29 dezembro, 2008

Às vezes acontece da gente chamar "amor" ao que é uma espécie de comédia de erros. Quando a paixão brota de desentendimentos e erros de interpretações. Não é que não seja de verdade: é só que o interesse no outro surge daquilo que a gente imagina, fantasia ou simplesmente torce para ser verdade.

Mas também às vezes, embora mais raramente, a gente chama "amor" ao que é encontro, reconhecimento imediato e acerto.

28 dezembro, 2008

Coincidências

Estava com essa música na cabeça e, por coincidência, reencontrei-a em circunstâncias engraçadas (no meio de uma brincadeira de grupo proposta pelo monitor do hotel onde estivemos, com a familiarada toda. Descobri que é trilha de "O Diabo veste Prada", mas confesso que nunca tinha juntado pé com sapato, apesar de gostar do filme).
Então, "A thousand miles", música com gostinho de adolescência:

It's always in times like these
when I think of you
And I wonder
If you ever
think of me

(...)

If I could fall into the sky
do you think time
would pass me by
'cause you know I'd walk
a thousand miles
If I could just see you
tonight
(Vanessa Carlton)



Fica prum próximo post a coincidência de acordar cantando uma música e travar com o marido o seguinte diálogo:
Ele: por que você está cantando essa música?
Eu: não sei, acordei com ela na cabeça.
Ele: sério? Eu também, estava pensando nela agora mesmo...

Quero dizer, acho que nessa caso nem é coincidência que se chama, né? Tá mais pra sintonia.

24 dezembro, 2008

Anseios


("Oxalá", Madredeus, Euforia)

Simples assim: que a vida corra macia, que haja tempo e espaço para as alegrias e tristezas, que a gente tenha ao lado alguém para nos dar a mão, que a gente tenha esperanças de que amanhã será melhor, mas também perspectiva para saber que mal e bem não duram pra sempre. Uma vida macia e larga. E vozes lindas e doces como a da Teresa Salgueiro para nos embalar no caminho ;-)

23 dezembro, 2008

25 de dezembro de 1997

(Carta à Ana Lúcia)

Ana,

ao receber o seu lindo cartão de Natal, meu impulso foi escrever correndo a resposta. Mas tenho corrido tanto na ânsia de entender e sentir tudo que achei por bem esperar - resgatar a esperança. Deixei que meu autores me seduzissem, que me levassem, que me escolhessem, tudo para que a resposta pudesse se aproximar em sensibilidade a você, amiga tão querida e sábia. Hoje ouvi o Saramago dizer que as mulheres enxergam os homens, mas elas mesmas lhes são opacas. Ele atribui a sabedoria das mulheres ao diálogo que têm umas com as outras, quando compartilham suas experiências.
Pensei em você ao ouvi-lo, não só porque se tratava do Saramago, mas porque nossa amizade é um partilhar, é um diálogo. Ler e escrever suas cartas é um rito de encontro - com você e comigo. É o momento do esquecimento dos compromissos e preocupações que passam , é o momento de procura pelo que fica (e, como ensinou a Marilena Chauí, sempre fica o que significa).
E ficam a beleza e a tristeza que trocamos. Ficam as belas palavras, ficam as ilusões e as decepções. Fica a vida que se inscreve nas entrelinhas, a vida que vivemos e aquela outra, por vezes subjugada, que sonhamos.
E porque é isso o que fica, encontrei em Drummond as palavras que são o meu silêncio:

Amigo, não sabes
que existe amanhã?
Então um sorriso
nascera no fundo
de tua miséria
e te destinara
a melhor sentido.
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo
já teu passo avança
em terra diversa.
Teu passo: outros passos
ao lado do teu.
O pisar de botas, outros nem calçados,
mas todos pisando,
pés no barro, pés
n'água, na folhagem.
Pés que marcham muitos,
alguns se desviam,
mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre,
pois a hora mais bela
surge da mais triste.


Então, Ana, que andemos nossos passos, que caminhemos para o futuro, que não nos furtemos a viver, Que a cada ano possamos marcar o mundo com nossa humanidade porque são essas impressões - e não quaisquer outras - que significam. E por isso construir-se humano é se construir imortal, é continuar a viver nas marcas que deixamos; para que outros pisem o caminho, para que outros andem.
Para mim, o sentido do Natal é puramente religioso, é uma festa de muita alegria e um momento de muito louvor e agradecimento. É a comemoração do nascimento de um homem-deus que caminhou, marcou a terra com seus passos firmes e deixou sinais indeléveis do que significa ser humano - no sentido mais divino na palavra. E o final do trecho do Drummond bem poderia se aplicar à morte deste homem porque mais do que nascer, ele fez renascer. E nós, ainda que não acreditemos nesse mistério, também buscamos na tristeza a beleza necessária à ressurreição. "Fácil suicidar-se de vez. Difícil ressuscitar todo dia", (Ulisses Tavares).

Milhões de beijos,

com carinho,

Fabi

20 dezembro, 2008

Fases como a lua*

Um dia quero mudar tudo

No outro eu morro de rir,

Um dia tô cheia de vida

No outro não sei onde ir,

Um dia escapo por pouco

No outro não sei se vou me livrar,

Um dia esqueço de tudo

No outro não posso deixar de lembrar,

Um dia você me maltrata

No outro me faz muito bem,

Um dia eu digo a verdade

No outro não engano ninguém,

Um dia parece que tudo

Tem tudo prá ser o que eu sempre sonhei,

No outro dá tudo errado

E acabo perdendo o que já ganhei

(...)

Um dia eu sou diferente

No outro sou bem comportada,

Um dia eu durmo até tarde

No outro eu acordo cansada,

Um dia te beijo gostoso

No outro nem vem que eu quero respirar,

Um dia quero mudar tudo no mundo

No outro eu vou devagar,

Um dia penso no futuro

No outro eu deixo prá lá,

Um dia eu acho a saída

No outro eu fico no ar,

Um dia na vida da gente,

Um dia sem nada de mais,

Só sei que eu acordo e gosto da vida

Os dias não são nunca iguais


("Bom Dia", de Swami Jr. e Paulo Freire)

* verso do poema 'Lua Adversa", da Cecilia Meireles.

Imagem: www.gettyimages.com.br

Variadas


- Quinta-feira à noite, resolvi fazer uma roupa nova para o Amigão, já que a antiga tinha uns seis meses e estava encardida como o quê. Enquanto cortava o tecido, até que o Rô se comportou. Mas quando montei a máquina para costurar, rolou uma piração. O menino subiu no sofá e pegou dois rolos de fita colorida, que comprei há muito tempo, para enfeitar arranjos de flores, e esfregou o troço pelo sofá branco. Resultado: quando me dei conta, nosso sofá estava todo manchado de rosa e vermelho! Quase morri do coração. Foi provavelmente o Amigão mais caro que já fiz, pois mesmo com o removedor as manchas não saíram.

- E naquele dia mesmo, horas antes, tinha pensado em como duas decisões que, separadamente são acertadas, juntas se mostram equivocadas. E este era o exemplo: comprar um sofá branco, ok. Engravidar, ok. Engravidar no ano em que se comprou um sofá branco: não dá boa coisa, creiam-me.

- Depois tiro uma foto do Rô e do Amigão novo, que ficou muito bonito e na moda, com sua roupa xadrez :-)

- E enquanto folheávamos um dos livros de softies que comprei, Rodrigo resolveu pedir um novo presente ao Papai Noel: Brock, the Builder, um bicho meio quadrado-martelo, com um cinto de ferramentas. Então ontem saímos para comprar o feltro laranjado para fazer o corpo. Já está cortado e bordado (olhos e ferramentas): amanhã devo costurar e encher...Vamos ver o que vai acontecer. Feltro tem a grande vantagem de não desfiar, mas quero ver se minha maquininha costura esse tecido direito. O Rô me viu cortando e já estava todo animado: "mãe, posso dormir com ele?".

- Depois de ver a Monika e a R. de crocs genéricas, resolvi comprar uma para mim e para o Rô. Então ontem fomos procurar as benditas. Demorei umas três lojas para achar uma para mim que não fosse roxa e quatro lojas para achar uma pro Rô que fosse do tamanho certo e tivesse alguma opção de cores. Pra mim, comprei azul escuro. Pro Rô, comprei uma laranja e uma azul clara (ele que escolheu). Elas são feias, mas são leves e confortáveis. E, honestamente, nessa altura da vida dos meus pés, conforto importa mais que beleza.

- Será que nunca mais vou conseguir usar uns saltos?

- Meu sonho de consumo são os sapatos Sarah Chofakian. Eles são um absurdo de caros, mas são também absurdamente lindos e provavelmente confortáveis (numa entrevista que li com ela, ela dizia que experimenta todos os modelos, num dia normal de trabalho. Se machucar, não é produzido...). Claro que há opções menos bonitas, mas muito mais baratas e super confortáveis: comprei uma sandália vermelha na ifoot e simplesmente não dá vontade de usar outra coisa.

- E o meu joelho? Depois que caí, no ano passado, tinham me sobrado dores no tornozelo e no joelho direitos. O tornozelo melhorou bem depois de 10 sessões de fisioterapia, mas o joelho continuava incomodando e meu médico me mandou não fazer exercícios até poder fazer umas 30 sessões de fisio direto. Tá...Avisei pra ele que só depois do dia 2 de junho de 2009 (isso foi em julho). Pois nas últimas duas semanas, andei um monte, inclusive carregando o Rô. Meu joelho? ótimo! Nem dói mais.

- Papo de mulher, agora: fazia uns dois ciclos que eu tinha comprado o Diva Cup, um coletor menstrual, feito de silicone. Aliás, já faz algum tempo que tento escapar do absorvente descartável. Em parte por preocupação ambiental, em parte porque realmente me preocupa pensar em toda a química envolvida no processo de branqueamento do algodão e papel utilizados em contato com uma parte tão íntima. Tinha tentado os Abios por um tempo, mas confesso que na correria, não dava conta de cuidar direito deles e tinha voltado aos descartáveis. Há pouco tempo, li alguns comentários sobre esses coletores - no Vida Verde, no Guia Vegano, e no Ombudsmãe - e achei a idéia interessante. Estava ensaiando encomendar quando surgiu a possibilidade de comprar um por aqui. Na primeira menstruação, tentei usar dois dias, mas não consegui colocar direito. Na segunda menstruação, sei lá, estava correndo e acabei esquecendo. Mas dessa vez, decidi que ia me acertar com o negócio; tanto que passei reto no supermercado e não comprei os descartáveis esse mês. Olha, parece mentira, mas eu também não sei como vivi tanto tempo sem eles! São práticos, confortáveis, ecologicamente corretos...Colocando direito, eles não vazam e é impressionante como o nosso fluxo é bem menor do que a gente imagina, ao ver o aspecto dos absorventes nos dias de maior fluxo. Vale muito a pena! Ainda não criei coragem para usar durante a noite, mas resolvi que dois ou três Abios dava para encarar, então acho que vou conseguir abolir os descartáveis.

- Vou encerrar agora. A ilustração da Patricia Metola não tem nada a ver com os temas do post, mas é tão delicada que não resisti a dividi-la com vocês.

Update: Fabíola, eu também achava que não ia conseguir me adaptar. Mas com calma e seguindo as instruções ao pé da letra, consegui. Acho que são duas dicas fundamentais: colocar tendo como "alvo" o cóccix e testar a posição, girando. Se não girar facilmente, ele vai vazar e incomodar mesmo. Quanto ao tamanho, o 1 é para não-paridas e mulheres com menos de 30 anos e o 2 para paridas e/ou mulheres com mais de 30 anos, né? Eu uso o 2, e achei ok. Beijos!

Imagem: Patricia Metola, em http://tipika.blogspot.com/

18 dezembro, 2008

Transformar o tédio em melodia*



Zeca Baleiro e Alice Ruiz, "Quase nada".

De você, sei quase nada
pra onde vai ou por que veio
nem mesmo sei
qual é a parte da tua estrada
no meu caminho


Tão bom quando a gente descobre ou inventa ao longo do caminho...

* Cazuza. "Todo amor que houver nessa vida"

16 dezembro, 2008

Para Leila (e também para a Ju)

"Se eu pudesse, hoje, varria, isto mesmo, varria as pessoas todas com vassoura, como se fossem cisco. Limpava o chão, passava pano molhado para refrescar, ia chorar e dormir. Meu coração agora faz diferença nenhuma de coração de galinha ou barata que galinha come. Não tem amor nele, nem de mãe, nem de esposa, nem de nada. Tá seco, raivoso e antipático, quer é sossego, quer é relembrar o morto horas a fio, espernear em cima de vida tão sem graça e cinzenta. Gosto de ir até o fundo da cisterna e revirar o lodo, tirar ele com a mão, me emporcalhar bastante, só para depois ver a água minando clarinha de novo. Gosto de cesta sobre a mesa com mamões e bananas, gosto de lavar o filtro todo sábado, encher as talhas com água nova, gosto. Gosto, mas exaspero-me esquecida dos dons, e parto, como hoje, o pão, sem reparti-lo. É verdade que sou uma mulher inscrita no seu ciclo. Mas já dura demais. Quero é neste dia mesmo, prenhe do meu mênstruo não vazado, escutar dos meus: esta é minha mãe; não vá agora, minha mulher vai fazer uma café. Sorrindo, servindo-os como a pombos, com arrulhos, milho e água fresca, andando no meio do revoar deles, sem pisar nenhum; inocente do pensamento que eu vou gerar nos homens: é uma mulher que se pode contar com ela à noite. Assim, riquíssima e útil, a alta-tensão, por fim, domesticada. O poste fincado, sem perigo, no meio do jardim".

(Adélia Prado. Conto de Solte os cachorros. Em: Prosa Reunida: São Paulo, Siciliano, página 58)

* A Leila chegou no blog procurando por este conto da Adélia Prado. Mas quem me ensinou a boniteza feminina da Adélia foi a Ju, no nosso convívio e numa cartinha linda há muitas vidas.
** Eu não sabia o final do conto; só tinha dele os trechos que a Ju escreveu para mim e que iniciavam um dos meus cadernos-diários de muitos anos atrás. Mas em agosto o Mauricio me deu o Prosa Reunida dele, para fazer companhia ao meu Poesia Reunida. E é só por isso que posso atender o pedido da Leila. Tá vendo? O conto queria mesmo te reencontrar ;-)

Mãe Integral

Com o Rô de férias, ando de mãe em tempo integral (e inclua aí também fazer comidinhas, e cuidar da casa, que a gente não tem ajudante faz tempo!).

Toda iludida a meu próprio respeito, planejei revisar minha dissertação de mestrado - que ano que vem vira livro! - durante as noites. Ontem, primeiro dia sozinhos, eu e Rô, Rô e eu, fomos ao shopping resolver uns últimos presentes e assistir Madagascar 2. Resultado: às 7h40, ele apagou e eu, às 10h30, desabei nos braços de Morpheus...Daqueles sonos ferrados que fazia tempo não curtia, já que ultimamente, acordava pelo menos três vezes para continuar diálogos comigo mesma a respeito da tese...

Hoje também, tive que ir à Polícia Federal no Shopping Light e o levei junto. Pior que fomos bem no horário dele dormir, ele não dormiu e ficou cansado (= andou no colo) e mau-humorado (o Maurice, que almocou com a gente, tá de prova). Fiquei cansadona. Mas sabe que no fundo curti carregá-lo no sling, no meio do centro de São Paulo? Chegamos em casa, ele tomou banho, me ajudou a fazer o bolo de aniversário do Edu, e depois deitamos. Dormi uns dez minutos e ele está lá, curtindo um soninho.

Cansa. Mas também tem um lado bom, que é não chegar perto do computador sem culpa, pelo menos até o Natal. Tô curtindo fazer umas comidas diferentes, uns lanches bacanas. E não canso de ficar impressionada em ver como ele cresce rápido. Fala-fala-fala (segundo a minha mãe, que escutou a conversa dele no telefone hoje de manhã por dez minutos e já ficou tonta: "você era igualzinha, minha filha; de vez em quando, eu queria que você tivesse um botão de liga/desliga"). Vocês vejam: castigo anda a cavalo...

Vou acabar escrevendo menos por aqui, mas é por uma boa razão. E de vez em quando fujo, para contar as artes do pequeno (ou aqui ou n'O Livro de Histórias do Rodrigo), como a de hoje de manhã. Acordei, e como ele ainda estava dormindo, fui tomar banho. Saí do banho e percebi que ele tinha acordado, pois a porta do quarto dele estava aberta. Chamei:
-Rodriiigo!
Ao que ele, descoladíssimo, respondeu:
- E aí?
O melhor foi descobrir que, recém saído da cama, já estava aprontando: lambuzou a perna inteira de arnica (eu tinha esquecido a pomada no sofá ontem á noite, depois dele acordar chorando que a perna estava machucada...).

11 dezembro, 2008

Ternura

Por fim, ontem foi muito gostosa a contação de história. Principalmente porque tinha o “coelho da cartola” do tal do bolo de lobo fofo :-)

Cheguei e as crianças já estavam me esperando na roda, todos lindos. E o Rô, abriu um baita sorriso quando me viu, mas nem veio correndo me abraçar, como de costume. Ficou lá na roda, para ouvir a história.

Ele não tinha visto nem a caixa, nem os fantoches de papel e, portanto, estava tão curioso quanto as outras crianças. Ele só sabia do bolo, mas tínhamos combinado dele não contar pros amigos.



Enquanto decidíamos se eu ia contar na roda ou se íamos fazer de um outro jeito, para que eles não pudessem olhar dentro da caixa, eles ficavam me chamando. O P.G. ficava “Fabiaaana; Fabiaaaná!” e ao ouvi-lo, o U. também começou a me gritar. A A.M., que é uma doçura de menina, me olhava desconfiada mas com os olhos sorrindo. Como eles são queridos! Ainda nesse meio tempo, o F. Veio conversar comigo, me explicando que aquela caixa era um presente de aniversário. Aí perguntei de quem era o aniversário e ele me explicou, paciente, “de ninguém...”.

Bom. Aí fui começar a história. Me apresentei, expliquei para eles que a história que eu ia contar, a minha mãe contava pra mim, mostrei a minha edição do livro (toda detonada, precisando reencadernar). E comecei a história. Mal tinha falado o nome, eles começaram: “Eu tenho esse livro!”, “mas a chapeuzinho é vermelho!”, “será que tem lobo nessa história?”, “ah, tem, e ele vai comer a chapeuzinho!”.

Alguns palpites mais, respondidos, e continuamos. Como a história é bem ritmada, até que eles ficaram mais atentos do que eu esperava. A maior questão mesmo é segurar os palpites, porque eles ficam pirando na continuação da história!


Aí, apareceu o lobo, a Chapeuzinho perdeu o medo, e na hora em que o lobo fala lo-bo umas vinte e cinco vezes, eles me ajudaram, fazendo coro: lo-bo-lo-bo-lo-bo-lo-bo-lo... E então chegou o momento do coelho da cartola: quando a Chapeuzinho manda ele parar, e ele vira um bolo de lobo fofo, tirei da caixa o bolo de chocolate, todo colorido e com vela em cima! A cara deles!!! Eles ficaram boquiabertos e começaram a bater palmas. E aí claro que as últimas páginas foram esquecidas, porque eles levantaram e se amontoaram em volta do bolo. Aí todos foram lavar as mãos – e nessa hora o Rô virou pra mim, super dono das regras do espaço dele, “não pode comer de mão suja, viu?”.

Fui cortando e distribuindo o bolo, tentando driblar as tentativas de sedução, ali no meu ouvido: “Fabiana, primeiro eu, tá?” (e nem era o Rô). Nisso, a A. M. recusou uns três pedaços que ofereci a ela (mas não saía do meu lado). Aí, eu resolvi tentar: “A. vou te contar um segredo: esse bolo de lobo eu fiz com chocolate!”. Resolvido o problema! Ela começou a rir e aceitou o pedaço... As outras crianças entraram na fantasia, mas estavam contentes da vida, comendo perna, orelha, barriga e olho de lobo. Tão bom quando a gente enfrenta o medo e o transforma em bolo de chocolate...

Sei que o Rô estava felicíssimo. E hoje de manhã, pediu para contar e me contou a história umas três vezes. Aí, em um dado momento, parou e me disse: “mãe. Eu 'tou chateado”. Perguntei por que e ele me explicou: “é que eu queria que você fosse de novo na escola, contar a história da chapeuzinho, pra gente comer de novo o bolo do lobo!”.

Já na segunda-feira, em que fui de manhã na aula de capoeira para a qual os pais foram convidados, tinha percebido como eles ficam felizes de terem os pais no espaço deles. É uma explosão de alegria! Tão bonito!

Essas visitas são muito marcantes, ainda mais com essa partilha de histórias...A proposta fechou o ano – que já foi tão intenso e bonito para esse grupo – com chave de ouro. Foi muito emocionante.

* ontem à noite, também rolou o primeiro encontro do grupo do Rô sem ser em festa de aniversário: alguns amigos se encontraram numa pizzaria. Aí, a mãe da L. me contou que foi contar a história da D. Baratinha (que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha). Ela levou uns apetrechos para contar a história e disse que nunca imaginou que eles iam pedir para ver quanto dinheiro ela tinha na caixinha! Mas eles pediram e ficaram muito desconfiados ao ver que estava vazio. Ela apelou para a imaginação “tem um monte de dinheiro, sim, olhem!”, mas eles parece que não acreditaram não...Falei que era um público difícil: eles não deixam nada barato!

10 dezembro, 2008

Frio na barriga

Hoje vou na escola do Rô, contar uma história para o grupo deles. Como eles trabalharam contos de fada esse semestre, e narrativas variadas, os pais foram convidados a ir contar uma história pro grupo, na hora da roda da saída. Era para eu ter ido na quarta passada, mas como o Rô estava doente, tivemos que adiar.

Vou contar a história da Chapeuzinho Amarelo (já que o Rodrigo não quis que eu contasse a do Issunboshi - que é parecida com a do pequeno polegar e está no Histórias Preferidas das Crianças Japonesas).

Ontem de manhã, Rô e eu preparamos o "bolo de lobo fofo" para comermos ao final da história. Ele ficou um pouco decepcionado de ter que esperar até hoje para comer, mas acabou ficando satisfeito só de lamber a massa :-)

De noite, fiquei preparando uns fantoches de papel e hoje de manhã já preparei uma caixa de histórias para levar todos os apetrechos. Modéstia à parte, ficou tão bonita. Pintei a base de guache verde e encapei a tampa com uma chita super delicada que tinha comprado sábado (as férias estão chegando e quero ver se testo umas receitas de softies: tem um elefante que estou muito animada para fazer!).

Eles são um público difícil! Pelo menos o Rodrigo é. A professora dele me contou que, depois da apresentação dos pais do P.C., a mãe dele perguntou se eles tinham gostado e o Rô (penteeelho!) respondeu: "- Eu não gostei". A J. que, além de mãe, é professora, se saiu bem: "- puxa, Rô, que bom que você é honesto. Mas por que você não gostou". E aí, o futuro crítico de arte soltou: "- achei que demorou muito pra começar a história".

Quero nem ver o que me espera...

07 dezembro, 2008

Bater em criança é covardia


A Flavia foi quem me avisou da blogagem coletiva "Bater em criança é covardia" e eu resolvi participar porque realmente acredito que bater em criança, mesmo que seja uma palmada, é covardia. Covardia e incoerência, principalmente se você está tentando educar o seu filho de forma não-violenta. Por isso, mesmo que muito atrasada, estou escrevendo.

Pensando em como começar, me lembrei de algumas coisas. Minha mãe raramente bateu na gente - e das duas ou três vezes em que isso aconteceu, lembro que foi porque eu e minha irmã realmente a provocamos até tirá-la do sério. Apesar de dar uns gritos de vez em quando, minha mãe era muito tolerante com nossas bagunças, por achar que brincar faz parte de ser criança. Se sempre gostei tanto de conversar com as crianças com respeito à sua inteligência, sem usar voz de nhé-nhé-nhé ou falando errado, sem dúvida aprendi com a minha mãe. Ela conversava, explicava, e poucas vezes lançou mão (com perdão do trocadilho) de palmadas para nos "educar".

Já meu pai batia, sim. Tenho péssimas lembranças de tapas, chineladas, sempre em explosões de raiva. Especialmente na época da separação, em que todo mundo andava à flor da pele e eu, com uns oito, nove anos, expressava minha raiva com aquela situação da maneira como podia - o que às vezes significava bagunças, quebrar coisas, não querer dormir... Só lembro de uma única vez em que não achei injustas as palmadas, e foi numa situação em que ele me deu bronca, avisou da punição e só foi me bater quando chegamos em casa, depois de caminharmos até em casa. Não sei nem se a sensação foi de justiça, ou se foi só porque foi uma das únicas vezes em que não foi uma explosão de irritação.

Eu já bati no Rodrigo, algumas vezes. Em todas as vezes me arrependi muito, depois conversei com ele, pedi desculpas e expliquei que o que fiz não estava certo. E percebi que eu só chegava a esse extremo em situações muito específicas. Da minha parte, acontecia quando eu estava muito cansada ou muito preocupada e, por isso mesmo, ausente (mesmo que de corpo presente). A essa ausência o Rodrigo reagia provocando até o limite, fazendo tudo para me fazer "voltar pra terra". A combinação explosiva era minha falta de atenção + minha falta de paciência para ler nas atitudes do Rodrigo o que ele tentava me dizer, do alto de seus três anos de idade. Reconhecer isso me ajudou a respirar mais fundo, contar até três antes de bater. Mas também me ajudou a cuidar mais de mim, a me ausentar - fisicamente - com menos culpa para estar mais inteira quando estou com ele.

Mesmo já tendo perdido a cabeça em alguns momentos, bater em criança é uma das coisas mais revoltantes pra mim. É covardia porque eles são menores do que a gente, porque eles têm muito menos capacidade de se defenderem e, por isso mesmo, fica marcada no corpo a sensação de impotência diante de uma situação incontrolável. Além disso, há o absurdo de perceber que aquele que deveria nos cuidar e proteger, pode nos agredir. Quebra-se o vínculo de confiança e constrói-se outro, de medo.

Pensar em formas de educação não-violenta passa por recusar essas formas de punição corporal, sim. Passa por construir relações de companheirismo com nossos filhos, e não me refiro aqui a recusar o papel de educador para tentar "ser amigo" dos filhos. Refiro-me à compreensão, à observação dos significados dos comportamentos, a respirar fundo e repetir a lição quantas vezes forem necessárias, à dizer "não" com firmeza e a dar a cada atitude do filho uma dimensão próxima a que ela tem - tentando nos distanciar de nosso próprio cansaço, frustrações, impaciências.

Não que seja fácil; somos, afinal, humanos. Mas podemos aprender, junto com nossos filhos, a enfrentar a agressividade que sentimos de vez em quando. Não tem exemplo melhor que podemos dar a eles.

Desnecessário dizer que estou longe de ser perfeita. Vira e mexe falo mais alto do que gostaria, digo "não" por impaciência, "caio" na provocação do Rô. Mas estou atenta.

Para encerrar, lembrei de uma coisa que o coordenador da escola do Rô disse um dia: que era necessário enfrentar o desafio de educar sem ressentimento, isto é, educar sem se irritar de ter que repetir a lição. As crianças estão aprendendo a viver, e cabe a nós mostrar para elas uma vida onde caibam também os erros, as quedas, as besteiras e os consequentes arrependimentos.

Vejam também outros blogs participantes da blogagem:
o post da Flávia, na Bebedubem
o post da quatro Mamíferas
o post da Rosana, no Diário de uma mãe-mulher-humana

05 dezembro, 2008

Sorte


Sorte, sorte mesmo é ter amigos tão, mas tão queridos, que juntam inteligência e delicadeza e, antes de mandar uma mensagem de puxões de orelha plenos de razão, ligam antes para avisar.

Maurice, meu amigo mais querido, é impossível imaginar minha vida sem você. Quer dizer, até dá. Mas é tão chato e tão mais pobre, que não vale a pena (nem o pensamento nem a vida).

Imagem: www.gettyimages.com.br

04 dezembro, 2008

Sim

“O mar carmesim às vezes como o fogo e os poentes gloriosos e as figueiras nos jardins da Alameda sim e as ruazinhas esquisitas e casas rosas e azuis e amarelas e os jasmins e gerânios e cactos e Gilbraltar eu mocinha onde eu era uma Flor da montanha sim quando eu punha a rosa em minha cabeleira como as garotas andaluzas costumavam ou devo usar uma vermelha sim e como ele me beijou contra a muralha mourisca e eu pensei tão bem a ele como a outro e então eu pedi a ele com meus olhos para pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu pus os meus braços em torno dele e eu puxei ele pra baixo pra mim para ele poder sentir meus peitos todos perfume sim o coração dele batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sins” (Ulisses, de Joyce. Tradução de Antonio Houaiss).


Socorro...



Adoro essa música. Embora nesse momento seja justamente o contrário: queria sentir menos, em menor intensidade, que o coração não batesse tão forte e pesado, que as lágrimas não parecessem estar sempre na beirada do olho, ou que a felicidade plena não parecesse tão iminente, que o amor não fosse tão definitivo e o ódio tão arraigado.

Quem disse que a "vida é o que acontece quando a gente está distraído" não entendeu nada: a vida é o que acontece quando a gente sabe e sente e dói. Aqui e agora.

O que acontece no resto do tempo, eu não sei bem do que chamar.

02 dezembro, 2008

Quatro Coisas

A Thais tinha proposto esse memê (é assim?) há algum tempo. E aí semana passada recebi do Pedro, por e-mail, e resolvi fazer também.

Vamos lá:

QUATRO TRABALHOS QUE TIVE EM MINHA VIDA.
1. Cortadora de moldes para vidros jaetados (invenção na minha avó, quando eu tinha uns 12 anos, porque 'mente ociosa é oficina de vocês sabem quem...')
2.Professora particular de português, em inglês, para um norueguês (Eu devia ter uns 14, 15 anos).
3. Educadora de adultos, em curso de Educação Cooperativa
4. Sistematizadora das experiências de projetos sociais

QUATRO LUGARES EM QUE VIVI :
1. São Paulo, Consolação
2. São José dos Campos, vários lugares
3. Londrina, PR
4. São Paulo, do Itaim Bibi até Lapa, passando por Butantã e Aclimação

PROGRAMAS DE TV QUE ASSISTIA QUANDO CRIANÇA:
1. Balão Mágico
2. Bambalalão
3. Qual é a música? (o que me provocou a síndrome de começar a cantar quando escuto uma palavra qualquer, como bem apontou minha enteada)
4. Pão, pão, beijo, beijo

PROGRAMAS DE TV QUE ASSISTO:
1. Supernatural
2. Chuck
3. Dexter
4. House

QUATRO LUGARES EM QUE ESTIVE E VOLTARIA
1. Acho que neste exato momento não quero voltar para lugar nenhum, só conhecer lugares novos.

FORMAS DIFERENTES QUE ME CHAMAM
1. Bi
2. Bibi
3. Fabí
4. Fá

QUATRO PESSOAS QUE TE MANDAM E-MAILS TODOS OS DIAS: ou quase né...
1. Edu
2. Mauricio
3. Mauricio
4. Mauricio (e eu adooooouro!)

QUATRO COMIDAS FAVORITAS
1. Salada verde, bem fresca e variada
2. Kibe redondo do Jáber
3. Sushi
4. Udon, de um restaurante da Liberdade

QUATRO LUGARES EM QUE DESEJARIA ESTAR AGORA
1. Qualquer um que tivesse uma cachoeira bem bonita.
2. Qualquer um que tivesse um mar bem bonito.
3. Sem mais idéias ou desejos.
4. ...

Confort Food


Um dos meus programas prediletos da Nigella é um em que ela faz várias "confort foods", isto é, aquelas comidas que a gente tem vontade de comer quando o coração aperta e agosto se instala por dentro (ajudou, Fabíola? "agosto por dentro" é essa tristezinha que nos acomete de vez em quando, doendo muito e parecendo que vai durar pra sempre). Eu fico confortada só de ver aquele risoto maravilhoso, cozinhando lentamente e que deve ser tão bom quanto canja de avó. Claro que a imagem da Nigella também ajuda um pouco, né, que eu sou apaixonada confessa: acho ela linda, linda, linda e adoro vê-la se deliciando com doces e comidas boas!

Teve uma época na minha vida, pouco antes de mudar uma porção de coisas, em que eu usei muito a cozinha como espaço de alquimia: tinha desejo de coloridos, matava a fome só de ver as cores fortes, sentir os cheiros invadindo a casa... Acho que brincava de transformar o cru em cozido só para transformar por dentro o que precisava, sem ter que pôr em palavras.

Talvez por isso mesmo eu goste tanto do livro Kitchen, da Banana Yoshimoto. São três contos, todos muito bonitos e delicados, todos de alguma maneira lidando com a morte e com a inconformação. Já perdi a conta das vezes que li.

O primeiro conto, "Kitchen", é sobre solidão e encontro, sobre medo e aceitação. E mesmo sendo tão marcado pela morte, é leve... quase infantil na forma da narrativa. Podia ser um conto de fada. Excetuando que, ao invés de princesa, a mocinha vira chef. E que o príncipe, ao invés de decidido, tem mesmo vontade é de fugir.

Foi por causa desse conto que eu, que sempre gostei de Udon, elegi essa comida como a minha preferida quando preciso de "confort food" - ela é quente, tem macarrão, caldo de frango, omeletinhos, pode ser colorida com cenoura ralada e muita cebolinha, e ainda tem kamaboko (massinha de peixe, que pode ser cor de rosa ou pode ter recheio de gobô, que eu amo!). O Edu faz um Udon delicioso e reconfortante.

Em um dado momento do conto, Mikage (a mocinha) está loooonge e faminta e decide ir até um restaurante, comer Udon. E é tão gostoso, tão quente, tão suficiente para fazê-la esquecer de todas as suas dores, que ela decide pegar um táxi e ir até uma cidade distante levar um pouco para o Yuichi. Várias trapalhadas depois, ela consegue entregar a ele e eles comem juntos. E mesmo que contado assim pareça bobo, o amor deles é tão cheio desses pequenos cuidados, na proporção inversa da capacidade deles de expressá-lo em palavras, que a cena acaba sendo tocante.

Outra comida que adoro é o risoto de pêra e gorgonzola que a Monika faz. Não é só o risoto, claro, é a conversa durante a preparação, o vinho, os cheiros, o barulho de pratos sendo postos à mesa... A celebração da possibilidade de dividir tanto, com que tanto já é dividido.

E vocês? O que comem quando a vida pesa?

Imagem: http://www.platinumkoi.co.za/special/japan2006.htm

30 novembro, 2008

Brevíssimas


* Rodrigo está doente, desde quinta-feira fazendo febre, febrinha e febrão. Quando com febre, fica chateado, só quer colo. Quando só está febril, dispara a matraca e quase nos deixa tontos de tanto que fala.

* Terça à noite estava conversando com o Edu e falando de marxistas e não-marxistas. Só que estava conversando enquanto ajudava o Rô a escovar os dentes. Aí, o Rodrigo cuspiu a pasta, virou-se pra mim e perguntou:
- eu, mãe?
- não, filho, não é você. Você não é marxista.
- mas mãe, eu sou sim, eu sou "maik-sista".
Só escutei a família inteira gargalhando. E tentei consertar:
- não filho. fala que você é pós-moderno e pós-estruturalista.
Coitado. Não tem jeito dele crescer normal...

* Depois do post sobre o anjo Castiel, de Supernatural, marido veio falar comigo:
- Você gosta de um psicopata (o Dexter), um médico egocêntrico e canalha (o House) e de um anjo torto? Eu acho que você tem problema.
Mesmo sendo obrigada a concordar, vamos combinar que, se eu tenho mesmo algum problema, isso também deve dizer respeito a ele, não é não?

* Mesmo doente, o Rô está falando cada coisa engraçada! Ele continua com a coisa de parar tudo e dizer "agora espera que eu vou te contar uma palavra nova, tá?" e sábado estávamos almoçando quando ele virou pra mim e começou a me contar a história do Kung Fu Panda (como se eu não estivesse lá em todas as 90 vezes em que ele assistiu) e fez igualzinho ao Po, "eu adoro Kung Fuuuuuuuuuuu", com o maior bico do mundo!

* E os presentes que ele quer dar para os professores? No Dia dos Professores, queria dar um cachorro para a A. Aí dissemos, "filho, mas e se ela não gostar de cachorro?". Mais que depressa ele respondeu: "então vamos dar um gato!". Ontem, saímos e aproveitamos para resolver uns presentes. Aí ele queria dar para a A. um colar enooooorme, cheio de penduricalhos. Como eu disse que talvez ela não gostasse, ele sugeriu uma pulseira verde, de plástico. E depois um lenço de seda branco com bolinhas pretas :-)

* Não que ele não tenha bom gosto, né? Agora, de manhã, ele escolhe as próprias roupas, sempre observando: "olha, mãe, eu vou pôr esta blusa, que combina com essa calça, tá?".

* tô devendo um post sobre a blogagem coletiva "Bater em criança é covardia", mas essa semana me livro da dívida, espero.

Imagem: http://www.gettyimages.com.br/

27 novembro, 2008

Sinais

"Ela nunca atravessava a rua se o farol estivesse vermelho. Havendo tempo de sobra para cruzar de um lado para o outro ou mesmo carro nenhum à vista, a moça ainda assim permanecia parada na esquina, esperando pacientemente que as luzes ficassem verdes. Há que respeitar o sinal, ela afirmava sorrindo, sem se importar muito com o sarro que os amigos tiravam, o que frequentemente acontecia. Da mesma forma o preço das coisas. Para ela cem reais eram cem reais e pronto. Não era o que tava escrito na plaquinha?
Ela não furava fila.
Ela não falava alto.
Ela observava os limites de velocidade.
Até que um dia ela se apaixonou por uma pessoa comprometida. E esse – apenas esse – sinal ela não conseguiu respeitar", (Flávia Stefani).

Daqui, ó. Tão simples e tão bonito.
É impressionante como, mesmo em novembro-quase dezembro, irrompem uns agostos por dentro, fazendo coração e respiração pesarem e até a alegria doer.

O jeito é ficar em silêncio.

Ou ouvir Zeca Baleiro, cantando "Skap", só pra lembrar que há a possibilidade de parecer menos só:

"quando você diz o que ninguém diz
quando você quer o que ninguém quis
quando você ousa lousa pra que eu possa ser giz
quando você arde alardeia sua teia cheia de ardis
quando você faz a minha carne triste quase feliz

você me faz parecer menos só menos sozinho
você me faz parecer menos pó menos pozinho".

26 novembro, 2008

Recuperação da adolescência*



Sabe quando a gente é adolescente e fica encantada com algum ator-cantor-jogador de vôlei? Eu agora estou adorando o anjo Castiel, interpretado pelo ator Misha Collins, em Supernatural. Não é bem aquela coisa de ficar colecionando Caprichos e afins que tiverem o ser na seção Gato do mês (isso ainda existe?). Tô curtindo mesmo é o personagem, todo em crise, no estilo "Asas do Desejo" pop.

Aliás, essa temporada está tão boa. Um episódio melhor do que o outro, incluindo os de "monstros da semana". Até o Sam, de quem eu confesso que tinha certa birra porque nunca me livrei do Dean que ele fazia no Gilmore Girls, está revelando que é bem mais que bom moço.

E o Dean - que eu já curtia desde que o ator fazia...como chamava? Aquela série dos humanos com códigos de barra no pescoço? Dark Angel! (Santo IMDb...). Mas ele já era engraçado. E além de engraçado, nessa temporada que (spoiler!) ele voltou do inferno, ele está muito interessante.

Se eles ainda derem um jeito de fazer um episódio em que o pai deles apareça, esta vai ser a melhor temporada de todas!

E já que estamos falando de recuperação da adolescência e anjos decaídos, um pouco de U2, hit de bailinhos e trilha de "Far away, so close": Stay.

* Título de um poema da Ana Cristina César, lindo por sinal: "é sempre mais difícil/ ancorar um navio no espaço".

Imagem: http://flickr.com/photos/38117284@N00/2887197999/

25 novembro, 2008

De baibais e acidentes

Para a minha "internação", além de computador, livros e textos, levei também um pouquinho de literatura, pros momentos em que os dedos no teclado arranhassem os limites das figuras à minha disposição.

Levei Rilke Shake, da Angélica Freitas (que resolvi comprar porque vi lá no Quase Resenhas e gostei do que li) e eXato acidente do Tony Monti.

O tempo continua me atropelando, mas mesmo assim, queria dividir com vocês esse poema:

o que é um baibai?

baibai es un adiós.
un farewell sin pañuelos.
tem gente que escreve haikai,
três linhas a bashô.
baibais também seguem modelos.

quem escreve baibais sabe que acabou
-se o que era doce.

(Angélica Freitas)

Sobre o livro do Tony, preciso de tempo para acabar de digerir. Há muito tempo, tinha comentado com a Nara que o que eu gostava na literatura do Tony era que, à diferença dos escritores mais novos que eu já lera, era uma literatura sem a fúria destruidora que eu sentia em vários escritores. eXato acidente confirma e desafia essa idéia: ler o livro foi passear no zoológico, de mãos dadas com a personagem do conto "O Bufálo" (da Clarice Lispector) .

E mais não digo porque preciso de mais tempo. Não para escrever: para ser capaz de dizer mesmo.

24 novembro, 2008

Eu tô voltando

Queridos e queridas: fiz um retiro pra terminar um capítulo da tese e só desinternei ontem à noite. E hoje tinha encontro com orientadora e duas mesas de simpósio - num deles, inclusive, apresentava trabalho. Por isso o sumiço.

Mas agora, tô voltando.

19 novembro, 2008

Bagunças


Hoje de manhã, na hora de ir à escola, Rodrigo me pediu para ir de camisa. Ele adora camisas. Em toda festa ele pede para colocar - ele tem uma toda estampada, com desenhos de leão, elefante, passarinho, e ele adora!

Combinei com ele então que ele poderia ir de camisa, se colocasse a camiseta do uniforme por baixo e se tirasse caso houvesse atividade no ateliê.

Aí, fomos levá-lo à escola e dei a mesma dica pras meninas do apoio. A M. ainda me disse que aquele não era dia de ateliê de manhã, mas que ela avisaria a prof. do Rô à tarde (hoje é dia em que ele fica o dia todo).

No fim da tarde, fomos buscar o Rô na escola. E conversamos um pouco com a professora dele, combinando reunião etc. e tal, quando ela se lembrou de um recado importante: - "Você não sabe o que aconteceu!". Como o Rô anda aprontando, deu até medo...

Bom. Dá-se o caso que, de manhã, estava o G2 na quadra e, de repente, Rodrigo sumiu, levando junto o M. Aí eles começaram a procurar os meninos. Procura, procura, onde estavam os meninos? No Ateliê. Fazendo o quê? Cobertos de tinta! E o Rodrigo estava de camisa, óbvio.

O pior é que a A. (prof. do Rô), soube dessa história porque, quando chegou na escola, estavam as duas meninas do apoio, superpreocupadas, esfregando a camisa dele, para tirar as manchas! Fiquei tão chateada...Porque eu só comentei com elas esse combinado com o Rô: não é que eu não queria de jeito nenhum que a camisa sujasse, né? Afinal, deixei ele ir pra escola com ela - a sujeira estava no pacote. Eu só estava tentando ensina-lo a cuidar um pouco mais das coisas dele. Não ia imaginar que a minha ressalva ia dar motivo pro menino (1) fugir do professor; (2) arrumar um cúmplice; (3) invadir o ateliê e (4) tomar banho de tinta, só pra ver a minha cara...

O mais difícil foi ficar séria para mostrar pro Rodrigo que o que ele fez foi errado. Porque a verdade é que foi tanta arte, que foi até engraçado.. Só de imagina-lo coberto de tinta...Ai, como eu queria ter uma foto! Mas aí, maridón me mandou ficar séria e eu fiquei. Pelo menos pra dizer que não podia fugir do prof. ou entrar no ateliê sem que o grupo dele estivesse em atividade. Ai, ai.

Como diz o Edu. Com o Rô, só usando o reverso da psicologia reversa, revertida! O cara consegue dar nó na gente!

* A foto é de dezembro de 2007, no dia 15, mais precisamente - aniversário do Edu. O Rodrigo estava num baita mau-humor, e aí resolvi brincar com ele de pintar a cara. Ele ficou tão, mas tão feliz. E num momento de distração, enquanto eu preparava as coisas para coloca-lo no banho, ele se jogou no box, de pijama e tudo, e ficou gargalhando sozinho de patinar de barriga na água :-) Coisa boa da vida!

17 novembro, 2008

Irritação

Alguém me explica por que o corretor do Word quer que eu use crase antes de verbo no infinitivo?

Ou porque ele me manda escrever frase com apenas 50 palavras, reclamando toda vez que passa disso, mesmo que sejam apenas 51 palavras?

Haja!

16 novembro, 2008

Maternidade como experiência - II

Queridos, acabei transferindo a discussão lá pro Margens, no post de hoje.

Nó na cabeça

Rodrigo acordou às 6h hoje. Na verdade, às 5h52. Aí foi pra sala, ficar largado um pouquinho, esperando começar o Pocoyo...

Umas 6h30, acho que o Edu tinha saído da sala e, quando voltou, o Rô tinha desligado a TV. E o trato com ele é que ele não mexe nos eletrodomésticos. Então, ouvi o seguinte diálogo:

- Rô, porque você desligou a TV?
- Porque eu não queria mais assistir. Mas agora eu quero.
- Então liga de novo.
- Mas pai, eu não posso. Eu sou pequeno.
- ...
- Criança não pode ligar a TV.


***

E eu ia preparar um post só com os livros preferidos do Rodrigo, mas acho que ainda não vai ser hoje.

Essa semana, da Biblioteca Circulante da escola, ele trouxe um ótimo - da Rosane Pamplona, com ilustrações da Ionit Zilberman: "João Boboca ou João Sabido?". É impressionante como poesia e rimas fazem muito sentido para crianças pequenas. "A Galinha Xadrez" também é rimada, e ele acaba decorando tudo. Do "111 Poemas para Crianças", por exemplo, ele recita direitinho o poema "Minha Cama", e isso desde que tinha uns 2 anos! (Coruja, eu? Vendo o ser pequenininho recitando poesia? Impressão sua).

Minha Cama (Sérgio Caparelli)

Um hipopótamo na banheira
Molha sempre a casa inteira.

A água cai e se espalha
Molha o chão e a toalha.

E o hipopótamo: "Eu não ligo,
Estou lavando o umbigo!"

E lava e nunca sossega:
esfrega, esfrega e esfrega

A orelha, o peito, o nariz
As costas da mão e diz:

Agora vou dormir na lama,
porque é lá a minha cama.

E você? Lembra de cor alguma poesia que aprendeu quando criança?

Eu lembro do Fernando Pessoa ("O poeta é um fingidor"...) e da Cecilia Meireles ("Tenho fases como a lua...").

E lembro também do frisson que foi quando minha irmã, um dia, chegou da escola recitando o poema da "norte": Da "norte", ninguém escapa/ nem o bispo, nem o papa/ nem o rei/ mas eu, nem que seja pra gastar/ até meu último vintém/ compro uma panela/ entro dentro dela/ tapo bem./ e a "norte" fala assim/ hum, hum, aqui não há ninguém! :-)

15 novembro, 2008

Aqueles Dois


Ontem fomos, Maurice e eu, assistir ao espetáculo Aqueles Dois, baseado no conto homônimo do Caio Fernando Abreu.

Confesso que estava bem com medo. A única vez em que vi uma montagem de textos do Caio foi "O Homem e a Mancha", encenada pelo Marcos Breda. Mas "O Homem e a Mancha" é um texto escrito para teatro e foi dirigida pelo Luiz Arthur Nunes, que era amigo e co-autor de peças do Caio. Lembro-me que também já houve uma montagem de "Dama da Noite" que fez bastante sucesso, mas não cheguei a ver. Ir assistir montagens baseadas em contos ou romances de nossos autores preferidos é sempre meio desconfortável pois significa dar corpo e voz a personagens que a gente, ao ler, recria. Se for bom, a gente acaba colando pra sempre o corpo à personagem. E se for ruim, às vezes a gente até perde o gosto da leitura...

Mas a montagem da Cia. Luna Lunera foi bastante fiel ao espírito do conto, acho. De fato, acho que essa é a primeira qualidade da montagem - um sentimento de respeito ao conto e ao autor, embora não um respeito paralisante que impeça a criação e a "tradução" do texto literário em linguagem cênica.

É claro que as leituras podem variar, mas "Aqueles Dois" é um conto muito, muito delicado. Fala de encontro, de reconhecimento. E talvez fale mais de amizade do que de amor (para seguir uma pista obscura que o Maurice me lançou há algum tempo).

Ao contrário de outros contos do Caio em que o sexo irrompe no texto, sempre expondo os personagens de um jeito um tanto cru, nesse conto não há sexo. Há talvez o susto do desejo, mas o Caio, super sacana, termina o conto deixando o leitor em suspense, só pra ver se a gente cai na mesma armadilha de mediocridade e, ao invés de apreciar a boniteza da relação, vai ficar se perguntando, mas "é namoro ou amizade?". Porque o conto todo é sobre essa violência de uma sociedade que só entende as coisas pelo viés do sexo e é incapaz de acolher o convívio de duas pessoas sem rótulos. Duas pessoas que se gostam muito, que convivem cotidianamente, que juntas são melhores do que separadas têm que ser amantes. Independente do sexo.

Fossem "aqueles dois" um homem e uma mulher e não haveria conflito; fofoca, talvez; as mulheres até suspirariam aliviadas, sentindo-se menos rejeitadas; mas ninguém se sentiria ameaçado, o mundo continuaria a rodar. E é por isso que o conto tem como subtítulo "História de aparente mediocridade e repressão".

Voltando à peça, ela flui. Momentos divertidos se alternando com momentos mais intensos, mas achei tudo afinado. Às vezes o volume (real) é um pouco alto demais, mas ainda assim, o importante é que não se perde o tom (metafórico) de que se trata de uma história de encontro e reconhecimento.

Apesar da história ser sobre "aqueles dois", são quatro atores no palco e achei que funcionou bem. A alternância dos papéis, o ritmo, acho que foi mais interessante do que se fossem só dois em cena. Mas mais do que isso, acho que esse recurso deu leveza para a idéia de que é preciso o tempo todo estar atento para se reconhecer no outro e reconhecer o outro. De algum modo, a contínua mudança de quem enunciava as falas de Raul e Saul parece sugerir que eles são especiais apenas por terem se reconhecido e, a partir daí, não terem recusado a aventura de mergulharem um no outro.

Mergulho que o sexo talvez não tivesse permitido, sendo fusão tão intensa E aqui torno de novo a essa sensação de que, no conto, não é que seja necessário recusar o sexo, mas certamente é limitador e empobrecedor desconfiar que (1) ele esteja presente em todas as relações e (2) ele seja o elemento definidor das relações.

Quando, ao final do conto, ele vão embora e todos os outros ficam ali naquela repartição, inquietos e angustiados, com a sensação de que seriam infelizes para sempre, é desses limites e dessa pobreza que se trata. A pobreza de colocar o sexo e o desejo no centro da identidade.

Apesar de na hora ter achado que de vez em quando o recurso à uma espécie de dança-capoeira era desnecessário, depois também fiquei achando que esse tatear mútuo era bem interessante, dando corpo ao exercício de tatear, marcar limite: o corpo do outro como limite. A ambiguidade de querer se aproximar e querer marcar distância.

E eu continuo me perguntando, Maurice, meu companheiro: do que é feita a amizade?

Bom. Para concluir, mesmo que abruptamente - já que tenho que voltar a trabalhar - gostei da peça e recomendo! Eles ficam em cartaz até 14/12, no Sesc da Avenida Paulista.

Para quem quiser ler, o conto está no Morangos Mofados. Eu tenho uma edição muuuuito velha, comprada em sebo na época em que o livro estava esgotado (para vocês terem uma idéia, a edição é do Círculo do Livro e a capa é a mais homoeroticamente inclinada possível! Tipo: um cara loiro de bigode olhando pela janela onde a chuva escorre. Sentiu?). A Agir, que tem reeditado as obras do Caio, já deve ter republicado, naqueles volumes imensos e irritantes divididos por década.

Imagem: www.gettyimages.com.br

14 novembro, 2008


Queridos, a coisa por aqui anda corrida, por isso o blog está esse abandono todo. Eu não podia e não devia estar escrevendo, mas hoje resolvi roubar um tempinho para escrever um post que venho cozinhando há algum tempo, desde que a Denize fez uma provocação sobre o Dia do Livro (que foi dia 29 de outubro).

Outro dia, conversando com minha mãe e minha irmã sobre escolas e sobre o que é importante que uma boa escola tenha, acabei percebendo a centralidade das bibliotecas na minha experiência escolar.

Sempre gostei de ler, qualquer coisa que aparecesse na minha frente, gibis, livros, revistas. E na 5ª série, tive um professor de literatura muito bacana, que fazia a gente ler Fernando Pessoa. Mas até a 6ª série, as escolas em que estudei não tinham biblioteca.

Por isso, quando fui morar em Londrina, fiquei encantada com a biblioteca da escola. Era uma casinha de madeira, daquelas típicas no Paraná, plantada entre o prédio das salas de aula e a quadra. O lugar não era dos mais iluminados, mas tinha estantes lotadas de livros que ficavam à mão. Foi lá que li Ratos e Homens, Admirável Mundo Novo, 1984 e também Clarissa e Olhai os Lírios do Campo. Eu tinha só 12 anos, e não sou capaz de me lembrar bem de detalhes dos livros que li (a não ser daqueles que reli depois), mas me lembro bem da sensação que cada um deles me provocava, das experiências que eles me proporcionaram que me abriram enormes espaços por dentro.

Depois, no colegial, de novo fui estudar num colégio que tinha uma boa biblioteca, essa já mais iluminada e organizada. Os livros não ficavam tão à mão: apenas os didáticos ficavam em estantes acessíveis, para que pudéssemos pesquisar e fazer a lição de casa. Porém, ao final dos 4 anos em que fiquei lá (fiz Magistério), eu adquirira passe livre para encontrar os livros de meu interesse nas prateleiras restritas às Irmãs. Lembro-me até de um período, ao final do 3º ano, em que eu já havia passado em algumas disciplinas e fui dispensada de fazer prova. Então, como era obrigada a permanecer na sala de aula, foi uma fase em que lia por dia um ou dois livros, desses que se chama de literatura infanto-juvenil!

Foi por ter permissão para olhar nas estantes, por exemplo, que além de literatura também pude ter acesso à livros sobre Educação que não haviam sido indicado pelos professores. Foi assim que li estudos baseados em Foucault pela primeira vez (e foi assim que o Foucault virou epígrafe do meu trabalho de conclusão de curso, fascinada que fiquei pela idéia dos "jogos de verdade"...). Lembro-me até hoje de minha professora de Psicologia muito contente de descobrir comigo Foucault e toda a reflexão sobre a educação que se fazia a partir dele.

É claro que se eu já não gostasse de ler, talvez o simples fato da biblioteca existir não me provocaria o desejo de estar entre os livros. Em casa, sempre teve muito livro, e eu herdei da minha mãe o mergulho na leitura que nos torna, enquanto a leitura durar, incomunicáveis. Mas a existência das bibliotecas, o fácil acesso a elas, transformou o que era gosto em exercício constante - ou compulsão, se vocês preferirem, basta uma olhada nas estantes aqui de casa :-)

* Ontem estive na Feira de Livros da USP (mínimo de 50% de desconto). Consegui me controlar e não comprar livros-de-sociologia-muito-interessantes-que-não-vou-ler-num-futuro-próximo. Mas não tive a mesma sorte com os livros infantis... Voltei pra casa com 9 livros novos, da Cosac&Naif, Brinquebook e Girafinha. Ontem mesmo, antes do Rô dormir, já tive que contar umas três histórias. E tive que contar cinco vezes a história da Galinha Xadrez.

10 novembro, 2008

Como andei arrumando o imenso número de cartas guardadas, encontrei uma da Raquel em que ela comentava a primeira conversa que teve com uma amiga sobre a morte de uma amiga nossa, a Fabiana.

A Fá cresceu com a gente: morávamos todas no mesmo prédio, e a Fá era uma das líderes das aventuras e brincadeiras. Ela era linda, e um pouco mandona também. Mas era muito legal, e assim a gente perdoava esse pequeno defeito...

No final de 95, quando ela tinha 16 anos, descobriram um câncer. Só essa notícia já foi um grande choque, pra todo mundo. Logo a Fá, saudável e bailarina formada? Logo a Fá, tão nova e começando a viver? Logo a Fá, que mal começara a desabrochar em mulher?

Eu estava no cursinho e logo depois fui para São Paulo. Ainda conseguia vê-la de vez em quando, nos finais de semana. Às vezes mandava cartas. E embora ela tenha ficado um longo tempo após o transplante de medula num hospital em São Paulo, nunca tive coragem de ir visitá-la. Não no hospital, não na UTI.

No fundo, eu não acreditava na gravidade da situação. Preferia achar que depois do tratamento tudo ficaria bem, ela ficaria curada e aquilo ficaria como vaga lembrança no percurso da vida - dela, de todos nós. Talvez por isso ache tão precisa a expressão da Cris: "a burrice bonita de que é feita a última esperança". Até o último dia, eu não acreditei que era verdade.

Lembro de conversar muitas vezes sobre a Fá com a Ana Lúcia. Ela meio me prevenindo, meio me acalentando, com sua precoce experiência de ter perdido a mãe e conhecer a burrice bonita de se recusar a aceitar.

E então, uma semana antes do meu aniversário, eu estava em São José e me disseram que ela não estava bem. Fui vê-la no hospital, num quarto de enfermaria que abrigava só a ela e sua família, um quarto na penumbra, cercada da mãe, da avó e do irmão. A respiração curta e rápida, o corpo frágil e cansado. Mas ainda assim, um pouco de aconchego.

À noite, no jantar, ainda tentávamos compreender direito o que acontecia quando o interfone tocou. E era a mãe da , avisando que ela acabara de morrer. A casa da virou o ponto de reunião: por medo, por instinto, acabamos ficando todos juntos - a família dela, a Mari e eu, Felipe e Daniel, Paulo, Suzi...Talvez para sufocar a dor com o excesso de presença.

O velório foi na capela bem próxima ao nosso condomínio. Lembro-me de me preocupar com detalhes bobos, como preparar café. Talvez pelo velório ter sido tão próximo de casa, a morte tenha se tornado um pouco mais próxima também, não sei.

O que sei é que depois, passei um longo período como que flutuando sobre a vida. Via os dias se sucederem, mas a morte da Fá me arrancara do fluxo da vida. Uma semana depois, foi meu aniversário. No 7º dia. Minhas companheiras de república não fizeram festa, contentando-se em escrever "feliz aniversário" com catchup no pão de fôrma dos nosso lanches. E não consigo olhar aquela foto, em que seguro o sanduíche, sem notar meus olhos ausentes.

Por outro lado, a morte dela me atirou com intensidade à vida. Eu, sempre tão disciplinada, certinha e séria, aprendi que a vida é curta. "Muito curta pra ser pequena", como gostava de dizer o meu tio. Fiquei querendo uma vida larga, uma vida plena. Pra nunca ser interrompida e estar sempre pronta para a chegada da "indesejada das gentes".

Por muito tempo, ela foi uma das minhas principais interlocutoras. Falei muito com ela, para ver se ela me ensinava, da perspectiva de quem partiu cedo. É que ela adorava conversas filosóficas...adorava conversar para tatear a vida. Durante muito tempo também me culpei de não ter estado mais perto dela, de não tê-la visitado mais, escrito mais, inventado mais presenças. Foi por burrice, Fá: achei que haveria tempo.

Quando, no final daquele ano, a Mari ainda nem tinha certeza de que estava grávida, ela teve um sonho em que a Fá vinha e trazia para ela um bebê. E, de fato, a Juju veio, encheu a casa de vida e de esperança. A vida, seguindo seu rumo.

Ao longo da vida, a lista dos meus mortos foi se alongando. Embora eu já não os sinta como um enorme peso. Fui aprendendo que vida e morte andam juntas. O que, obviamente, não diminui a dor pelos que se foram - por vezes até a aumenta, porque no momento-quando não há nada mais difícil do que saber que será necessário continuar. Mas a vida é ciclo e também é cheia de bonitezas. E ainda que o objetivo da beleza não seja nos salvar da dor, ela nos redime um pouco - relampejo de vida, no meio da vida, no meio da morte.

* E para quem precisa de provas da relação entre vida, morte e beleza, recomendo o Para Francisco, que agora virou livro. A escrita da Cris e o esforço de apresentar ao Francisco o seu pai, são registro e expressão de como vida e morte se misturam. E também de como a beleza - na escrita, mas também em todos os gestos - pode ser tecida para nos amparar.


07 novembro, 2008

Boquiaberta

Quando o Weber falava na impossibilidade do homem moderno se sentir pleno, devido à consciência de que há sempre mais a pensar e descobrir, num progresso infinito que por isso mesmo nos limita ao tempo de nossa própria vida, ele tinha toda razão.

As fichas estão caindo numa velocidade assustadora. Mas eu sei que é uma acomodação intermediária das inquietações: o que sou capaz de ver e dizer hoje é só o meio caminho entre o que já vi e disse e o que verei e direi. Contanto que esteja viva.

A relação entre limites e trangressões é realmente interessante.

06 novembro, 2008

Muito rápidas

- Rodrigo agora deu para ficar com músicas grudadas na cabeça. Aprende na escola e depois fica cantarolando a música por hooooooras seguidas. Tem umas que eu entendo. Mas outras... Este final de semana ele saiu com uma música que eu acho que é da capoeira (pelo ritmo) e que termina dizendo que "o Fulano vai nascer bambu". Adorei. Queria nascer bambu, sim. Mas é só de vez em quando que o Rô me coloca na música, então só me resta esperar...

- Estou escrevendo, pensando, e tossindo. Mais tossindo do que qualquer uma das anteriores. Mas pelo menos a dor de ouvido deu uma aliviada.

- O Rô hoje cortou o cabelo. Desde a primeira vez que ele cortou no cabeleireiro (as primeiras duas fui eu mesma quem cortei) é o mesmo moço que nos atende. E o Rô adora ele! Outro dia, estávamos brincando de massinha e ele tinha acabado de ganhar uma tesoura. Aí, ele fazia cabelo de massinha e depois ia cortando, orientando "igual que nem" o F. faz com ele: "agora olha pra baixo, olha a formiguinha...". E depois ainda dizia "ficou lindo" e dava um pirulito!

- E agora, também por causa da escola, ele vira do nada e fala: "Vou te contar uma história que você não conhece". Aí ele inventa, conta, conta, conta...E quando chega no fim ele pergunta: "não é que você não conhecia essa palavra?".

- E hoje ele dormiu ouvindo poesias do Manuel Bandeira. Ele gostou de "Na Rua do Sabão". De Trem de Ferro ele já gostava desde o semestre passado, quando o tema de trabalho foi "trilhos". E eu achei que ele ia gostar de "Porquinho-da-Índia", mas ele nem tchuns.

- Ah! Pra terminar, ontem ele acordou tossindo (também) e veio atrás de mim: "ô mãe, eu preciso de uma "colheiada" de mel".

- Agora é a última. Melhor do que ele falando "colheiada" é quando ele pede para ver "Ma-da-ca-car". Sabem? O filme do "Leião", da Girafa, da "Zeba' e do hipopótamo. Madagascar, gente...


04 novembro, 2008

Intervalo para o comercial

Eu estava esperando ter um tempo para escrever com um pouco mais de calma, mas como já vi que não vai dar, coloco só as informações mesmo.

Quinta-feira é o lançamento do livro novo do Tony Monti, na Livraria da Vila da Fradique (vejam informações abaixo, do cartaz que roubei da página dele...).

Eu ganhei o primeiro livro do Tony dela, num aniversário que já vai longe (aliás, a Nara que me introduziu a outros autores desses novos, porque se dependesse de mim acho que só ia ficar lendo sempre os mesmos...). Era "O Mentiroso". Eu li, gostei, depois passei a acompanhar o blog que naquela época tinha outro nome (que eu esqueci agora, vixe, velhice...).

No final do ano passado, saiu "O menino da rosa", que eu adoro por várias razões que não vai dar tempo de explicar hoje.

Se a minha tese não me engolir na quinta-feira à tarde, eu estarei lá, para prestigiar o Tony (que não conheço pessoalmente) e comprar o livro novo.

Paciência

Rodrigo hoje dormiu bem na hora do almoço. Então, quando era 12h45, começamos a chamá-lo para que ele almoçasse antes de sair. Ele, nada. Conversamos, chamamos...E ele balançando a cabeça que não queria acordar, almoçar, ir na escola...

Até que eu tive a infeliz idéia de abrir a janela. Pra quê? O menino surtou. A gente pegava ele no colo, ele escapava e voltava pra cama! Tadinho...

E ele foi ficando cada vez mais brabo e irritado. E brigava e chorava e tentava chutar a gente. Surtou geral.

Ô coisa dura que é esse desencontro entre o nosso ritmo e o ritmo do mundo!

Sempre tentamos respeitar o ritmo dele: hora de dormir, hora de comer, os ires e vires da necessidade de estar perto. Sexta, por exemplo, ele não foi na escola só para poder fazer nada e não violentar a vontade do corpo resfriado que queria ficar quieto. Hoje não dava. Mesmo que doa nele e em mim esse puxo do mundo, com seus tempos e ritmos, tão diversos dos nossos; principalmente quando tudo o que a gente quer é um pouco mais de calma e alma.

Rô, uma musiquinha do Lenine, pra gente respirar fundo e lembrar do que nos interessa.

03 novembro, 2008

Diálogos

De manhã, indo para a escola:
- Mãe, por que você vai sentar na frente com o Edu?
- Por que o Edu é meu marido.
- Não! Ele não é seu marido!
- É sim, filho. E é seu papai.
- Não. Ele é meu marido.
- Mas filho, criança não tem marido, nem namorado. Ele é seu pai.
- Não. É meu marido. Criança tem marido e tem namorada. Você não tem marido!

Ontem, na casa da avó, brigando com o primo mais novo:
- Não vou deixar você pegar meu brinquedo! Você é feio! É feio pegar brinquedo da mão dos outros!
Aí, estou eu na cozinha, conversando com minha sogra, quando vem o menino desabalado da sala me comunicar:
- Mãe, eu não vou pedir desculpas para esse G. pequenininho. (Ele tem um amigo na escola com o mesmo nome...).

Ontem, antes de dormir, eu disse pra ele:
- Filho, olha nos meus olhos...
(virou a cara)
- Tudo bem, então vou falar pro Edu. Edu, olha nos meus olhos: eu te amo!
- Mamãe, mamãe, mamãe!
- O que, Rô?
- Olha nos meus olhos: eu te amo!

Na semana passada, nasceu o irmãozinho do amiguinho. Aí disse pra ele que eles estavam no hospital.
- Mas mãe (intrigado), porque é que eles estão doentes?

E ontem, ainda na avó, pediu para ver os tamanduás. Eram os caramujos...

01 novembro, 2008

Baú (2)

Genialidade
inventei uma engenhoca
que flutua no ar
pisa fundo na terra
mergulha na água.
A invenção sou eu.
Com defeitos de fabricação

Maré

te amo,
te odeio,
te amo,
te odeio,
te amo,
de odeio,
tô cheia.

Pérola

preciosa
a palavra
AMOR
em sua boca
semi-aberta

Veludo
afago noturno:
- boa noite, querida
mão e voz
da mesma textura

Brinquedo

sentado ao meu lado
as pernas embalam
memórias de parquinhos
e areias

Passado
algas enrolando
o pé
que se move adiante

Platonismo improvável
o amor que te tenho
se eu não provo
tu não provas

Puta-que-o-pariu!
assombro
e gosto de sabão na boca

Baú (1)

Brincadeiras antigas, reencontradas (uma seleção das menos piores):

Prisão domiciliar
entre músicas, discos,
memórias, telefone mudo
ela se encolhe
incomunicável

Chuva de Verão
"fácil vem, fácil vai"
dizia a avó
explique isso ao coração de mulher
que insiste
acreditando no eterno

Desejo
faço realidade meus sonhos
para que meu filho não nasça
com uma cara que não seja dele

Análise Combinatória
manga verde com sal
batata doce com leite
chiclete com banana
eu com você
você comigo
nós juntos (que tal?)

Qualquer bobagem
amor só é bom quando transborda

Cena 1
A menina está triste.
O rapaz é sincero.
A menina se confunde
e aguarda os próximos capítulos.
Corta! Agora!
O mal pela raiz.


solidão atada à angústia
trabalho de escoteiro

Reeleição
te escolho de novo, a cada dia:
voto de confiança

Mudança
saco de mágoas ao lixo
fantasmas ficam na casa velha
levo meu corpo, meus sonhos
e nenhum cadeado para as portas

30 outubro, 2008

Elephants

Um pouquinho da Yamagata, só para lembrar que viver é perigoso:

"So for those of you falling in love
Keep it kind
Keep it good
Keep it right
Throw yourself in the midst of danger
but keep one eye open at night".
(Rachel Yamagata, Elephants. Do álbum novo, de mesmo nome)

Ainda não tinha conseguido ouvir com a devida atenção. O álbum inteiro é lindo, mas doído demais. Perfeito para um dia cinzento.

27 outubro, 2008

A cidade residual

Antes de vir para São Paulo, eu tinha medo de São Paulo. Medo, não: pavor. Quando passei no vestibular para a 2ª fase, em 1995, sonhava to-dos os dias que a cidade era enorme e eu era tão pequena que quase me perdia em cada posto, em cada esquina.

Mesmo depois de ter vindo, eu ainda tinha medo da cidade. Só fui perdendo o medo ao fazer uma das coisas que mais me assustavam: andar no Centro de São Paulo. Primeiro, ia de vez em quando com a Ana Lúcia, que morava no finalzinho da Brigadeiro Luiz Antonio. A gente ia andar na República, no Teatro Municipal, ver o prédio da Light...Era tudo tão intenso. E ao mesmo tempo tão humano. E foi então que entendi que a cidade era viva, o que me fez com que o medo diminuísse consideravelmente.

Quando fizemos Métodos em Pesquisa III, acabamos reunindo um grupo de amigos e escolhendo o Mercado Municipal como "objeto" de pesquisa: durante quase seis meses, uma vez por semana, nos encontrávamos no Café Girondino, no Largo do São Bento, e de lá caminhávamos até o Mercadão. Às vezes, cortávamos caminho pela 25 de março. Aliás, sempre que passo lá me lembro de todos nós caminhando em meio à confusão, gritos, camelôs e do Mauricinho que, um dia, com um ar bem tranquilo, virou para nós e disse "- Tá vendo ali? Naquela esquina? Pois foi ali que o Contrato Social foi rasgado".

Com o Prof. Martins, de Sociologia da Vida Cotidiana, também realizamos vários passeios ao Centro: ao Cemitério da Consolação, ao Mosteiro de São Bento, ao Mercado Municipal, Pátio do Colégio, Museu dos Imigrantes. Com ele, aprendemos a decifrar as camadas das diferentes sociedades presentes nos monumentos, na arquitetura, na arte: a disposição da cidade revelando as maneiras de dispor das pessoas e dispor as pessoas.

Foi com o Martins também que lemos Henri Lefèbrve, sociólogo/filósofo marxiano que dedicou parte de sua obra à análise da vida cotidiana. Lefèbrve construiu uma sociologia rica em tensões e em vida, opondo-se a uma concepção empobrecedora e determinista de Marx. Ele não dividia, por exemplo, a sociedade entre alienados e não-alienados, entendendo que alienados somos todos uma vez que as mediações são parte da vida social e é impossível sempre ter consciência de tudo. De outro lado, o poder nunca é absoluto, há sempre algo que lhe escapa: aquilo que é residual, que não se deixa cooptar, que persiste mesmo que não necessariamente como consciência acabada de alguma coisa: persiste como mal-estar, como pesadelo, como algo que está "fora do lugar". É residual tanto porque é o que "resta" como porque pode restar sob a forma de uma pequena sobrevivência ao qual a sociologia precisa estar atenta (daí a importância de uma sociologia da vida cotidiana).

Lembrei de tudo isso porque, na semana passada, o querido Mauricio Ayer me mandou uma mensagem em que contava um pouco do projeto Cartão Postal, realizado pelo coletivo de artistas do qual ele faz parte - As Rutes - na Mostra Sesc de Artes. Eles selecionaram alguns lugares, "cartões postais" da cidade como o Vale do Anhangabaú, o Parque da Luz, o Viaduto Santa Ifigência e a Bolsa de Valores, entre outros, e prepararam intervenções especiais em cada um deles. A partir da experiência, foram criados Cartões Postais residuais de cada espaço, isto é, cartões que não registram a paisagem morta do cartão postal, mas a vida de quem passa por ali.

Os registros estão no blog O Diário do Viajante e são muito, muito interessantes. Os monumentos que viram cartões-postais em geral são construídos como afirmações de poder, como expressões do desejo de afirmar uma nova ordem (caso do Mercado Municipal, por exemplo, parte de um projeto de higienização da cidade): são feitos de beleza, mas também de opressão; podem ser celebrativos, mas querem fazer desaparecer a vida de todo dia, na medida em que se inserem em outro espaço e outro tempo.

Por isso, é muito legal essa '"brincadeira" de experimentar os espaços dos cartões-postais, seja estimulando os sentidos (vejam o cartão do Viaduto Santa Ifigênia), seja recuperando as histórias que permeiam o espaço e a relação das pessoas com o espaço (vejam os causos do Parque da Luz), seja contrapondo-se ao barulho simplesmente ficando em silêncio (no Vale do Anhangabaú). Mais legal ainda é que o cartão que resulta do processo é muito eloqüente para apontar as tensões, as ambigüidades, a vida que acontece no espaço congelado para ser visto pelos olhos dos turistas. A beleza de quem vive o espaço é diferente da de quem com ele tem uma relação de consumo (aprendi também com o Martins e o Lefèvbre: a lógica do usuário é diversa da lógica do consumidor...). Os turistas consomem o espaço; os cidadãos, o utilizam.

Por isso, os "retratos" que fizeram As Rutes dos nossos cartões-postais resultaram em registros bonitos dos desencontros e dos encontros que acontecem na cidade. Não foram fotos panorãmicas, mas fotos com um zoom muito potente. Tão potente que registrou parte dos resíduos presentes na cidade: a lógica, os sentimentos, as sensações e as críticas de quem está na cidade não para consumi-la, mas para viver nela. Os resíduos de humanização e de esperança que tornam possível que não sejamos engolidos pela cidade e seus intensos fluxos; resíduos que transformam o medo em sedução: nos meus sonhos, a cidade não mais me devora - somos irredutíveis, ela e sua intensidade demoníaca, eu e minha humanidade recalcitrante.

Obrigada, Mau, por ter se lembrado de mim e provocado tantas lembranças e reflexões. Não vejo a hora do meu cartão-postal chegar!




("São, São Paulo, mon amour"; Tom Zé)