06 maio, 2009

Despedir-se


pro Edu

Acho que eu já sabia disso antes de parir um filho, mas a convivência com o Rodrigo me ensinou muito mais sobre os movimentos envolvidos em desdobrar-se de si mesmo. É quase um parto: por mais que a gente queira, não dá para evitar a dor; o que dá é para acolhê-la como parte do processo e ser paciente com cada fase, cada passo na direção de um renascimento. Porque desdobrar-se é renascer.

Pode ser por uma crise qualquer, pode ser por um momento de transição, pode ser um evento maior como a morte ou a vida...Mas de repente a gente se sente sufocado debaixo da própria pele e o corpo inteiro dói, contido numa casca estreita demais. Os limites ficam tão evidentes que apertam o peito, a alma, a vida. E aí a gente tem que escolher se vai querer manter a mesma casca ou se vai ter a coragem de sair de dentro de si mesmo, arriscando-se até que uma nova forma seja possível. Nem sempre a gente abandona a si mesmo já sabendo onde ir e decidir sair significa enfrentar o mundo e seus perigos armado apenas de uma quase-nudez.

Para desdobrar-se é preciso liberdade. É por isso que às vezes a gente é desajeitado e quebra tudo em volta ao tentar se libertar. É difícil experimentar-se de outras maneiras quando quem está em volta insiste em oferecer o mesmo espelho. Tudo mudou por dentro, e lá vem o outro, com o mesmo olhar de sempre a nos aprisionar.

Bom mesmo é quando o outro é companheiro do nosso renascimento. Quando nos dá as mãos, quando não só acredita que seremos capazes de passar por aquele momento como confia que continuará nos amando, passada a tempestade. Quando divide com a gente o susto da novidade. Se o outro dá essa liberdade e tem essa delicadeza, fica mais fácil abandonar apenas a casca que não serve mais, sem precisar de violência. Com amorosidade, a gente dá a luz a si mesmo sem tanta dor.

Desdobrar-se é também despedir-se de si mesmo; mover-se adiante, cumprir uma etapa, deixar algo pra trás. Com tristeza ou alegria, é despedida. Lenço branco acenando à distância. A gente perde a vida pra ganhá-la, não é mesmo assim o ensinamento bíblico?

"Mulher é desdobrável./Eu sou" (Adélia Prado).

Eu sou.

Imagem: Jen Stark

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