sempre está lá quando eu chego, acompanhando o marido. não sei direito que tratamento ele faz, mas ela, infalível, lendo enquanto espera. hoje, o chumbo do céu prestes a desabar e a tristeza também, mal contida e querendo escorrer. comento o resfriado, a falta de voz durante o feriado, e do tempo enlouquecido e não-cíclico passamos aos sentimentos enlouquecidos e sem tempo para serem cíclicos. que ontem teve um tempo só para si mesma e chorou sem estancar. que o marido se operou há oito meses e nunca mais foi o mesmo. que se recusa a sair, passear, fazer-lhe companhia enquanto ela desfia a conta dos dias de intenso cuidado. que ele só quer dormir. que ela desejaria acordá-lo mesmo que aos trancos, para rever o homem com quem casou (isso ela não fala, mas eu escuto). que a filha, consoladora, lhe escreve que deus não dá cruz maior que possamos carregar e ela se dói em reconhecer no marido um peso e chora mais, agora a culpa misturada ao cansaço. que o marido nunca parava e tinha medo do que aconteceria à família caso faltasse e que agora ela já sabe que pode sobreviver, mas não quer mais sentir essa falta (isso também, ela não diz, embora se ouça). parco conforto, conto-lhe histórias semelhantes para que se sinta menos só. ela, ele, subitamente minha avó, meu pai, minha amiga querida, eu mesma. ela, nós, e nossa dificuldade de parar, nosso medo de envelhecer, nosso teimoso apego a certa imagem de nós mesmos. ela fala e eu escuto, preenchendo entrelinha por entrelinha. até que a porta do consultório se abre, o marido chega e ela reencontra a energia que buscava no gole de café para ampará-lo na saída. tchau, boa semana. oxalá seja mesmo, boa e límpida, a próxima semana.
Se te pareço noturna e imperfeita/ Olha-me de novo. Porque esta noite/ Olhei-me a mim, como se tu me/ olhasses. E era como se a água Desejasse/ Escapar de sua casa que é o rio / E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo/ Entendo que sou terra. (Hilda Hilst)
17 novembro, 2011
na sala de espera
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10 novembro, 2011
cegueiras. visões.
Para mim, linguagem e imagem estão ligadas, isto é, o verbo é cego, mas é o verbo que torna visível. Sendo cego, o verbo torna visível, cria imagens, graças ao verbo nós temos as imagens.
Atualmente, as imagens se criam por si mesmas, deixaram de ser o resultado do verbo, e isso é muito grave. É preciso que haja um equilíbrio entre verbo e imagem.
Evgen Bavcar, em Janela da Alma (2001).
Fotografia: Evgen Bavcar, "Stair with shadow".
09 novembro, 2011
frágil
tentando colocar ordem nos arquivos nesses últimos oito anos de pesquisa (ô tarefa interminável), encontrei aquilo que, em algum momento do doutorado, achei que pudesse virar epígrafe e hoje só sei disso por conta do nome do documento em que a passagem está anotada. por fim, com o rumo que as coisas tomaram, a epígrafe virou outra, embora também da Clarice, pois se tratava se sublinhar a disposição para um certo modo de pensar e trabalhar. de todo jeito, foi bom reencontrar o trechinho destacado, com a surpresa de quem lê a primeira vez.
E quero saber se a esperança era uma contemporização com o impossível. Ou se era um adiamento do que é possível já - e que eu só não tenho por medo. Quero o tempo presente que não tem promessa, que é, que está sendo. Este é o núcleo do que eu quero e temo. Este é o núcleo do que eu jamais quis. (Clarice Lispectos, n'A paixão segundo G.H.).
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