... cuidar de arredondar as quinas, lixar as farpas, estofar tudo o que for pontiagudo demais. que nesses tempos duros, cada passo é um risco e é bom caminhar de mãos dadas.
Se te pareço noturna e imperfeita/ Olha-me de novo. Porque esta noite/ Olhei-me a mim, como se tu me/ olhasses. E era como se a água Desejasse/ Escapar de sua casa que é o rio / E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo/ Entendo que sou terra. (Hilda Hilst)
31 maio, 2014
24 maio, 2014
suspiro
primeiro eu achava que era da ordem da tessitura: esse trabalho de ir ligando os panos, cuidando de encontrar a medida certa de força pra agulha construir amparos ao invés de esgarçar a trama. numa sala de aula nova, ciclicamente nova, a fala e os gestos como essa agulha que se lança pra tecer afetos, sentidos, elos entre passado e presente. sempre bonita essa imagem do tecido, não é à toa que já quase puída. mas é que exata também. que nem no poema do joão cabral. que pra mim remete mesmo ao próprio ato de ensinar como partilha do sabido – a voz do mario chamie nos conduzindo com firmeza na compreensão do avesso perfeito de um poema, para que aprendêssemos além da costura, o corte.
depois achava que era da ordem da performance. de encarnar
uma espécie de personagem, deixar-se tomar pelo roteiro de uma reflexão, de um
conjunto de autores, deixando espaço pra algum improviso. algo meio entre o
teatro e o rito. especialmente nos lapsos em que uma aula é menos protocolo e mais revelação. o pensamento
que, proferido, arrepia, leva lágrimas aos olhos: mistura a terra ao céu. às
vezes; com sorte; se as condições permitem. um lampejo de pequena glória.
ainda por um tempo achei que era da ordem do encontro. mau
ou bom, mas sempre encontro. a sala de aula como espaço trágico, onde algo pode
ser rompido (ou algo de inesperado pode irromper). o amigo um dia me disse: é
um tatame, onde a gente deve se jogar. tanta intensidade. tanta dureza também,
aprender a aceitar a provisoriedade desses encontros: a gente fixo entre
constelações cambiantes de pessoas girando, girando suas infinitas espirais.
ultimamente, tem sido no registro do cozinhar. a gente
separa os ingredientes, verifica se está conforme a receita e vê no que vai
dar. a cada vez faz igual, mas sai diferente. e às vezes faz tudo diferente, e
acaba no igual. como cozinhar, educar é insistência. a gente testa, tenta,
erra, perde tempo. às vezes se mete à besta de inventar alguma coisa e vive a
angústia de não saber no que vai dar (ou vive o frio na espinha da ansiedade de
não saber no que vai dar). como quem quebra os ovos, um a um, separando as
claras e as gemas e reserva as gemas para uma receita outra.
num continente de cerâmica, as claras ganham uma primeira forma – como as
pessoas, aleatoriamente reunidas no espaço que também as quer conter, indicando
na mobília o lugar que lhes cabe e que devem ocupar. e então, nessa versão da
metáfora, ensinar é exercício de vontade no bater das claras. os desencontros e
os não-entendidos e os mal-entendidos: choques entre cerâmica e metal. necessários ao
processo por meio do qual o que era transparência e viscosidade ganha corpo e
se transmuda em espuma e ar. as raspas de limão, a colher de extrato de baunilha, o açúcar
polvilhado a cada aula - partes do esforço de temperar o que, não fosse isso,
seria somente nuvem, utilidade que não alimenta. precisa saber o truque pra
cozer as coisas por dentro, evitando a casca dura a guardar um interior mole
demais. o ponto certo meio cercado de mistério – o cozinheiro-professor
ignorante mesmo do segredo alquímico. é bom quando funciona e o resultado final
sabe bem. terrível quando queima, desanda ou simplesmente não dá ponto de jeito algum.
quando
pesa demais a responsabilidade da tessitura, a
coerção da performance ou a intensidade do encontro, resta ainda essa
forma delicada
de preparar aulas como quem prepara doçuras, inserindo no que podia ser
afirmação enfática e certeza dura, o quebradiço dos suspiros.
22 maio, 2014
pra arrancar da inércia
e já que apesar da preguiça, a vida vem aí pra dizer é preciso se colocar em movimento, musiquinha em loop. e vamos que vamos.
14 maio, 2014
procrastinando
Tantas coisas para fazer e uma gripe que não me deixa... fui olhar um vídeo da Sia no youtube e como aquilo ali é o labirinto do tempo perdido, cheguei numa batalha de sincronização de lábios, hilária:
Ao Joseph Gordon Levitt, todo amor que houver nessa vida!
Mas o pior, o pior mesmo foi PRECISAR ouvir A-Ha depois da performance do Jimmy Fallon:
Tem noção de quantas paixões foram embaladas por Stay on these roads? Quantas danças em bailinhos? Quantas tardes voltando a agulha do LP pra escutar só essa música (isso, claro, antes da invenção da fita K7, em que a gente podia gravar a mesma música infinitas vezes e assim evitar de ter que voltar a faixa :-)
A única conclusão possível depois de tudo isso é: envelheci. Que tudo parece há tanto tempo. Que tudo parece que foi ontem.
07 maio, 2014
rabiscos
Numa reunião da escola do Rodrigo, ano passado, ao final pediram para os pais deixarem algumas lembranças para os filhos - impressões provocadas por aqueles mundos todos que eles tinham conhecido e criado. Sem saber desenhar ou pintar, fiz o que sabia: armei umas palavras em sentimentos sobre viagens, chegadas e partidas (o tema que eles estavam estudando). Hoje encontrei o rascunho, perdido no meio de algum livro.
quem parte às vezes
nunca chega
às vezes chega e fica
outras fica, pensando em ir embora.
pode-se chegar:
em casa
em pouso provisório
carregando:
raiz
mala
o próprio coração
da gente mesmo
é impossível ir-se embora.
da gente mesmo
nunca se acaba de chegar.
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