primeiro eu achava que era da ordem da tessitura: esse trabalho de ir ligando os panos, cuidando de encontrar a medida certa de força pra agulha construir amparos ao invés de esgarçar a trama. numa sala de aula nova, ciclicamente nova, a fala e os gestos como essa agulha que se lança pra tecer afetos, sentidos, elos entre passado e presente. sempre bonita essa imagem do tecido, não é à toa que já quase puída. mas é que exata também. que nem no poema do joão cabral. que pra mim remete mesmo ao próprio ato de ensinar como partilha do sabido – a voz do mario chamie nos conduzindo com firmeza na compreensão do avesso perfeito de um poema, para que aprendêssemos além da costura, o corte.
depois achava que era da ordem da performance. de encarnar
uma espécie de personagem, deixar-se tomar pelo roteiro de uma reflexão, de um
conjunto de autores, deixando espaço pra algum improviso. algo meio entre o
teatro e o rito. especialmente nos lapsos em que uma aula é menos protocolo e mais revelação. o pensamento
que, proferido, arrepia, leva lágrimas aos olhos: mistura a terra ao céu. às
vezes; com sorte; se as condições permitem. um lampejo de pequena glória.
ainda por um tempo achei que era da ordem do encontro. mau
ou bom, mas sempre encontro. a sala de aula como espaço trágico, onde algo pode
ser rompido (ou algo de inesperado pode irromper). o amigo um dia me disse: é
um tatame, onde a gente deve se jogar. tanta intensidade. tanta dureza também,
aprender a aceitar a provisoriedade desses encontros: a gente fixo entre
constelações cambiantes de pessoas girando, girando suas infinitas espirais.
ultimamente, tem sido no registro do cozinhar. a gente
separa os ingredientes, verifica se está conforme a receita e vê no que vai
dar. a cada vez faz igual, mas sai diferente. e às vezes faz tudo diferente, e
acaba no igual. como cozinhar, educar é insistência. a gente testa, tenta,
erra, perde tempo. às vezes se mete à besta de inventar alguma coisa e vive a
angústia de não saber no que vai dar (ou vive o frio na espinha da ansiedade de
não saber no que vai dar). como quem quebra os ovos, um a um, separando as
claras e as gemas e reserva as gemas para uma receita outra.
num continente de cerâmica, as claras ganham uma primeira forma – como as
pessoas, aleatoriamente reunidas no espaço que também as quer conter, indicando
na mobília o lugar que lhes cabe e que devem ocupar. e então, nessa versão da
metáfora, ensinar é exercício de vontade no bater das claras. os desencontros e
os não-entendidos e os mal-entendidos: choques entre cerâmica e metal. necessários ao
processo por meio do qual o que era transparência e viscosidade ganha corpo e
se transmuda em espuma e ar. as raspas de limão, a colher de extrato de baunilha, o açúcar
polvilhado a cada aula - partes do esforço de temperar o que, não fosse isso,
seria somente nuvem, utilidade que não alimenta. precisa saber o truque pra
cozer as coisas por dentro, evitando a casca dura a guardar um interior mole
demais. o ponto certo meio cercado de mistério – o cozinheiro-professor
ignorante mesmo do segredo alquímico. é bom quando funciona e o resultado final
sabe bem. terrível quando queima, desanda ou simplesmente não dá ponto de jeito algum.
quando
pesa demais a responsabilidade da tessitura, a
coerção da performance ou a intensidade do encontro, resta ainda essa
forma delicada
de preparar aulas como quem prepara doçuras, inserindo no que podia ser
afirmação enfática e certeza dura, o quebradiço dos suspiros.
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