30 setembro, 2008

Para Ninar o Rodrigo

Hoje de manhã, na hora do sono, Rodrigo deitou no sofá, enquanto eu cozinhava e cantava pra ele - "Alguém Total", do Luiz Tatit ("a música do abraço, mamãe") e "Dindinha", do Zeca Baleiro. Ele dormiu rapidinho e feliz :-)

Pra colorir o cinza do dia, um pouquinho das doçuras da Ceumar, cantando Dindinha.

29 setembro, 2008

A teus pés

- Sabe, já faz cinco anos que ela morreu? Cinco anos inteiros. Passou tão rápido e ao mesmo tempo tão devagar. Cada dia sem ela um imenso deserto a percorrer; mas então tem os filhos para cuidar, as contas para pagar, a casa para arrumar e de fazer-em-fazer a vida vai passando...Como passaram os quinze anos que a gente viveu junto, dividindo a vida mas também deixando a vida correr...Talvez por isso, talvez porque a dor foi tanta, eu me lembre de maneira muito mais vívida dos últimos três meses dela. Quando descobrimos a doença, estava tudo tão tomado que não tinha nada a fazer, então ela não teve escolha, a não ser continuar viva. Digo isso assim, tranqüilo, mas você por favor não se impressione, que ninguém foi herói: a gente chorou, sentiu raiva, ódio mesmo, desacreditou, desesperou. Aí resolveu aproveitar o tempo que restava. Como ela estava doente, não deu para cumprir as promessas de viagens e descansos, mas ambos sabíamos que a promessa era mesmo de atenção e falta-de-pressa, então fomos ao parque, ao teatro, lemos livros juntos, assistimos filmes, prolongamos os cafés-da-manhã e os jantares. Era a minha vida em suspenso, e a dela nunca tão presente. Mesmo assim, a gente conseguiu se encontrar à meio caminho e ficar junto, pelo menos um pouquinho. Namorados. No finzinho, ela já não conseguia sair da cama, então eu ficava ali ao lado dela, também o dia todo de pijama, como se sempre fosse domingo. Eu ficava ali, alternando cafunés e a massagem nos pés, que ela adorava: me pedia todas as noites, desde antes de nos casarmos...Eu só fingia fazer massagem, porque na verdade eu tentava desesperadamente esquentar seus pés, tão frios...Quando ela morreu, era isso que eu estava fazendo: massagem nos seus pés esguios e frios. Dói muito, dói todos os dias a falta que ela me faz. E já faz cinco anos. Só faz cinco anos.

28 setembro, 2008

...




Rodrigo ficou a semana toda meio fica-doente não-fica. Tanto que nem o levamos na escola de manhã, na quarta. Aí, na quinta, ele foi e ficou ótimo lá. Na sexta, acordou baqueado, então não foi na escola de novo.

Ele não tinha febre, nem tossia, nem coisa nenhuma que desse pista do que tinha. Só tinha parado de comer direito desde terça e estava cansado. Dormiu das 8h às 15h na sexta-feira. E eu já ficando preocupada, né? Porque ele não tinha nenhum sintoma.

Aí, pedi pro Edu trazer sorvete de chocolate e água de coco quando voltasse do trabalho. Assim que ele abriu a porta, o Rô vibrou: "ôba! Sorvete de chocolate" (vamos dar um desconto pelo interesse manifesto, né, gente? Ele estava com fome!). O Edu colocou um pouco no potinho e ele comeu umas três colheres. Aí foi o show, coitado: ele vomitou o pouco que tinha comido o dia todo.

Os vômitos pararam na sexta mesmo, mas a diarréia continua. Pelo menos, desde ontem ele voltou a ter fome, o que já um sinal de que está melhorando.

Ai, essas crianças e essas viroses...

De modo que estou aqui, trabalhando no domingo chuvoso, para entregar o texto mais-que-atrasado para a minha orientadora.

* O Edu tirou essas fotos da gente, hoje. É difícil saber quem faz mais careta: filho de peixe...


26 setembro, 2008

Jujubas


Ela não sabia qual a razão, mas perto dela, as pessoas começavam a contar suas histórias: detalhes, dores, alegrias...Com ele não foi diferente. Mal haviam sido apresentados e ele passou a narrar sua recente separação, o espanto de entender que o amor acaba, a nova vida de homem solteiro e a fissura por jujubas nos domingos à noite. Talvez se sentisse acolhido naquele olhar, talvez simplesmente precisasse de uma desculpa para percorrer de novo sua trajetória a procurar-lhe o sentido. Fato foi que ela o ouviu com atenção.

Mas tarde, quando já não eram mais estranhos, na primeira tentativa de se reencontrarem ela comprou jujubas - mesmo que soubesse que ele não viria realmente aquele dia. Mas as manteve ali, escondidas na gaveta da escrivaninha, junto com suas esperanças de que chegaria o tempo do encontro. E houve.

Por isso, agora, ele não come mais jujubas aos domingos, naquela hora perigosa em que o peso da repetição se faz sentir. Embora ela continue sempre deixando algumas guardadas no armário, talvez como lembrança da sorte que tiveram.

O Patinho Feio

once and again: para Mauricio

Com essa história do grupo do Rô, este semestre, estar trabalhando os contos de fada, me lembrei que minha mãe sempre conta o quanto eu gostava de ouvir a história do Patinho Feio (fosse contada por ela, fosse contada pelo disquinho da Disney, lembram? Era uma coleção de histórias, que vinham num livrinho ilustrado e traziam o disco, daqueles pequeninhos, que tinha que ser tocado em 78 rotações. E a narração era tãããão dramática!).

Aí fiquei pensando nessa história do Patinho Feio e por que raios ela me mobilizava tanto. Acho até que nem era pela relação entre beleza e feiúra; acho que o que me provocava mesmo era a questão da inadaptação.

De fato, acho que sempre me senti um pouco (às vezes um muito) inadequada - desajeitada para a vida, incapaz de compreender as regras do jogo, sobretudo quando elas me pareciam cruéis ou injustas. Para resumir em uma palavra: gauche.

Como reli recentemente o Peter Pan, está ainda vívida a proposta do autor de que o que tornava possível ao Peter não crescer era a sua capacidade de esquecimento, que lhe fazia viver cada traição ou injustiça com a mesma surpresa e incompreensão.

O fato de ter me mudado de casa e de escola tantas vezes ao longo da vida também tiveram efeitos sobre essa sensação. Afinal, eu estava sempre recomeçando...Mas desde cedo também reconheci o quanto de liberdade havia nesses recomeços: essa vertigem da possibilidade de, mais uma vez, me despedir de mim.

É pouco provável que seja coincidência que meus escritores e autores prediletos tanham também seu tanto de gauches - Drummond, Clarice, Caio, Walter Benjamin...Autores tensos, inquietos, cujos textos revelam o imenso esforço para transbordar os limites da linguagem.

Provavelmente, em meus tempos de criança, a história do Patinho Feio me alimentasse as esperanças de que um dia fosse possível deixar de me sentir inadaptada: de um dia encontrar "a minha turma", identificando-me por completo, descobrindo "minha verdade".

Durante o magistério, eu lia um livro do Rubem Alves, chamado "Como nasceu a alegria". Nesse livro, ele conta a história de uma flor que havia sido machucada e, por isso, tornara-se diferente. Mas, ele aponta em sua apresentação, ao contrário da história do Patinho Feio, o problema não se resolve com o fim da diferença: mudam os olhos de quem vê a diferença...

Hoje em dia, não me agrada mais a história do Patinho Feio. Não pela questão que propõe, mas pelo modo de resolvê-la. Ao invés da identificação completa que suplanta a diferença (quando ele encontra seus iguais), eu gosto mais é da liberdade que a inadequação me dá. Gosto da diferença que cria relevo, tensão, movimento: do que nos impele a transgredir os limites do que somos, na invenção de quem queremos ser.

25 setembro, 2008

Associação Livre

No final de semana, cinzento e chuvoso, a Bia gravou para mim o álbum novo do Jakob Dylan, "Seeing Things".

Então, na segunda-feira, fui ouvir enquanto trabalhava (e descobri que o álbum vai fazer parte da trilha de terminar a tese, junto com o Magic Numbers e o Keane, ótimos para provocar um certo transe escrivinhador). Como eu estava trabalhando no computador do marido, topei com "I'm looking through you" cantada pelo Wallflowers e resolvi escutar, para aproveitar o momento eu-adoro-o-filho-do-Bob-Dylan...

E a música é tão boa, e o céu estava com pedacinhos de azul, e tinha até sol entrando pela janela que não resisti a dividir o anúncio de primavera com vocês.

No título do post, o nome de um filme muito bacana: Segunda-feira ao sol, que tem no elenco o Javier Bardem. O filme é sobre desemprego (o que inclusive "ornava" com o tema sobre o qual estou escrevendo).

Vim procurar um vídeo da música no youtube e encontrei esse aí debaixo, dos patinhos nadando, que tinha exatamente o espírito da segunda-feira surpreeendida pelo sol. Então o postei.

Eu nunca ia imaginar que o vídeo tinha sido gravado por alguém que mora em Trondheim, na Noruega, onde está o Daniel! Fiquei pasma quando vi o comentário dele! Acho que nem se eu procurasse um vídeo com imagens da cidade teria conseguido encontrar esse...

Dani, estou tão intrigada quanto você. Mas são coisas como essas que me dão a certeza: o mundo é pequeno pra caramba! (como já dizia o André Abujamra).

De todo jeito, a coincidência me fez me sentir um bocadinho mais pertinho de você ;-)

22 setembro, 2008

Segunda-feira ao sol

"I'm looking through you", versão do Wallflowers (na trilha do I am Sam).

20 setembro, 2008

Sábado

Às 7h15, Rodrigo chega no nosso quarto.
- Bom dia, filho!
- Bom dia. Cadê o meu Eduardo? Cadê meu papaizinho? Foi trabalhar?
- Não filho, hoje é sábado. Olha o papai aqui.
-É?

Aí, ele me escondeu debaixo do edredon e foi para a sala. Dali a pouco, escuto:
- Estou sentindo cheiro de criança...
E então ele me achou!

Como cheguei tarde ontem, não o tinha visto na volta da escola. Então perguntei o que eles tinham feito e ele me deu a resposta padrão:
- Bagunça!
- E a sua professora, está boa?
- Não. (Super sério) Ela está ruim. A gente ficou todo mundo em cima dela e ela ficou ruim.

E a fase do homem-aranha deu lugar ao momento Buzz Lightear. Agora, além de lançar teias, o Rô também grita "Ao infinito e aléééém!" :-)

Ai, ai...Como é gostoso acordar sem pressa.

Bom fim de semana para vocês!

19 setembro, 2008

Apoio à amamentação em São José dos Campos


Depois do post que escrevi, participando da blogagem coletiva na Semana Mundial de Amamentação, fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que passaram a chegar ao blog procurando por termos como "amamentação apoio São José dos Campos", ou então "amamentação Projeto Casulo".

Por isso, resolvi pedir autorização à Flavia para divulgar o trabalho que ela vem fazendo em São José dos Campos. A Flavia é doula (e mãe de três filhos lindos) e vem promovendo rodas de conversas sobre gravidez, parto, nascimento, amamentação e cuidados com os bebês e crianças. O trabalho e as rodas são divulgados no blog Bebe du Bem e também na Comunidade do Orkut, Grávidas e Mães de São José.

Amanhã, sábado (20/09) tem roda e o tema é "Attachment Parenting", uma linha de pensamento sobre a maternidade/paternidade que propõe que o vínculo que construímos com os bebês passa pelo colo, pelo carinho, pelo carregá-los junto a nosso corpo, pelo provimento, enfim, de toda a segurança necessária a seu desenvolvimento. A "independência" dos nossos filhos é conquistada um passo de cada vez, na medida do desenvolvimento de cada criança (e dos pais em sua relação com ela).

Então, pessoas que chegam aqui em busca de apoio em São José, fica a dica: procurem a Flavia, pelo blog ou pelas comunidades.

Sobre o Projeto Casulo, o endereço é Rua Paulo Setubal, 68 - Vila Adyana. Telefones: (12) 39413205. Pelas informações que estão na página da Prefeitura, o encaminhamento é feito a partir das Unidades Básicas de Saúde - UBS. Mas vale telefonar para saber se há encontros de apoio à amamentação, por exemplo. Como disse, minha irmã utilizou o serviço, mas isso foi há 11 anos...

Não esqueçamos também o apoio virtual. Na barra ao lado, em "Mulher e Mãe", vocês encontram vários links de grupos de mulheres que apoiam à amamentação. Nas páginas, existem relatos, informações, espaços para perguntas...

Como bem chamou a atenção o tema da Semana Mundial de Amamentação este ano: Apoio é fundamental!

Vejam também:
Matrice
Amigas do Peito
Relatos Matrice (no último dia da semana, é o relato da experiência de amamentação que eu e o meu filho estamos tendo)
MAMA
De Peito Aberto

17 setembro, 2008

Chegaram!

Os meus três livrinhos...

E estou toda perdida sobre qual começo a ler primeiro. Já li as orelhas dos três, já li duas ou três crônicas do Carpinejar, dois poemas dele também e as primeiras páginas do livro da Fal.

Então, para comemorar, Mercedes Sosa cantando "Un vestido y un amor": Hay cosas que te ayudan a vivir.

Boa literatura, certamente é dessas coisas.




* A música, do Fito Paez, é epígrafe do livro da Fal.

16 setembro, 2008

Eu queria tanto...

...que não tivesse um relógio - tic-tac-tic-tac-tic-tac - me correndo por dentro.

...que o tempo esticasse para eu poder fazer tudo o que preciso fazer.

...que o tempo esticasse para eu poder fazer tudo o que quero fazer.

...ler Walter Benjamin e os ensaios sobre Baudelaire.

...ler Santo Agostinho (como o Mauricio me sugeriu).

...assistir de novo à trilogia do Kielowski.

...assistir Mamma Mia!

15 setembro, 2008

Ainda, blues

Eu adoro esse filme. A trilha, então...

Na verdade, hoje acordei e fui escutar a trilha de Red (A fraternidade é vermelha). Só para lembrar de um tempo muito gostoso, vivido com a Monika, em que ouvíamos Preisner no carro dela e ela cantava em polonês "Love at first sight".

Mas depois, acabei me lembrando mesmo foi da Juliette Binoche, linda-linda, imersa em azul. E a cada mergulho, mais um trechinho da música inacabada do marido que ela - no esforço de continuar vivendo - ia terminando.



Boa segunda para vocês.

13 setembro, 2008

Mania de perseguição


Why does it always rain on me?
(Travis)

I can't sleep tonight
Everybody's saying that it's alright
Still I can't close my eyes
I'm seeing a tunnel at the end of all these lights

Sunny days
Where have you gone?
I get the strangest feeling
You belong

Why does it always rain on me?
Is it because I lied when I was seventeen?
Why does it always rain on me?
Even when the sun is shining
I can't avoid the lightning

I can't stand myself
I'm being held up by an invisible man
Still life on a shelf when
I got my mind on something else

Sunny days
Oh, where have you gone?
I get the strangest feeling
You belong

Why does it always rain on me?
Is it because I lied when I was seventeen?
Why does it always rain on me?
Even when the sun is shining
I can't avoid the lightning

Oh, where did the blue skies go?
And why is it raining so cold?
It's so cold

I can't sleep tonight
Everybody saying that it's alright
Still I can't close my eyes
I'm seeing a tunnel at the end of all these lights

Sunny days
Oh, where have you gone?
I get the strangest feeling
You belong

Oh, where did the blue skies go?
Why is it raining so cold?
So cold

Why does it always rain on me?

Só para desabafar um bocadinho de tanto cinza...Hoje, só hoje, nem parece que acabou agosto.

Imagem: http://portugues.istockphoto.com/file_closeup.php?id=6155497&SearchLang=PT_PT

11 setembro, 2008

Joãozinho


"Moça de joãozinho no cabelo
Faz de conta no espelho
Faz de conta no espelho

(...)

Vem ver Maria
Vem ver Maria
Joãozinho
Vem ver Maria
Vem ver Maria
De joãozinho"

(Joãozinho, Vanessa da Mata)

Não falei que a tentativa de deixar o cabelo crescer não ia durar muito? Mas dessa vez eu radicalizei: acho que não tinha o cabelo tão curto assim desde os meus 7 anos!

A foto foi tirada pelo marido.


Para Mauricio

A versão bárbara do Travis cantando "Hit me baby one more time".




10 setembro, 2008

Você é meu companheiro?


O conto que abre o livro Morangos Mofados, do Caio, é um diálogo que se prolonga ad infinitum. São duas pessoas - dois amigos? dois amantes? - perguntando-afirmando-duvidando-desejando: uma para a outra "você é meu companheiro?"

Outro dia eu lembrava também da linda argüição da Marilena Chauí ao trabalho da Ecléa Bosi (sobre o qual já comentei aqui), em que ela valoriza a dúvida da Ecléa em descobrir se, depois de tanto tempo, há companheiros entre os trabalhadores reunidos sob uma mesma classe: eles se identificam uns aos outros, mas serão companheiros?

Finalmente, me lembrei do ano passado, de uma situação que me fez olhar com mais cuidado para os significados de ser "companheiro".

A Paulinha e o Toninho têm o costume de chamar os cônjuges de "companheiros". Eu confesso que estranhava um pouco esse modo de dizer. Achava bonito, mas me intrigava: por que não marido? Ou namorido? Ou um desses termos que a gente usa hoje em dia para falar dessas uniões que, embora não sejam exatamente casamentos, ainda assim pretendem-se para toda a vida?

Sobre isso, vim a aprender no dia do casamento da Paulinha.

Uma semana antes, um luto completamente inesperado atingiu duas das pessoas mais queridas que eles - a Paulinha e o marido - têm no mundo. A morte se misturando à vida: a impossibilidade de estar com quem a gente ama numa hora de dor, pela exigência de acolher quem nos ama e veio conosco partilhar a alegria.

Casamentos, afinal, são celebração de vida. A vida nova que duas pessoas iniciam juntas, a vida de uma nova família, a promessa de eternidade que a gente cola ao amor - é vida plena.

E os lutos? Depende muito. Eles podem ser ocasião de raiva e ressentimento. Mas também podem ser celebração da vida, que foi vivida. Não é caso de recusar a tristeza e a saudade, apenas de não perder a esperança - não desesperar, enfim.

No dia do casamento, estavam lá os dois amigos na Igreja. Amparando-se mutuamente, marcando presença num momento irrepetível da vida da Paula e de seu companheiro. Para além da própria dor, a esperança na boniteza da vida e das promessas de encontro. Na alegria e na tristeza, não é mesmo assim que a gente promete?

O casamento da Paulinha foi um dos mais bonitos aos quais já fui. Não porque tudo estivesse perfeito, (embora estivesse!) mas porque estava lá muito expresso todo o amor que cercam a ela e ao marido. O casal de amigos na Igreja corporificava o amor e a esperança, a certeza de que eles já começavam a vida nova tendo como companheiros amigos que sabiam ser companheiros - um para o outro, uns para os outros.

Para além dos nomes que a gente queira dar a quem divide a vida com a gente, o que importa mesmo é a resposta que se dá a esta questão fundamental: você é meu companheiro? Resposta que se dá a cada passo, a cada apoio, a cada significado que a gente vai dando juntos para o imprevisível da vida.

Imagem: http://organicfields.net/tipika/blog/U6_2.jpg

09 setembro, 2008

Alguém explica

E aproveitando o ensejo, alguém me explica porque cargas d'água minhas paixões literárias ou têm nomes começados com a letra C ou são gaúchas ou, mais freqüentemente do que se poderia supor, juntam as duas coisas?

Vejam lá:

Caio Fernando Abreu, gaúcho.
Clarice Lispector, estrangeira em qualquer lugar
Cíntia Moscovich, gaúcha
Carpinejar, gaúcho
e Carlos Drummond de Andrade, mineiro.

Coisa louca.

Fazendo propaganda

Todas as minhas últimas compras de livros, tenho feito na Companhia dos Livros . O preço é bem melhor do que em outras livrarias, eles entregam rápido (se o livro tiver em estoque), com cupom fiscal contendo todos os nossos dados, enfim, tudo direitinho.

Descobri o site fazendo pesquisa de preço para comprar os livros para a pesquisa, com a taxa de bancada, e fiquei super fã.

Hoje, resolvi parar de adiar e comprar três livros nos quais estava de olho há algum tempo:

- Canalha!, livro de crônicas recém-lançado do Carpinejar. Eu sou super fã do Carpinejar. Quando comecei a me apaixonar por ele (pelo escritor, hein?), saía mandando as crônicas mais saborosas para os amigos, coitados, que ficavam com a caixa postal entupida de poesia. Mas aí, maridón bronqueou que eu estava muito elogiosa para cima do moço e eu me contive, como mulher direita que sou. Mas adoro-adoro-adoro.

- Um terno de pássaros ao sul - a edição revista em comemoração aos dez anos do livro, também do Carpinejar.

- Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite, da Fal Azevedo. Eu sou leitora assídua do blog dela e sempre fico encantada tanto com o humor delicioso quanto com a capacidade de arranjar as palavras que ela têm. Já morri de rir lendo as coisas que ela escreve, já chorei com o corpo todo, também.

Não vejo a hora de chegarem!

My Boys

Ontem à noite, eu e Rodrigo conversando.
- Mãe, eu quero falar inglês.
- Então vou te ensinar a dizer "meu nome é Rodrigo"? Quando alguém te perguntar "what is your name?", você responde "my name is Rodrigo" que é igual a "meu nome é Rodrigo!
Ele me olha por alguns segundos, até que solta:
- Você não é Rodrigo.

Aí, ainda ontem à noite, eu tinha que terminar uns trabalhos e estava salvando os arquivos no meu pen drive para levar de um computador ao outro. Apareci na sala, e o marido me olhou intrigado, como a dizer "você não tem que trabalhar?". Expliquei:
- É que ainda tá baixando.
- Quem tá baixando em quem?
Momento "Um espírito baixou em mim" total...

Hoje fui para Osasco e aproveitei para comprar um bonequinho lindo de pano pro Rô, bem ao estilo bruxinho, sabem? Aí cheguei em casa e dei para ele, que fez um "óóóóóóóó!". Para em seguida perguntar:
- O que é isso?
- Um presente para você, Rô.
- Um bonequinho?
- É?
- Por que você trouxe ele para mim? É meu aniversário?
- Não, filho, é um presente de eu-te-amo.
- Ah.
- Como ele vai chamar.
Ele pensa e aí decide:
- Au-gus-to.
Então, agora temos Augusto andando pela casa, virando cambalhotas e conversando com todo mundo.

08 setembro, 2008

Conto de Fadas


Para Mi


Do lado de fora do vidro, a chuva escorria lenta. Do lado de dentro do vidro, a água também rolava, mansa. Do lado de dentro dela, tudo era umidade e espaço; um espaço recém inaugurado. Ergueu um pouco o rosto, passando suave a mão pelos cabelos, numa pequena carícia: não haveria mais dor.

*

Tinham 17 anos quando se conheceram: as duas crianças. Ambos estrangeiros na grande cidade, não demoraram a se aproximar, passando muito tempo juntos: almoço, aula, telefone, cinema, jantar, fim-de-semana.

Previsível, ela se apaixonou. Ele não. Ou fez que não. Ou quis que não, tanto faz. Mas aconteceu assim: ela quis demais e ele recusou. E vieram as primeiras dores e os primeiros silêncios. E depois as dores conhecidas e o silêncio pactuado. E então as dores velhas e a mudez construída.

*

Tinham bem mais de 17 anos quando se reconheceram: o homem e a mulher.

Imprevisível, ele se apaixonou. Ela não. Mas fez que sim. Ou quis que sim, não importa. Mas aconteceu assim: ele quis demais e ela aceitou aquele querer que tanto quisera. E perseguindo os primeiros beijos vieram as primeiras brigas, as primeiras impossibilidades, as primeiras portas batidas e a velha dor e mudez. Não era para tanto. E, de qualquer maneira, nada daquilo recuperaria o momento perfeito escoado.

*

Ainda assim, continuavam. Insistiam consigo que um amor daqueles era coisa rara. Ela sentia que aquele era seu homem, seu amor para toda a vida; ele sentia que aquela era a sua mulher, para toda a vida. Envelheceriam juntos e tudo seria perfeito.

*

Mas tudo errou. E o confronto diário com a pergunta “onde errei?” só fazia multiplicar as dores da leveza mudada em sacrifício. Não era possível acreditar que não havia erro, culpa ou responsabilidade essenciais. Afinal, eram promessas um para o outro.

Conheciam o desfecho para o que viviam. Apenas recusavam-no.

*

Separaram-se. Maculados como no fim do primeiro amor e sem saber quem havia dito a última palavra ou quem movera o primeiro passo do ir-embora. Separaram-se. E foram felizes para sempre.


Imagem: Patricia Metola, em http://tipika.blogspot.com/

Quanto mais alto, melhor

(Interpol, Not even jail)



E a grande pergunta que fica é: por que a tonta aqui não se apaixonou ANTES deles virem fazer show no Brasil?

07 setembro, 2008

âmbar, de novo

porque nunca é demais guardar um tempo para rememorar os olhares amorosos que ecoam no nosso corpo: vida correndo intensa nas veias.




Grifos

Dois caminhos para constituir em direito a regulação do poder público, duas concepções da lei, duas concepções da liberdade. É essa ambigüidade que caracteriza, digamos, o liberalismo europeu do século XIX e também do século XX. E, quando digo dois caminhos, quando digo duas vias, quando digo duas concepções da liberdade, do direito, não quero dizer que se trata de dois sistemas separados, estranhos, incompatíveis, contraditórios, totalmente excludentes um em relação ao outro, mas quero dizer que temos aí dois procedimentos, duas coerências, duas maneiras de fazer, por assim dizer, heterogêneas. E o que é preciso ter bem presente é que a heterogeneidade nunca é um princípio de exclusão ou, se preferirem, a heterogeneidade nunca impede nem a coexistência, nem a junção, nem a conexão. Digamos que é precisamente aí e nesse gênero de análise que se faz valer, que é necessário fazer valer, sob a pena de cair num simplismo, uma lógica que não seja uma lógica dialética. Porque a lógica dialética, o que é? Pois bem, a lógica dialética é uma lógica que põe em jogo termos contraditórios no elemento do homogêneo. Proponho substituir essa lógica da dialética pelo que chamarei de lógica da estratégia. E uma lógica da estratégia não faz valer termos contraditórios num elemento do homogêneo que promete sua resolução numa unidade. A lógica da estratégia tem por função estabelecer quais são as conexões possíveis entre termos díspares e que permanecem díspares. A lógica da estratégia é a lógica da conexão do heterogêneo, não é a lógica da homogeneização do contraditório. Rejeitemos portanto a lógica da dialética e procuremos ver (em todo caso é o que procurarei lhes mostrar no curso) quais conexões puderam manter unidos, puderam fazer conjugar-se a axiomática fundamental dos direitos do homem e o cálculo utilitário da independência dos governados”.

Foucault, Michel (2008) Nascimento da Biopolítica: São Paulo, Martins Fontes, página 58

Gostosuras

Terça-feira passada foi a primeira vez que o Rodrigo teve a visita de um amigo dele, da escola.

Tudo começou há umas três semanas, depois que a R. veio passar a manhã aqui. A R. é filha da Monika, minha amiga querida, e uns dois anos mais velha do que o Rô. Apesar disso - ou por isso mesmo - os dois se dão super bem, e naquele dia brincaram tanto que o Rô chegou dormindo na escola e a R. também chegou dormindo em casa!

Naquele mesmo dia, voltando da escola, Rô me comunicou: "eu quero que o P. venha em casa!". Eu concordei, dizendo que então ia conversar com a mãe dele para fazer o convite. Aí, passou quase uma semana e eu não encontrava a mãe do P.; enquanto isso, quase todo dia o Rô perguntava ou então me contava alguma conversa dele e do P.: "mãe, eu falei pro P. que ele vai vir aqui e que você vai falar com a mãe dele, tá? E vai ser muito legal".

Finalmente, na reunião de pais, encontrei a mãe do P. e fiz o convite. Ela ainda comentou: "ah, ele disse mesmo que um amigo tinha convidado, mas eu não sabia qual era!". Aí, combinamos tudo.

Na manhã seguinte, contei pro Rô da novidade. Ele escutou, abriu um sorriso e me respondeu: "Então eu vou dizer pro P. que está combinado!".

Na sexta-feira antes da visita, chego para pegar o Rô na escola e vem a professora do Rô me perguntar: "O P. vai na casa de vocês? Eles não falam de outra coisa...".

E na segunda-feira, véspera da visita, foi um frisson total, eles combinaram uma porção de coisas: cheguei para pegar o Rô e o P. veio conversar comigo, que ia ter duas cadeiras, e que eles iam sentar na mesinha, e que eles iam fazer isso, aquilo e aquilo outro...

(Agora, imaginem vocês as conversas que duas crianças de três anos são capazes de ter. Eu, honestamente, fiquei impressionada. O Rô de vez em quando chega contando uns causos - que o Fulano tem esse DVD, que o outro tem um tênis do homem-aranha... - e eu ficava pensando, "Mas será que eles levam na escola essas coisas?". Depois dessa coisa da visita, descobri que não, que eles têm conversas muito sérias e combinam coisas, trocam informações...Um barato!).

Engraçado é que só na véspera é que me dei conta: em geral, confiamos nossos filhos aos nossos amigos, isto é, aos cuidados de pais que são nossos amigos, que conhecemos bem. E a mãe do P. foi muito bacana de confiar em nós, afinal, foi a primeira saída do filhote dela,numa visita à casa de um amigo dele.

Finalmente o dia chegou. Ainda acordamos cedo para deixar um bolo pronto para a hora do lanche. O Rô que fez. Ou melhor, ele fez uma parte e depois ficou entretido demais comendo massa para terminar :-). Mal havíamos posto o bolo no forno e o P. chegou. No começo meio desconfiado, mas em dois minutos já tinham ido pro quarto fazer bagunça.

Eles brincaram tanto que nem lancharam, nem almoçaram. Sentavam e dois segundos depois saíam correndo de volta pros brinquedos...Foi muito gostoso.

Depois do não-almoço, foram os dois para escola. Rodrigo já chegou dormindo, mas o P. estava bem acordado. De tarde, na saída, a professora deles disse que eles ficaram super unidos e contaram um monte de histórias, todo animados.

Essa semana acho que o Rô vai na casa do P., passar a manhã com ele. Vamos ver como vai ser.

E ele já me pediu para convidar o G. para vir aqui também! Estou vendo que até o fim do ano, vamos ter uma visita por semana!

Mas é muito bacana, vê-los brincar, conversar...Perceber como as crianças são diferentes, como resolvem seus conflitos. Aqui no nosso prédio não tem criança pequena e nem sempre conseguimos visitar as avós para encontrar os primos, né? Então, essas visitas são um jeito maravilhoso de adensar os laços que eles vão fazendo na escola.

Tão pequenos, e já vão aprendendo sobre amizade.

02 setembro, 2008

Necessidades Radicais

Ainda hoje comentava com o Mauricio que, desde que comecei a série de posts sobre "A maternidade como experiência", um monte de coisas têm acontecido que me provocam a continuar pensando e escrevendo sobre o assunto. Eu adoraria, se isso não acabasse me fazendo roubar tempo da imensa quantidade de trabalho necessário à conclusão da tese...

Então, infelizmente ainda não é hoje que vou conseguir escrever mais. Mas, num papo no gtalk com a Fabíola, acabei lembrando de um texto que escrevi para comemorar o primeiro aniversário do Rodrigo. Tem um conceito sociológico nele que é bastante importante para o esforço de pensar a maternidade-paternidade como experiências: necessidades radicais.

Então hoje vamos de texto requentado.

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Rodrigo faz um ano

Foi numa aula de sociologia da vida cotidiana, disciplina que era dada pelo Prof. José de Souza Martins, que pela primeira vez ouvi falar em necessidades radicais. Estávamos acho que no quarto ano da faculdade e completamente pasmos com tudo o que vínhamos aprendendo nessa disciplina – tendo contato pela primeira vez com autores que nos ensinavam que o conhecimento sociológico pode ser muito mais rico, denso e complicado do que a gente vinha achando até então.

O termo – necessidades radicais – era utilizado por uma autora de referências marxistas, Agnes Heller e procurava nomear aquelas necessidades que, não podendo ser satisfeitas dentro do campo de possibilidades definido pelo presente, impulsionavam a sociedade a construir novas formas, novos acordos...As necessidades radicais, assim, eram necessidades de transformação radical de algum aspecto da sociedade. E quando pensado no interior de uma sociologia da vida cotidiana, as necessidades radicais também tinham a ver com inconformação.

Mas não escrevo hoje para fazer um tratado sociológico: escrevo para comemorar o primeiro ano de vida do meu filho. Há exatamente um ano, o Rodrigo me dava o primeiro de muitos sustos que com certeza virão, adiantando três semanas e dando as caras ao mundo numa quinta-feira depois do feriado, às dez da noite. E que caras mais bonitas! Charmoso, curioso, doce e com bico de vô Hakira, o Rodrigo só nunca teve foi cara de joelho...

E depois vieram os primeiros dias em casa, o Rodrigo reclamando um pouco da mãe ainda meio desajeitada ao dar banho, mas de resto tudo ia encontrando um jeito novo, o jeito da nossa vida com a chegada do Rodrigo...Uma vida mais bagunçada, com mais cansaço, mas com muita alegria. E a mãe boba de primeira viagem curtindo cada momentinho, ligando para o pobre papai várias vezes por dia para passar o relatório da cor e da consistência do cocô...

Tentando fixar cada sensação, cada descoberta do menino, mesmo sabendo que o tempo vai passando tão rápido e as descobertas vão se tornando cada vez tão mais intensas e maiores que é impossível fixar alguma coisa: o Rodrigo é um ser mutante, aprendendo a viver. Fixar alguma coisa só pode mesmo ser idéia de mãe temerosa em perder seu filhote pro mundo...

Uma das coisas boas que o Rodrigo trouxe, isso mesmo antes de nascer, quando ainda era o Gohan, sementinha menor que um grão-de-arroz dentro da minha barriga, certamente foi a curiosidade em pesquisar tudo sobre gravidez, crianças, partos...Foi assim que encontrei os slings (para mim indissociáveis do jeito que fui encontrando de ser mãe) e por tabela a Analy; foi assim que conheci a lista Materna, já bem depois do Rô nascido; foi assim que comecei a perceber que a maternidade me trouxe muitas necessidades radicais...

Para começar, fiquei querendo outro jeito de parir – um jeito sem tantas intervenções, sem tanto estresse com hospitais e suas rotinas, um jeito mais humano. Depois, fiquei também querendo um outro jeito de receber as crianças no mundo – com mais delicadeza, também sem tanta intervenção, sem colírios que machucam o olho, sem pediatra recomendando complemento...E já que parir e nascer são apenas os momentos que inauguram as novas vidas, também fiquei querendo um outro jeito de cuidar – dividindo as tarefas com o pai; arranjando paciência infinita para compreender o bebê no convívio com ele e não segundo receitas mais gerais; fiquei querendo outro jeito de trabalhar (de um jeito que me permita estar junto ao meu pequeno e vê-lo crescer); fiquei querendo outro jeito de viver nessa cidade maluca e vai saber ainda quantas coisas vou desejar que sejam diferentes...Necessidades radicais, que me dão notícia de que a vida pode ser muito melhor do que a gente se acostuma a achar normal.

Os comentários que a Agnes Heller faz sobre as necessidades radicais estão numa coletânea de entrevistas cujo título é "Para mudar a vida".

Nada mais apropriado: hoje faz um ano que o Rodrigo veio para mudar a minha vida, para virá-la do avesso, para reencantar o mundo com sua curiosidade, para ser um companheirinho de todas as horas. Então, hoje queria dividir com vocês essa celebração pela vida dele – o meu menino que aos pouquinhos vai deixando de ser meu para começar a dar os seus primeiros passos.


01 setembro, 2008

Setembro

Hoje mesmo eu estava pensando que já estamos em setembro e que só faltam 28 dias para a estréia de Dexter. Eis que o Maurice me manda a seguinte coisa:


Olha, vou ter que dizer de novo: o Michael C. Hall como Dexter é tudo! Dá até calor!

Zizek

Sempre que eu chego naquela fase aguda de escrever - projeto, dissertação, qualificações, tese -, sinto uma necessidade absurda de ler literatura. É como se para explorar as fronteiras do meu próprio pensamento, eu precisasse ampliar as figuras (de linguagem) à minha disposição.

Mas eis que agora não estou conseguindo ler literatura (talvez porque o mergulho para acabar a tese ainda não esteja tão intenso). Então, antes de dormir, tenho relido o "Bem-vindo ao Deserto do Real", do Zizek.

O livro é composto por cinco ensaios sobre o 11 de setembro: leitura ideal para antes de dormir, como vocês podem perceber.

De todo modo, ontem marquei uns trechinhos para dividir com vocês.

"(...) Na medida em que "morte" e "vida" designam para São Paulo duas posições existenciais (subjetivas), e não fatos "objetivos", é justificável que se faça a pergunta paulina: "Quem está realmente vivo hoje?".
E se somente estivermos realmente vivos se nos comprometermos com uma intensidade excessiva que nos coloca além de uma "vida nua". E se, ao nos concentrarmos na simples sobrevivência, mesmo quando é qualificada como "uma boa vida", o que realmente perdemos na vida for a própria vida? E se o terrorista suicida palestino a ponto de explodir a si mesmo e aos outros estiver, num sentido enfático, "mais vivo" que o soldado americano engajado numa guerra diante da tela de um computador contra um o inimigo que está a centenas de quilômetros de distância ou um yuppie nova-iorquino que corre nas margens do Hudson para manter o corpo em forma? E se, em termos psicanalíticos, um histérico estiver verdadeiramente vivo no questionamento permanente e excessivo da própria existência, quando uma obsessão é o verdadeiro modelo da escolha da "vida na morte"? Ou seja, não seria o objetivo último de seus rituais compulsivos evitar que "a coisa" aconteça - coisa esta que é o excesso de vida? Não seria a catástrofe que ele teme o fato de, finalmente, alguma coisa realmente acontecer a ele? (...)
É assim um paradoxo nietzschiano o fato de o grande perdedor nessa aparente afirmação da Vida contra todas as Causas transcendentes ser a própria vida. O que torna a vida "digna de ser vivida" é o próprio excesso de vida: a consciência da existência de algo pelo que alguém se dispõe a arriscar a vida (podemos chamar esse excesso de "liberdade", "honra", "dignidade", "autonomia", etc.). (...)
A postura sobrevivencialista "pós-metafísica" dos Últimos Homens termina num espetáculo anêmico da vida a se arrastar como sombra de si mesma".

(Slavoj Zizek. "De Homo Otarius a Homo Sacer". Bem-vindo ao deserto do real: São Paulo, Boitempo Editorial, 2003)

Pro Daniel




* Adoro essa música na voz da Bebel Gilberto. E aí, achei também esse vídeo, que ainda por cima tem um moço bonito tocando violão! Mas não dava pra "incorporar" aqui.
** Marido tem razão: sou monotemática :-)