07 maio, 2010

Mãos


Passei um tempão na fase de usar esmalte escuro: ameixa, jaboticaba, vinho reserva, havana... Em parte era uma questão prática, já que o único jeito de eu não roer as unhas era mantê-las pintadas de escuro, transparentes até à menção de colocar a mão na boca. Mas também era por gosto de tê-las coloridas e compridas.

Há umas três semanas que não quero saber de cor escura. Agora, tem sido um tal de renda, condessa, coral... E me lembrei da expressão "mão de noiva". Sabe? Quando a gente passa esmalte bem clarinho e delicado, típico de "mocinha". Ou "noiva". Ou "princesa" (nome, aliás, de um desses esmaltes claros que eu me recusei a comprar, confesso, só por conta do nome e aí troquei pelo condessa, que pelo menos é título de mulher poderosa com alguma liberdade pra fazer o que lhe dá na telha ;-). É todo um imaginário da feminilidade dócil e pura contido na expressão.

E aí lembrei ainda de outra expressão relacionada às mãos - "mãos de fada". Também é adjetivo de delicadeza e transcendência. A expressão foi quase motivo de uma briga entre uma amiga e eu, porque eu estava fazendo bolinhos de chuva e o moço de quem ela gostava 'garrou comer os bolinhos e dizer que eu tinha "mãos de fada". O Zé tinha dessas expressões antigas; acho até que ele mesmo sempre foi um menino antigo... E era o primeiro ano de faculdade, então tenho certeza que grande parte do sabor dos bolinhos vinha da ideia de lar que eles rememoravam - os tempos de criança que deixavámos definitivamente para trás...

Mas já estou começando a me perder. Estava falando das expressões ligadas às mãos e que "mãos de fada" é uma expressão que tem sua dimensão de milagre - quando alguém faz alguma coisa deliciosa ou bela, que transcende os ingredientes iniciais. Quem tem mãos de fada imprime magia ao que faz.

Tem também a expressão "mão de trabalhador", que deve ser calejada, típica de quem "põe a mão na massa" (outra expressão em que as mãos aparecem). Mão de pele fininha e tratada, unha muito limpa e cortada não pega bem: pode revelar preguiça ou vida mansa. O caráter se revela nas mãos, no sofrimento e nas marcas que o trabalho deixou impressas.

Como os olhos, as mãos são janela da alma. Mas enquanto os olhos observam e contemplam, as mãos agem, transformam o mundo - acarinham, amassam o pão, são estendidas ao céu, carregam bandeiras, ressoam melodias. Também podem lutar, ferir, destruir, fazer barulho. E podem simplesmente restar cruzadas. 

As mãos são portadoras da ação - transportam o pensamento ao ato ou, às vezes, se antecipam ao pensamento. Tateiam e modelam. Reconhecem e inauguram.

Imagem: M. C. Escher, tirado daqui.

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