24 julho, 2009

Flor de Obsessão



Este post ia se chamar, de novo, algo como "perder-se, desdobrar-se". Mas então resolvi mudar-lhe o nome e chamá-lo assim, "flor de obsessão".

Era o Nelson Rodrigues quem se auto-entitulava flor de obsessão, porque - de fato - ele tinha alguns temas a que retornava sem cessar: desde os jovens, a esquerda até os umbigos . E eu sou uma fã de carteirinha das crônicas dele, a ponto de ter pensado em trocar o objeto de estudo do mestrado, na Teoria Literária, das crônicas do Drummond para as dele (mas isso já é outra história...).

Como eu tinha dito - e a ausência de posts confirma - ando mesmo sem vontade de falar ou escrever. Se pudesse, ficava escondida do mundo, quietinha e em silêncio, apenas com meus discos e livros. Como não dá, tenho alimentado um bocadinho a alma com coisas bonitas de ler, ver e ouvir. Ontem, por exemplo, acabei comprando um livrinho da Eva Furnari chamado Luas, que é tão delicado e feminino que não resisti: meu presente de aniversário antecipado...

No começo da semana, visitando o blog da Sally, topei com uma citação que tinha me animado a escrever umas tantas palavras, provavelmente menos pra me comunicar do que para amansar meus leões: "É preciso ocasionalmente perder-se quando queremos aprender algo das coisas que nós próprios não somos" (Nietzsche).

Tenho pensado muito sobre se perder e sobre como "a volta" de estar perdido não é reencontro, mas descoberta. Tenho pensado muito sobre como são (cada vez mais) estreitos os limites para que façamos o exercício de dar significado às coisas, para que possamos pôr em questão o objetivo mesmo que nos move, para que possamos respirar e refletir, ao invés de sermos pura ação e pró-ati-vi-da-de (e talvez esses pensamentos tenham também a ver com a coluna do Tony, já há algumas semanas).

Tenho pensado nisso provavelmente porque ainda não consegui me perdoar pelo resultado final da tese (e os pesadelos recorrentes a respeito reforçam essa hipótese). Com todas as ponderações - tive filho; não tive pudor em seguir as pistas de minhas intuições; tive crises; envelheci; mudei de interesses... - eu me envergonho pelo "produto final", porque pra mim forma e conteúdo estão tão imbricados que me dói - fisicamente, inclusive - ler minha tese. Ela é minha, nos erros e acertos. Eu que gestei e pari. Mas eu queria tanto mais para ela... E não houve tempo ou, pra dizer melhor, minhas escolhas me puseram em descompasso com o tempo de que eu dispunha para fazê-la. O tempo me atropelou, me deixou sem fôlego, quase que me afoga.

Mas sei que sou tão diferente do que era quando a comecei. Sei que, apesar de tudo, ela é fruto do meu esforço - tão desgastante, principalmente porque tem como consequência o descompasso que comentei acima - de pesquisar de modo a não perder de vista a pergunta do Foucault, que o Maurice um dia colocou lá no Margens sob o título provocador "pra quem está terminando tese": "Que devo ser eu, eu que penso e que sou o meu pensamento, para eu ser o que eu não penso, para que o meu pensamento seja o que eu não sou?" (Michel Foucault, As Palavras e as Coisas).

Perder-se, despedir-se de si mesmo, desdobrar-se: minha obsessão dos últimos tempos. Tentativa de entender o que foram todos esses últimos quatro anos; de me afastar da minha forma de me colocar frente às referências e às evidências (e à vida); de pesquisar uma nova forma, mais confortável, de estar no mundo.

Esforço de escapar desse incômodo tempo das "coisas que não são mais", mas também "não são ainda" (como fala a Hannah Arendt, com quem também convivi por tanto tempo). De assumir que me perdi à meio caminho, sem me culpar por isso. De acolher o tempo em que estive perdida, de aprender a ficar grata pelas possibilidades que isso me abriu.

Reaprender a me ver no espelho: eu que quase não mudei, mas que já não me reconheço.

Imagem: Alicia

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