23 agosto, 2010

anotado a lápis


Fim-de-semana de visita à mãe, onde topei com memórias empoeiradas - feitas de papel, de caneta, de gesso e de metal. Misturadas todas na gaveta do armário.

Tinha a embalagem do livro que o Petronio me trouxe de além-mar, registro de carinho e conspiração por e-mails com a Ana Lucia; tinha lembranças de casamentos, nascimentos e variados quinze anos; ttinha a carteira de vacinação e o último boletim do colégio, com mensagem querida da professora predileta; tinha o bilhete delicado que o Ricardo me mandou quando passei no vestibular, lembrança incandescente do vazio de maré cheia que ele deixou.

E daí encontrei trechinhos de leituras que ia fazendo. Como esta, com data de maio de 2001:

 "Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruím ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero todos os pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado" (João Guimarães Rosa, no Grande Sertão: Veredas).
 
Encontrei também alguns bilhetes e cartas da Ana, que por alguma razão escaparam à reunião na caixa comum. Como um pequenino papel onde pousa uma borboleta amarela:
 
"E isso implica um trabalho sobre os limites e no limite da arte, à beira do abismo - onde o disforme resiste à forma, impele ao fracasso e deixa adivinhar o impronunciável" (Plínio W. Prado Jr, na apresentação à Descoberta do Mundo, da Clarice Lispector).

Foi tão bom jogar uma porção de coisas fora! Como se, ao perder certas chaves de mim, ficasse leve para me reinventar.

Imagem: Nacho Gómez.

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