Depois de ter escrito o último post - toda influenciada por um momento Harry Potter - me lembrei que o melhor modo de conseguir fazer um Patronus é procurar dentro de si a lembrança mais querida: um momento de encontro, um lugar de proteção... Encontrar dentro da gente um espaço de vida e intensidade, que alimente a esperança.
E então o final de semana não poderia ter sido melhor para isso. Nem precisei ativar a memória ou a imaginação - foram tantos encontros que o que era brasinha de esperança na sexta-feira virou fogueira incandescente no domingo à noite.
Depois do almoço, fomos visitar a minha mãe. E fazia muito tempo em que a gente não sentava, assim, sem pressa em torno da mesa, e conversava tanto. As crianças feliz e brincantes, a mesa tão cheia que o Padilha ficou acompanhando a bagunça da sala [tem trilha mais boa que felicidade distraída?], e uma falação e risadeira de darem gosto!
Ainda no sábado, teve mais encontro - e dessa vez, dos grandes: foi a festa de comemoração dos 70 anos do Fausto (de quem eu já falei aqui). E ao vê-lo, tão lindo e querido, comecei a achar que o Fausto vai mesmo é ser eterno - é tanta gente que o ama, é tanto amigo, tanta amiga que é como se vida tivesse dado em volta dele um laço bem apertado. A alegria radiante dele em meio a tanta gente que passou e que ficou em sua vida, juro pra vocês, deve me iluminar por uns bons anos.
Cada reencontro com o Fausto faz a vida transbordar um bocadinho: perder as margens, irromper furiosa por entre as frestas e brechas, rasgar rachaduras no todo-dia da distância em que vivemos.
Como se não fosse suficiente, ainda teve rever amigos e professores queridos: a Roberta e o Rômulo, a Clarissa, e até a Carla, que não via desde nossos...6, 7 anos?! E a Poliana, que foi minha professora de Filosofia e Sociologia no Magistério, a quem eu admiro imensamente (e continuo admirando) e que teve tanta importância nas minhas escolhas profissionais. Que delícia revê-la! Que coisa boa rever a Marli, que foi minha professora de Didática e também de Ensino de Artes! Rever a Inês, professora de Matemática e de Metodologia de Ensino da Matemática - acho que ela mal se lembra de mim, mas eu guardo comigo até hoje a sensação dupla de fascínio e frustração quando, nas aulas de Metodologia, ela fez a matemática parecer tão próxima e concreta. Fascínio pelo mundo que se abria; frustração porque podia ter sido tão mais fácil e interessante. O passado há quinze anos invadindo sem pedir licença o agora, que a gente é mesmo assim: bricolagem estranha e vívida; o colorido dos vínculos recordados rolando doidos no caleidoscópio do que somos hoje.
No domingo, ainda sobrou folêgo pra mais encontro e delicadezas - era dia de piquenique, afinal. Corre daqui, corre de lá, improvisa petiscos e lá fomos todos os cinco rumo à praça, carregando guacamoles, sanduíches de ricota com azeitonas e de queijo e lombinho e uma salada de cenoura, ricota e passas. Contrariando as previsões, o dia estava azul e amplo. E, como disse a Neide, só vimos chuva de pitangas e uvaias. A separação das frutas me lembrou as tardes no quinta da minha tia Roseli - a goiabeira enlouquecida de frutas e a gente sentada, à sombra, frente baldes e baldes de goiabas que lentamente iam virando geléias, polpa congelada, doce-orelha... Em certas horas das tardes de verão, em que o ar fica parado e o tempo suspenso, ainda dá pra sentir o cheiro das goiabas maduras - ainda que nem na mesma casa minha tia more e que a goiabeira um dia tenha ficado cansada.
O domingo já estava terminando quando chegamos em casa. A casa de perna pro ar, o cansaço se fazendo sentir... e uma brisa leve de folhas soprando por dentro da gente, atiçando as esperanças já quase esquecidas do morno da brasa.
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