23 maio, 2011

dia 4

Essa deveria ter sido para o sábado, em que havia previsão de fim do mundo. Eu, como já confirmei presença no verdadeiro evento do fim do mundo, em 20/12/2012, deixei pra postar no dia seguinte - e como o domingo foi enrolando nos meus pés a segunda-feira, e também a terça, só hoje consigo finalmente postar.

Então, na categoria "pra embalar o fim do mundo", a belezura do Karnak. Que, como já ensinou o Drummond, às vezes o mundo acaba sem a gente perceber, sem nem um barulho seco de folha...

22 maio, 2011

dia 3

Essa é na categoria "música para cantar com a Ana Lucia no ônibus e ouvir de um velhinho que a gente desafina".

Nos idos anos de 1996, 97, num ônibus subindo a Brigadeiro Luiz Antonio, Ana e eu nos esforçávamos para lembrar a letra dessa música. Nossa memória ainda não era tão falha e lacunar como hoje em dia, de modo que puxa dali, larareia dali, fomos cantando a música enquanto o ônibus resfolegava nas duas últimas quadras antes da Paulista. Finalmente, nosso ponto e descemos, ainda cantando. Junto, saltou um velhinho, comentando alguma coisa que já não me lembro direito, mas que tinha o inequívoco sentido de reprovar nossa afinação. A gente deve ter arregalado os olhos e dado risada. Mas parar de cantar a gente não parou não - que vezemquando é bom distrair o ferro do suplício e cantar uma esperança.

21 maio, 2011

dia 2

essa é na categoria "votos de amor honestos": se você vier, pro que der e vier, comigo/ eu te prometo o sol, se hoje o sol sair/ ou a chuva, se a chuva cair".

Já falei dessa música aqui antes, sobre quão delicado é esse convite que promete apenas mãos dadas ao longo do caminho - afirmação dos amantes frente às intempéries da vida.

Na saúde e na doença. Na alegria e na tristeza. Que o amor não pode muito mais que um breve "descanso na loucura". E já é tanto...

20 maio, 2011

dia 1

No facebook rola uma moda de desafios por 30 dias. tem de música, tem de filme,  tem de livros. tem desafios mais especializados. e aí eu comecei a fazer um de música, a partir de categorias inventadas por mim mesma. e agora estou pensando em fazer o mesmo aqui, porque ao menos seria uma desculpa para voltar a escrever cotidianamente. e eu estou me pós-doutorando em arranjar desculpas para cavar tempo pro que importa de verdade :-)

Então, começo com "música predileta da cantora predileta". Porque eu realmente adoro essa coisa do amor correndo devagar, no seu próprio tempo - pura poesia, pura utopia: samba e amor até mais tarde, muito sono de manhã.


Maternidade



A rede de segurança enquanto a gente aprende a pisar os caminhos difíceis e cheios de desafios. Se tudo der certo, a teia fica tecida mesmo é no de dentro - pra gente não tombar tão feio quando cair em si.
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06 maio, 2011

ponto de fuga

No meio de tanta gente, meu olhar tateia, vagueia, para finalmente convergir em você. E o espaço se abre em amplitudes e as cores em intensidades. A vida inesperadamente adensada, em plena expansão.
Ao mesmo tempo me alegra e me confunde, sua comparência silenciosa e constante, esboçada em traços finos de lápis - sob risco da borracha, como se suspeita de erro.
O cansaço dos dias, as incertezas dos caminhos e a confusão dos tropeços borrados em torno dessa sua presença límpida e mansa. As linhas tortas finalmente reunidas em ilusória direção: caminho infinito à frente e alguém com quem caminhar em quietude.


Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.
(Mário de Andrade)

05 maio, 2011

fluxo

porque tem dia ou melhor tem dias assim no plural e unidos no mesmo fio da pressa em que o folêgo falta e atravessar as horas exige pernas fortes pulmão amplo coração acostumado à rapidez e esses tempos corridos não são nem cansativos porque cansar exige pausa e "quanto mais coisa a gente faz mais coisa consegue fazer" me disseram e logo depois um encontro com alguém que sinceramente não sei como pode tanta coisa o trabalho a escola o casamento o curso de línguas e eu me espanto porque não entendo tanta pressa escolhida eu se pudesse escolhia meu próprio tempo e ele é quase sempre lento que meu folêgo é curto e vira e mexe é preciso vir à tona e redescobrir o ar no meio da pressa as pessoas mesmo as mais queridas e interessantes se perdem viram ponto luminoso no horizonte e o mundo gira pro lado oposto e constrói distâncias onde a gente queria palmilhar um caminhozinho e esse desencontro me dói como uma perda um vislumbre de alegria enterrada na areia que escorre sem parar da ampulheta implacável como é que faz para virá-la começar de novo recordar e planejar e esquecer as mesas sempre empilhadas de livros e textos e tarefas nunca concluídas e a pia empilhada de xícaras e pratos e lembranças de refeições apressadas e o quarto empilhado de roupas usadas e não usadas esperando um lugar na preocupação e no armário tantas pilhas e a gente escorrendo por entre elas no meio delas já sem saber o que importa e eu te convido vamos fugir? a fuga difícil mas só a promessa já me tira do peito um peso já me infla uma esperança no oceano agitado ainda por algum tempo é preciso seguir a correnteza  ainda por algum tempo abandonar-se a ela deve ser isso o que chamam de ser adulto quando ser criança ainda era tomar o tempo em goles largos agora não sei que angústias as crianças de hoje espero que só as inescapáveis e eu perpendiculo as mãos em T e peço pausa digo não finco o pé porque daqui do meio do fluxo vejo um pouso que me interessa e então sei que é preciso interromper.

02 maio, 2011

Nós mesmos a sós*

Depois de ter escrito o último post (e de ter revisto o filme e escutado a trilha do Les chansons d'amours incontáveis vezes), fiquei pensando no amor e na solidão. Parece um pouco cinza dizer assim, como se eu andasse triste ou melancólica, mas não é bem isso: é mais um exercício de pensar que a beleza do filme se produz bem nesse interstício entre um amor duradouro, com todos os seus problemas, e certa solidão que nem mesmo a companhia parece fazer desaparecer. Ainda assim, se alguma chance de escapar existe, a aposta é ainda no amor - na presença de outro, que nos ama e a quem amamos, que nos toca, nos abraça, que modifica o mundo ao enchê-lo de sinais.

E depois de rever o filme, pensei também no conto-novela do Caio Fernando Abreu, "Pela Noite" (Estranhos Estrangeiros: São Paulo, Companhia das Letras, 2002), de que gosto tanto e que fala também de modo tão dolorido sobre desencontros e sobre a graça do encontro - reconhecimento e mergulho cego no outro, no corpo do outro. E que armadilha que, como nós, o outro também tenha um corpo por continente, um corpo vivo que pulsa, sangra e goza, mas que também muda de ideia e parte ou, exagero de abandono, morre.

Com todas essas coisas na cabeça, ainda fui ler O fuzil de caça, de Yasouchi Inoue. Quem me falou do livro havia mesmo comentado sobre a excessiva solidão da personagem, mas é realmente impressionante como Inoue - ao lançar mão das cartas para contar a história - nos coloca em uma posição de solidão parecida à de Josuke Misugi. Como a personagem, ficamos na mesma posição de ler e aceitar as decisões de três mulheres importantes em sua vida, que ao mesmo tempo em que escrevem para ele, escrevem apesar dele, escrevem para se livrar dele. É tão triste e tão exato que a personagem principal quase não apareça, senão do modo como as três mulheres o pronunciam.

O livro é de 1949 e os ecos da experiência da II Guerra aparecem aqui e ali. Não apenas por isso,  me fez lembrar, embora não imediatamente, do livro de Graham Greene, Fim de Caso. O livro de Greene é de 1951, e acabei me lembrando dele principalmente por conta de um elemento que - para mim - pareceu bastante estranho na narrativa de Inoue: a presença da ideia de pecado.

A indicação do livro de Inoue me foi feita em meio a uma conversa sobre literatura japonesa e também em meio a um comentário sobre o estranhamento provocado, numa mesa sobre desemprego e experiências de desempregados, pela apresentação de pesquisadores japoneses que apontavam a centralidade do sentimento de vergonha para a compreensão das experiências subjetivas dos desempregados japoneses. Participando da mesa, havia finlandeses, alemães, suecos... e eles eram visivelmente incapazes de compreender que fosse possível alguém sentir vergonha; culpa, certamente, mas vergonha? São matrizes de codificação moral bastante diferentes.

Por isso me espantou tanto a sedução que a ideia de pecado assume na narrativa de Inoue - algo que agrega ao "erro" o peso do segredo. O interessante é que é uma ideia de pecado ela mesma estranha (para nós, ocidentais), pois que à revelação não sucede nenhuma salvação; à revelação parece suceder a súbita compreensão justamente da inadequação da própria sensação de pecado. O peso não vai embora devido à  algo como uma expiação, mas porque é o próprio pecado que se dissipa.

A solidão, no romance de Inoue, parece vir do oco dos rituais, símbolos e códigos. A distância irremediável a que todos os personagens estão submetidos, em relação uns aos outros, marca um absoluto desencontro. E aquilo que podia assumir o caráter de ponte - as cartas honestas e claras dirigidas à Josuke Misagi - revela uma ruptura ainda mais intensa, dando realidade a uma solidão que já se inflitrava pelos poros daquela vida.

Muito diferente, portanto, da tensão e da angústia de Fim de Caso, em que o pecado nunca pode ser expiado, mas é amenizado por meio de uma distância artificialmente criada: solidão auto-infligida e imposta ao outro, visando uma salvação absolutamente mundana. O que diferencia radicalmente os dois livros, além dos sentires de raízes tão distintas, sem dúvida é a ideia de Deus - aceita como milagre ou recusada como absurda e sem sentido - presente em Fim de Caso. Em comum, além da época sombria em que foram escritas, ambos podem ser reflexões sobre solidão e amor, sobre essa espécie de inescapabilidade (existe essa palavra horrível?) da solidão e sobre as promessas e limites do amor para cutucar rachaduras onde a saída se reveste de pedra.

* verso de poema de Fernando Pessoa para Sá-Carneiro. "[...] porque ha em nós, por mais que consigamos/ Ser nós mesmos a sós sem nostalgia/ Um desejo de termos companhia [...]".

26 abril, 2011

maré

Parar para escrever não tem sido nada fácil. Já perdi a conta de quantas vezes cliquei em Nova Postagem, provocada pela vontade de colocar em palavras uma impressão, uma experiência ou mesmo a dificuldade de reservar um tempo para deixar a maré baixar e ficar à espreita do que emerge.

Escrever exige de mim um respirar mais lento. Um pouco de silêncio ou um pouco de música recém-descoberta em loop. É que tem música que ressoa tanto que amplia o silêncio, delineia  melhor os cantos por dentro da gente. A de hoje é essa aqui:



Quem me deu o filme foi o Mauricio. E estou morrendo de saudade do Mauricio. Mas me lembrei das músicas porque reencontrei a Monika no feriado e essa foi uma das coisas que ouvimos. Ouvimos também  (e contamos) histórias, desejos, cotidianos, descobertas... Reencontrei também a Mércia e a Tarsila, queridas e companheiras, tão suaves que demandavam a maciez do silêncio para não acordar as dores ainda cicatrizando.

E então a chuva e o frio e o cinza. A morte e a dor tão próximas dos que amamos. É do silêncio, portanto, que escrevo. Do vazio cavado à força, por dentro de um tempo roubado ao do relógio. Deveria estar trabalhando, terminando a declaração do IR, respondendo mensagens. E no entanto paro e escrevo para tentar segurar o mar com as pontas dos pés: o esforço inútil esquecido na brincadeira de cavar buracos na areia, de ver os pés se cobrindo de areia molhada - ampulheta sem redoma.

Por três vezes nas últimas semanas cruzei desconhecidos que pouco depois reencontrei - num outro andar, algumas ruas adiante, em frente ao mesmo elevador... Engraçado, né? A desconfiança de que as coincidências são pequenos sinais de alguma ordem oculta que governa o mundo...

Tão vendo? Desaprendi de escrever. Começo e não sei terminar. Espero a maré baixar, começo,  apenas para me abandonar no excesso de água e sal. Não vou me debater para não me afogar. Vou confiar, como o Quintana, que continuarei vindo "à tona de todos os naufrágios".

Então acho que por enquanto é isso: essas letras um tanto borradas, ainda úmidas e rescendendo à maresia. Um barulho indistinto que nem é silêncio, nem é conversa: é só o eco da saudade doída que a gente ameniza levando a concha aos ouvidos.

13 março, 2011

nesperança

faz um tempo que notamos a folhagenzinha verde que despontou: frágil, mas também decidida, foi crescendo, crescendo. mãe de um filho, sabia que o jeito era deixar crescer. mesmo sem saber o que era, mesmo sem pistas de como aparecera. do outro lado do vaso, outro brotinho igual a lhe fazer companhia.

hoje, mexendo nas plantas, descobri-lhe a identidade: é pé de nêspera, brotada de sementes há muito tempo lá depositadas, junto com a esperança de que pudessem renascer. com a revelação, uma felicidade infantil de quem se surpreende com a vida inesperada.

especialmente hoje, em que a dor que tem epicentro do outro lado do mundo me atinge e me inunda, que lindo ver a brotar duas nesperanças, para relembrar que do silêncio e do fim também se ressurge.