20 março, 2010

Pequenos Milagres


A despeito de todas as minhas aflições, Rodrigo parece estar aprendendo a ler. Aos quatro anos e meio! Já tive a fase de me desesperar e tentar frear o processo, mas obviamente que não deu certo.

A escola em que ele está, em princípio, não ensina as crianças da idade dele a ler. O que não significa que a escola não tenha sua parcela de responsabilidade nessa precocidade, por meio de materiais e práticas que estimularam ainda mais a curiosidade de crianças que, via de regra, vivem em ambientes que já as estimulam à leitura e à escrita.

No ano passado já percebíamos que ele e o grupo dele estavam curtindo muito a coisa toda de reconhecer o próprio nome, tentar reconhecer o dos amigos, contar o número de letras... Mas este ano, a coisa vem vindo em saltos muito mais velozes: o nome dele ele já escreve - e também o da irmã (Bia) e o de uma amiguinha (Ana). Reconhece quase todas as letras, escreve várias delas (é claro que ainda com alguns espelhamentos, em especial nos S ou N). Eu, sem jamais perder a esperança, achando que era apenas uma aquisição motora, de desenhar as letras.

Mas esta semana percebi que não. Começou que na quarta-feira, estávamos no banheiro e comentei com ele sobre o baby wipes. Na hora, ele me perguntou: "começa com b, não é mamãe?". Respondi que sim, e perguntei com ele sabia; ele disse que tinha visto na embalagem, mas olhei e não tinha B nenhum lá... No mesmo dia, falávamos de alguma coisa e eu mencionei uma "casa" qualquer, ao que ele me perguntou se "casa" começava com K. Ou seja: o ser já fez a correspondência entre letra e som.

E piora (rs...)! A Bia o ensinou a brincar com o teclado, num documento em branco do word. Ela o ensinou a fazer bonequinhos, encher a página de símbolos ou letras, brincar, enfim. Mas logo o mocinho se deu conta de que as letras do teclado escreviam coisas e passou a escrever o próprio nome (e é muito engraçado, porque se não estiver em CAPS LOCK, ele não reconhece o que escreveu em minúsculas). Aí, quinta de manhã, ele estava nessa brincadeira quando resolveu escrever o nome do Uriá - também amiguinho da escola. E, na fala, o Rodrigo ainda troca "r" e "l". Eu achava que ele escrevia o nome dos amigos de memória visual, mas nesse dia percebi que não: ele escreveu o U, e foi escandindo o nome em voz alta. Escreveu ULA, e ainda reclamou que faltava o acento!

Finalmente, hoje, às 6h30 da manhã (o cara dormiu às 19h e acordou às 5h30...), Rodrigo assistia Pocoyo. Aí começou a falar que o nome do Pocoyo tinha mudado, que agora era Pê-coyo (!). E comentou, também escandindo as sílabas: tem três letras.

É claro que desse nível em que ele está até ler de fato vai um longo caminho, mas eu fico besta de perceber como é rápido. Tem sua dimensão de milagre, também, essas aquisições que modificam profundamente a forma de estar no mundo. E é por isso que me dá uma certa aflição, porque gostaria que ele curtisse mais essa fase de criança pequenina, mergulhada no brincar, e no experimentar fisicamente as coisas. Ele adora desenhar, pintar, colar, construir, correr, e tenho medo de que a leitura - mesmo sendo um ganho cognitivo - implique no abandono dessas outras dimensões. Mas por outro lado, também talvez seja apenas uma questão de cuidado, de busca de equilíbrio, de continuar garantindo a ele momentos de bagunças variadas. E a verdade é que ninguém o forçou a nada, essa aquisição não está atropelando o ritmo dele mesmo, que é o que mais tentamos preservar.

E pensando nisso, no meu entressono das 6h30 da manhã, me lembrei das minhas Revistas Alegria, que vinham com histórias de muitos escritores bacanérrimos, e também atividades gostosas (o primeiro "prato" que fiz na vida veio dessa revista - tomate recheado com salada de arroz!). Eu curtia muito essa revista, acho que até pouco tempo tinha uns exemplares na minha mãe... Mas me lembrei dela porque, em algum número, tinha a história de um menino que aprendia a ler e, no momento em que ele se dava conta disso, ele exclamava, emocionado "mãe, aprendi a ver!".

Acho que o desafio, diante dessa possível aquisição do Rô, será a de contrariar essa história da revista Alegria - será provocá-lo a continuar vendo da maneira como já vê, ver para além da leitura e da escrita, ver tocando, ver ouvindo, ver sentindo... O desafio será o de ensinar a ele que ler/escrever é só mais uma forma de estar no mundo, mas não a única e nem a principal.

Imagem: http://victaoml.wordpress.com/2009/09/05/gramatica/

2 comentários:

  1. Olha, o João aqui de casa tb começou a ler. Aprendeu primeiro em japonês e depois português. Agora começou a ler inglês. hauhauahauha
    E eu não sou uma pessoa muito letrada. hahahha

    beijo

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  2. Thaís, eu lembrava mesmo do João ter começado a ler, antes mesmo da Mel ir pra escola. O que dá nessas crianças? E o João ainda é poliglota! Incrível como ele não se confunde!
    Rodrigo é tímido pra falar inglês; por enquanto, só conta até dez. Mas hoje falou pra mim: "come along"!, Detalhe: jurando por Deus que estava falando "submarino" ;-)
    Beijos!

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