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Assim que o filho finalmente se rendeu ao sono provocado pela monotonia da paisagem correndo indistinta pela janela, retirou da bolsa o pequeno tesouro de capa cor-de-rosa. Era muita estrada pela frente e, enquanto o ônibus vencia o asfalto, ela percorria as páginas daquela casa erigida com palavras. Com algum pudor inicial - ao invés de proteger, a casa desnudava -, embarcou na aventura prometida, balouçando (é bonita essa palavra, que sacoleja e ecoa o tilintar de louças brancas ou azuladas?) com as personagens no ritmo do trem. No começo estranhando as sentenças um pouco soltas como os pensamentos que a gente tem quando se ocupa das miudezas do viver, mas rapidamente adentrando aquela imensidão dos grãozinhos de histórias que lhe lambiam os pés e depois chegavam ao joelho e então ao umbigo e aos seios até que estava inteira mergulhada no cotidiano do ir e vir daquele trem, no ir e vir daqueles dias, no ir e vir da vida. O dia a dia cansativo e duro transformado em atenção; a atenção espelhada em encontro; as transparências do vidro em suas diversas formas cintilando, rebrilhando o invisível para permitir e fazer ver. Uma narrativa toda viva, pulsando os sustos do encontro. Até que vida milagrosamente parece recomeçar - e começa. Meio bicho, inteira humana. Ao fechar o livro - ainda longe do destino - surpreende, sem espelho, o sorriso largo em meio à cara. Um arrepio de dor assombra o músculo e sugere que estava sorrindo já há algum tempo. Já é noite fora do ônibus, o filho pequeno se aninha em seu braço. A sensação, no entanto, é de explosão de luz: madrugada alaranjada soprando brisa e fazendo festa dentro dela.
Imagem: daqui.
Lindo texto, Fabiana!
ResponderExcluirBeijos
estou com saudade. medo de voltar, uma aflição, mas muita, muita saudade. então, vim visitar e caí aqui. por caminhos que não sei mais. um beijo.
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