19 março, 2010

Houve um tempo

Houve um tempo em que a vida corria com trilha sonora - para cada amigo, para cada amor, para cada encontro, uma música diferente, ritmos diferentes, intensidades diferentes. Houve um tempo em que a cidade era poesia, e que andar no centro nos dias azuis latejava por dentro até não mais poder. Houve um tempo em que a televisão mal era ligada, tanto havia por viver. Houve um tempo em que as tardes se esticavam entre giz-de-cera, lápis de cor, colas, tesouras e papéis coloridos, reencontro de infância. Houve um tempo em que a Hilda Hilst guardava os sonhos, à cabeceira. Um tempo em que o cheiro da roupa lavada era sinônimo de manhã ensolarada. Houve um tempo em que o amor era complicado e, depois, um tempo em que o amor era mais complicado, mas ainda assim bom. Houve um tempo em que os sonhos projetavam um futuro largo. Um tempo em que tudo duraria para sempre. Houve um tempo em que a vida transbordava das margens. Um tempo de florescer. Houve um tempo de escuridão, que também duraria para sempre. Houve um tempo de solidão e abandono. E houve tempo de recomeço. "Houve um tempo em que tive um rio por dentro". Ouve atento: caudaloso, esse rio que me fecunda em seus ritmos de cheias e secas.

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