso de ouvir - parece que cada vez descubro uma coisa nova, uma música que vira preferida... (No domingo, eu cozinhava e ouvia a Tulipa e aí o Rodrigo chegou na cozinha e por lá ficou, voltando inúmeras vezes a faixa 9, dançando e pulando. Coisa querida da vida!).

Então, para encerrar o post e voltar (devagarinho) para a lista de afazeres, mais um pouquinho de Tulipa, falando inclusive de uma temporalidade lenta e própria ao amor.



* Título de Marie Bertherat, Thérèse Bertherat, Paule Brung (São Paulo: Martins Fontes, 1997).

09 junho, 2010

Das promessas


Casamento (Adélia Prado)

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

06 junho, 2010

Presença (e Ausência)

Feriado prolongado, Rodrigo desde sexta-feira fazendo febres, querendo colo, tomando pequenos e contínuos goles de água de coco... Cansaço e preocupação e também muitos pensamentos sobre essa relação de cuidado que vai se transformando: quando ele era menor, em algum ponto entre bebê e criança, o colo o acolhia, o peito o alimentava e hidratava, dormir perto nos acalentava a ambos. A doença ia e vinha e os modos de cuidar continuavam. Já faz um tempo que não é assim, que a doença vem e vai e a gente aprende o quanto ele cresceu - choraminga, quer presença, em tempo mais largo que o integral, mas já aprendeu que o colo não faz melhorar mais rápido. Me emociona, porém, saber que, apesar disso, acorda com febre à noite e procura as minhas mãos. Me emociona que apesar das minhas falhas e da minha impotência diante das dores que são só dele, ele me queira por perto mesmo que para dizer somente "eu estou aqui".

E para termnar esse post meio nonsense, registro um trechinho de Alan Pauls, selecionado pela Taísa (via Facebook), perfeito para falar desses fogos brandos que a gente vai carregando vida afora, lembranças mornas daquilo que nos falta:

"porque há estados de alma tão incandescentes que abordá-los é renovar seu ardor e arder... só é possível, então, afastar o olhar... fazer de conta que ainda resta algo no mundo que as chamas ainda não consumiram, até que o tempo, única força realmente invulnerável, capaz de afetar sem ser afetada, faça seu trabalho e o que era brasa viva seja por fim o tênue eco de um calor, uma cinza inofensiva" (Alan Pauls, O Passado).

01 junho, 2010

Agridoce



(porque todo sushi mistura a acidez do vinagre de arroz e açúcar).