25 setembro, 2010

boniteza

Então. Amanhã escrevo com mais calma, porque essa semana acabou meio em clima de Agosto - uma tristeza funda e dolorida frente ao desencontro entre aquilo que somos, o que podemos ser e o que está sendo feito dessas possibilidades. Eu bem acho que esse desencontro todo tem a ver com a distância que vai do cotidiano da gestão e da política que acontece no todo dia (aquilo que a gente vem chamando desde 88 de  mecanismos de democracia participativa) e o espetáculo da política que se encena nos momentos rituais de celebração da democracia representativa. Acho mesmo que, à medida que a democracia se consolida, essa distância, se não pensada e nomeada, traz a sensação de descolamento entre o que somos e o que parecemos ser - porque só há pouco temos aprendido a olhar o que de político há em diferentes níveis, inclusive no mais próximo, como reclamar do mau atendimento no posto de saúde ou tentar mudar a lógica das relações sociais no próprio ato. Mesmo reconhecendo essa distância, é tão dolorido ver - naquilo que deveria ser a festa da consolidação de nossas recentes transições democráticas - o envenenamento dos ânimos, a exaltação das posições irracionais, que não só desconhece o Brasil que nos tornamos do ponto de vista econômico e social, mas também desrespeita as aprendizagens às duras penas do Brasil que nos tornamos do ponto de vista político, desmerece o recalcitrante desejo de cidadania dos homens e das mulheres que vivem e trabalham todos os dias, e que todos os dias têm que se afirmar como cidadãos mesmo quando as condições não permitiriam sequer sugerir tal coisa, porque não é assim - como cidadãos iguais, com direitos e deveres iguais - que são tratados. Desmerece também os esforços e sacríficios daqueles que têm dado suas vidas a estruturar políticas, construir e consolidar programas, fazer funcionar a máquina administrativa por vezes tão frágil que a gente chama da Estado, em prol do cidadão que reconhecem em cada indivíduo. Então, desculpem pelo desabafo, mas como disse, andou difícil, andou pesado... Por outro lado, como dizia o André Abujamra, "o açúcar é doce, e o sal é salgado", então caminhemos que a vida é assim mesmo: às vezes peso e amargor, às vezes leveza e doçura, e a maior parte do tempo as duas coisas juntas ao mesmo tempo.

Mas aí que, passeando pelo youtube, encontrei esse vídeo do Milton cantando "Clube da Esquina nº 1", e foi tão preciso que divido aqui com vocês, junto com a minha esperança de que a manhã e setembro nos cheguem, que essa pequena noite seja vencida, que as janelas se abram e que nos encontremos na esquina, nas esquinas.

3 comentários:

  1. Fabiana,

    Vou te dizer que a eleição que eu mais participei e que foi uma festa, um marco, foi a de 1989. Depois, até participei de 1994, mas o desânimo tomou conta. Acho que tem muita coisa desvirtuada, e a discussão de propostas para um país melhor é inexistente.

    Beijos

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  2. Dáfni, para você ver: em 89 eu morava no Paraná, tinha 12 anos, e me lembro principalmente do clima de polarização horroroso, de todas as teorias da conspiração frente à possível vitória do Lula e dos argumentos babantes de direita que continuam circulando por aí (Lá em casa, meu avó gritava indignado que não ia dividir ao meio sua sala para implantar o socialismo, veja você...).
    De lá pra cá, muita água rolou debaixo da ponte, pro bem e pro mal. Concordo contigo que o clima hoje é mais de cansaço e desânimo, mas também acho que os espaços onde se discute o país, ainda que setorialmente, não é esse das eleições e da democracia representativa e isso é um baita problema.
    Em 2002 ainda tinha um clima de esperança - mesmo porque o final do segundo mandato FHC foi de doer, né? Eu fazia pesquisa de campo para o mestrado e lembro das várias vezes em que ouvi as pessoas enunciando sua sensação de impotência (o que é pior do que desânimo, talvez).
    A sensação que tenho agora é de acirramento das contradições e de esvaziamento da discussão, como você diz. E aí a gente tá na roça, porque nem os políticos põem a discussão na mesa (já que pode haver custos políticos em esclarecer as propostas), e nem sempre os que têm investigado mais a fundo e menos normativamente que Brasil é esse que estamos nos tornando merecem espaço na mídia. E a gente fica sem referência. Ora achando tudo terrível, ora vendo luz no fim do túnel, mas sem ancoragem numa crítica mais densa.
    Não sei, não sei. Como diria o Machado de Assis: cousas...
    Beijos!

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  3. Fabiana, eu acho que a gente não tá na roça tanto assim, não. Em eleições nem a gente nem outros países discutem propostas como se faz aqui nas conferências. Mesmo com problemas, as conferências nacionais, como a de C&T que você foi, são muito mais apropriadas, eu acho, para indicar o caminho das políticas públicas, não em eleição, onde por definição não vai ter consenso. Você talvez esteja chateada porque agora caiu ou voltou a ficha que eleições sempre tem um lado sujo, da fofoca, calúnia, mesquinharia, mentira e mistificação, que aqui como nos EUA de 2008 estão organizados em torno dos poderosos grupos de comunicação, e que fundamentam, por exemplo, a atual oposição ao Obama no ódio ao Estado e no racismo exacerbado. Ou melhor, nem dá pra dizer exacerbado porque não tem racismo light... nem aqui nem lá. Racistas, aliás, ganharam quase 6% do parlamento da Suécia, onde todo mundo faz faculdade, na base do xingamento e demonização dos imigrantes...
    O Marcos Coimbra, entretanto, chama a atenção para uma evolução nessa eleição, que é o maior peso da escolha eleitoral menos nos atributos pessoais e mais nas realizações (http://www.viomundo.com.br/politica/marcos-coimbra-o-povao-e-nova-maneira-de-avaliar-os-candidatos.html) : " o foco da escolha deixa de ser o artista e passa a ser a obra".
    Não é a toa que, na contramão da queda das esquerdas na Europa para gente como Berlusconi ou Sarkozy, estamos prestes a eleger uma mulher ex-guerrilheira divorciada e nerd.
    A sensação de esvaziamento da discussão eu também acredito que vem em parte da queda de qualidade do trabalho da imprensa. A Folha de S.Paulo, por exemplo, foi dito depois da reforma que virou um jornal para quem não gosta de ler... é covardia comparar com o NYTimes ou mesmo com o Clarin... e tem a internet e tal, com impactos tanto em grau quanto em profundidade do que discutimos, e nem sempre para pior.

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