Paul B. Preciado
Parece que os gurus da velha Europa colonial estão ultimamente
obstinados a querer explicar aos ativistas dos movimentos Occupy
Indignados, aleijado-trans-bicha-intersexual e pospornô, que nós não
poderemos fazer a revolução porque nós não temos uma ideologia. Eles
dizem “ideologia” como minha mãe dizia “marido”. Ora, nós não precisamos
nem de ideologia nem de marido. Nós as novas feministas não precisamos
de marido porque não somos mulheres. Da mesma forma que não precisamos
de ideologia porque não somos um povo. Nem comunismo nem liberalismo.
Nem a ladainha católico-muçulmana-judia. Falamos outra língua. Eles
dizem representação. Nós dizemos experimentação. Eles dizem identidade.
Nós dizemos multidão. Eles dizem domesticar a periferia. Nós dizemos
mestiçar a cidade. Eles dizem dívida. Nós dizemos cooperação sexual e
interdependência somática. Eles dizem capital humano. Nós dizemos
aliança multi-espécies. Eles dizem carne de cavalo nos nossos pratos.
Nós dizemos “montemos nos cavalos para escaparmos juntos do abatedouro
global”. Eles dizem poder. Nós dizemos potência. Eles dizem inclusão.
Nós dizemos código aberto. Eles dizem homem-mulher, branco-negro,
humano-animal, homossexual-heterossexual, Israel-Palestina. Nós dizemos:
vocês sabem muito bem que seu aparelho de produção de verdades não
funciona mais… De quantos Galileus precisaremos desta vez para
reaprendermos a nomear as coisas nós mesmos? Eles nos proporcionam a
guerra econômica a golpes de facão digital neoliberal. Mas nós não vamos
chorar pelo fim do Estado-providência porque o Estado providência era
também o hospital psiquiátrico, o centro de inclusão de deficientes, a
prisão, a escola patriarcal-colonial-heterocentrada. É tempo de colocar
Foucault na dieta aleijado-queer e escrever a Morte da clínica. É tempo
de convidar Marx para um atelier eco-sexual. Nós não vamos encenar o
Estado disciplinar contra o mercado neoliberal. Esses dois aí já fizeram
um acordo: na nova Europa, o mercado é a única razão governamental, o
Estado se torna um braço punitivo cuja única função é a de recriar a
ficção da identidade nacional através do medo securitário. Nós não
queremos nos definir nem como trabalhadores cognitivos nem como
consumidores farmacopornográficos. Não somos Facebook, nem Shell, nem
Nestlé, nem Pfizer-Wyeth. Não queremos produzir franceses, tampouco
produzir europeus. Não queremos produzir. Somos a rede viva
descentralizada. Recusamos uma cidadania definida por nossa força de
produção ou nossa força de reprodução. Queremos uma cidadania total
definida pela divisão das técnicas, dos fluidos, das sementes, da água,
dos saberes… Eles dizem que a nova guerra limpa se fará com drones. Nós
queremos fazer amor com os drones. Nossa insurreição é a paz, o afeto
total. Eles dizem crise. Nós dizemos revolução.