16 outubro, 2009

Mas já que se há que doer...

... que pelo menos seja com poesia :-)

Desde ontem, minhas costas deram de doer um monte. E, como acontece nessas ocasiões (que eram frequentes durante algum tempo, mas tinham parado há uns quatro anos), me lembrei do Drummond e de seu poema dolorosamente lúcido, em que ela fala da vida como ordem e do peso imenso que carregamos sobre os ombros - a mão de uma criança: a lembrança, bem em meio à tempestade do presente e da vida nua, de que há que guardar espaço para o futuro.

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

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