Não, não vou falar do filme. (A gente até foi ver no fim de semana de estréia e eu tinha pensado em escrever a respeito já que o curta é lindo, o filme é muito bom, eu chorei em bicas, o Buzz Lightyear é a melhor personagem ever... Mas acho que perdi o momento oportuno e agora fiquei vazia de vontade de falar do assunto). Então, retomando, não é sobre o filme que vou escrever, mas sobre o brinquedo predileto do Rodrigo: o Amigão.
Desde que o Rodrigo tinha um ano, ele adora um boneco de pano que herdou da minha sobrinha - uma espécie de travesseirinho, com roupa xadrez e mãozinhas e perninhas mamolengas. Já falei dele algumas vezes, porque foi devido ao Amigão que acabei me aventurando no mundo da costura, e, como uma coisa leva a outra, foi por causa dele que aprendi a fazer softies variados, comecei a fazer barras de calças em casa e, por tudo isso, até ganhei uma máquina de costura de presente da minha avó. É que, volta e meia, a roupa do Amigão tinha que ser refeita e aí, nessa de praticamente costurar um novo Amigão, acabei tomando gosto pela coisa.
O Amigão já viveu várias aventuras. Como o Rodrigo não dorme sem ele, já rolou lavá-lo e em seguida secá-lo no forno (e já rolou também de eu, atrapalhada, errar na regulagem do forno e queimar todo o forro do bichinho - e dá-lhe costurar um novo forro!); já rolou esquecê-lo na casa de um amigo ou na padaria; já houve tentativas de substituição, sempre frustradas... E o Amigão já foi muitas vezes à escola, ao parque, ao cinema. Até na médica ele ia junto, para ser pesado e medido, cuidador zeloso que o Rodrigo é.
O Amigão é o companheiro-mor do Rô: já foi lenço, já foi saco de pancadas; é companhia na hora de dormir; é com quem ele aprende a ser pai; é com quem ele aprende a respeitar os limites do outro, menorzinho, mais frágil (vira e mexe ele vinha me explicar as razões pelas quais o Amigão não podia fazer certas coisas, por ser pequeninho, por ser neném...).
Imaginem então vocês o susto que tomamos ontem, depois de voltar da visita à médica (e o Amigão continuava pesando seus 100 gramas!), e constatarmos que o Amigão não estava. Procura dali, procura daqui, refaz mentalmente os passos, liga pro supermercado onde paramos para beber água, liga na companhia de ônibus e nada de Amigão.
Meu coração doído ao ver os esforços do Rodrigo em conter o desespero. "Acho que ele caiu na rua, mãe!"; "Acho que ele está triste e sozinho"... Pior mesmo quando ele me confidenciou: "mas mãe, eu sei o cheiro dele"!
E não é mesmo absurdo que possa desaparecer no mundo aquele pedacinho de coisa que a gente ama a ponto de conhecer os detalhes, de saber de cor o cheiro? Não é da memória desse convívio intenso e cotidiano que a saudade é feita?
Choramos, lembramos, nos doemos. E ele me pediu para fazer um novo Amigão. E eu, tão triste quanto ele, fui fazer. Montei a máquina, cortei os panos, costurei os pedaços. Ficou a cara do antigo. Mas não era o antigo. Na hora de desenhar os olhos, a boca e o nariz, Rodrigo se lembrou do detalhe: "mãe, ele tinha uma coisinha assim no nariz", um pequeno restinho do traço que fez o círculo; fizemos igual. Mas não era o mesmo Amigão - não tinha vivido com o Rô tudo o que o velho viveu, não tinha o mesmo peso, nem o mesmo cheiro.
Rodrigo dormiu agarrado ao novo Amigão e ao fiapinho de esperança que tivéssemos esquecido no ônibus e hoje estivesse nos Achados e Perdidos. Fiapinho frágil, eu sabia, o que só me dava mais tristeza de antecipar a frustração mais uma vez.
"Tomara que alguma criança boazinha o encontre e cuide bem dele", era o que eu pensava. É que também me afligia pensar no Amigão abandonado em alguma calçada ou, pior ainda, jogado no lixo. Coisas que carregam tanto amor não deviam sumir assim.
Às dez ligamos novamente na empresa de ônibus. Infelizmente, só sacolinhas, casacos e muitos documentos. Rodrigo chorou de novo.
Quando comecei a escrever esse post, o final da história era triste: Amigão desaparecido no mundo, nós com saudade, lamentando a perda.
Mas eis que, descendo para encontrar o Edu, esperávamos na calçada e, de repente, o Rodrigo me puxa e aponta: "olha, mãe, é o Amigão!". Atordoada, olho pro chão e vejo o Amigão, ensopado, sujo, atropelado... Mas lá. Era ele mesmo. Feliz, peguei o bichinho que agora está na máquina de lavar, tomando um merecido banho.
Não sei onde o perdemos, talvez tenha sido mesmo logo aqui, no portão de casa. Mas a meninice dentro de mim me sussurra que não - que o perdemos mais longe, e que ele aproveitou a noite escura para vir andando até aqui, com suas perninhas malemolengas, seu corpinho que nem pára em pé e, sobretudo, com o amor imenso que ele tem pelo Rodrigo - cujo nome está impresso na costura de sua roupinha.
É bobagem, eu sei. Mas o retorno do Amigão me renovou a fé e a esperança. Na vida. No encontro. No amor.
(E talvez, falando do Amigão, eu esteja afinal também falando do filme...).