17 março, 2012

aziz ab'saber

era logo que cheguei em são paulo, e o trajeto da república até a faculdade chegava a demorar bem mais de uma hora (ainda mais se contado o tempo de espera do circular, que parava na pracinha da waldemar ferreira). era na época em que a faria lima foi cortada ao meio, e o único ônibus à disposição vinha se esgueirando entre máquinas e tapumes. quando a pressa era muita e o mês estava no começo, descíamos em pinheiros e tomávamos um ônibus direto: o butantã-usp, carinhosamente anasalado em bãtãtãsp nas nossas conversas.
num desses dias, depois de passar a catraca, um senhor puxou papo com a gente. perguntou de onde éramos, contou histórias, riu e fez rir, animado e muito simpático. era o Aziz Ab'Saber. acho que só mais tarde fui me dando conta do quanto ele significava de fato, para além da referência bibliográfica.
não sei se essa é uma impressão que aumentou depois de eu mesma me tornar professora, mas quando a gente leva a sério isso de ser professor de uma universidade pública, isso de ser professor da USP, a gente mistura a nossa vida à da instituição, dá pra ela o nosso tempo, a nossa energia, os nossos sonhos de uma sociedade e um país melhores.
de modo que eu penso no Aziz Ab'Saber, penso na importância dele, penso no quanto a vida dele se misturou à da USP e a de várias gerações de alunos e choro. um choro mansinho, de gratidão e tristeza. e penso nele sentadinho no ônibus, interessado na história de duas estudantes de ciências sociais, timidamente contando suas próprias histórias. e pra distrair do definitivo da morte, penso que ele apenas desceu num ponto antes da gente, deixando um susto e um sorriso que só aumentam à medida em que o ônibus segue viagem.

14 março, 2012

desajeito

quando gratuitamente me estendem uma flor ou um ramalhete - uma doçura, um sorriso, um cuidado, um abraço mais apertado - nunca sei o que fazer. agradeço, acolho atabalhoadamente a dádiva, e parece sempre insuficiente. depois vou procurar um vaso, enchê-lo de água, cavar uma sombra fresca. fazer perdurar a graça. a me lembrar do encontro e também do meu desajeito: as flores um pouco despetaladas, o dedo rasgado por um caule fininho de ponta mais viva.